« Seleção de Profissionais | Main | Música calma pra pessoas nervosas »

agosto 15, 2007

Hérois anônimos

Superman cotidiano
Por Carlos Maia (afroreggae)

Desde a infância, ainda no período escolar, nós aprendemos a decorar quem foram “os grandes vultos da nossa história” e seus feitos gloriosos: quem proclamou a independência do Brasil? Resposta: Dom Pedro. Quem libertou os Escravos? Princesa Isabel. Quem criou leis em favor dos trabalhadores? Getúlio Vargas. Ficamos assim, com a impressão de que todo o curso dos acontecimentos depende da ação única e exclusiva de uma meia dúzia de iluminados. Não é de se estranhar que muitos alunos não tenham interesse pela disciplina de História, pois não se vêem representados ali e o povo aparece como coadjuvante – isso quando é mostrado.

Não é dito aos estudantes que toda mudança feita na sociedade depende das ações do conjunto da sociedade, e que direitos não são dados, e sim conquistados. Na TV, no cinema e nas histórias em quadrinhos vemos aos montes seres com habilidades excepcionais salvando o mundo e sendo aclamados pelos cidadãos; é sempre a mesma história: o povo não sabe agir sozinho, precisa da ajuda de alguém superior. A maioria das pessoas não percebe que ao longo da vida recebem uma educação política. E numa sociedade que valoriza a fama e o espetáculo como a nossa, nós todos, em maior ou menor grau, aprendemos a prestar atenção em quem é notícia, seja um “artista” pela roupa que está usando, o novo vencedor do reality show, ou ainda o fulano que trocou de namorada.
Vamos assim nos apequenando, servindo de bateria para alimentar essa grande indústria que lucra de todas as formas às nossas custas. Seguindo a tradição dos grandes feitos, idolatramos um determinado jogador de futebol em detrimento de todos os outros (o cara venceria um jogo, ele apenas contra outros 11?); veneramos o ator da novela e não notamos o artista do nosso bairro; a menina fica deprimida por não ter o mesmo padrão de beleza da modelo da passarela; desejamos a mulher que saiu nua na revista e esquecemos da que está sempre ao nosso lado para o que der e vier e assim por diante. Robotizados, vamos nos tornando insensíveis ao que se passa ao nosso redor.
Mas quanta dignidade há naquilo em que menos botamos valor. Uma família composta de mãe, pai e filho que dormem ao relento - quantas histórias e lições de vida deixamos de aprender ali por nossos preconceitos... A velhinha que vai catando as latinhas de refrigerante deixadas para trás – quanta sabedoria deve ter ali numa força que misteriosamente se manifesta na fraqueza. E ainda toda a gente que levanta as quatro ou cinco da manhã, enfrenta duas conduções para chegar ao trabalho e mais duas para voltar para casa e, chegando lá, vai fazer a janta, cuidar dos filhos ou ainda se dedicam a outras atividades (estudo, trabalho voluntário).
Diante desse quadro, todas as crises que o país atravessa se tornam pequenas diante da capacidade de um povo que não desiste e está sempre pronto para recomeçar no dia seguinte. Durante anos no bairro de Realengo, Zona Oeste do Rio, uma mulher jovem ia catando papelões por todas as latas de lixo e ainda conseguia cuidar do filho ao qual levava em velho carrinho de crianças. Muitos diriam que ela estava condenada a fracassar, pois naquelas condições não conseguiria ir muito longe. Dentro da nossa sociedade, talvez ela não tenha ido “muito longe”, mas com toda a certeza ela não fracassou, pois continua lá com seus papelões e seu filho que era um bebê, agora é uma criança crescida – e saudável.

Posted by Sandino at agosto 15, 2007 09:12 PM

Comments

Post a comment




Remember Me?