« Teu presente, uma lição! | Main | Control: uma homenagem digna ao Joy Division »

outubro 09, 2007

Diário de um Ernesto
Por Sandino

RIO 2007 - Caminho pelo Engenhão zero bala, a turma está com fome. Para fugir da exploração dos licitados fast foods, é preciso descer longas rampas e ir próximo aos muros do estádio, de onde são arremessados os lanches naturais de atum (perigosos e duvidosos). No caminho, trombamos com uma delegação cubana que pousa para fotos entre turistas e comunistas acidentais. Entre os atletas, está o medalhista Yordan Garcia - descubro depois que seu nome remete ao diretor e roteirista de cinema Philip Yordan - “El Cid” (1961) e “55 Days at Peking”(1963), passou na ilha no “cinema popular”, com direito aos caracteres na tela grande em CineScope.
Em virtude da baixa pontuação obtida no “Salto com Vara”, Yordan teve que se contentar com medalha de prata no Decatlo. Depois de uma foto com o atleta, puxo um pouco de conversa. Quero saber como um país pequeno (110.860 km², um pouco maior que o estado de Pernambuco) e de economia agrária, consegue tanto sucesso no esporte. Demonstrando-se inicialmente um tanto arredio a prosa e verso, tenho como resposta a combinação de “educação, esporte e saúde”. Aprendo também sobre o funcionamento dos “centros esportivos” e da capacitação de atletas e treinadores. Quando se sabe ouvir, não precisa muitas palavras!
De olho no abrigo esportivo do atleta, proponho uma troca com uma camiseta quase genuína do todo poderoso timão. O cubano rejeita a oferta e comenta sobre o fato do patrocinador ser uma multinacional coreana (do sul) repleta de capital norte-americano. Se ele soubesse da MSI então?! Descubro também que os cubanos não dão muito valor para o futebol e naquelas bandas, Maradona é mais conhecido do que Pelé. Descubro mais...Yordan é culto, tem apenas 19 anos e sua meta é estar no pódio em Pequim 2008. Quero saber mais e como gancho para entrarmos na política cubana, pergunto sobre o “seqüestro” de Juan Manoel Fangio - assunto obrigatório nas escolas de lá. Um seqüestro??? - dirão alguns desavisados! Em tempo: antes que a revista Veja publique que desceram a botinada no piloto, é bom esclarecer que Fangio foi muito bem tratado e respeitado enquanto esteve nas mãos dos guerrilheiros. Foi uma revolução justa e autêntica, em nada lembra o genocídio ao povo paraguaio promovido pelo “corajoso” Duque de Caxias e o “bravo” Conde D´Eu.
A conversa já está boa. Arrisco comentar sobre os boxeadores desertores. Óbvio: numa delegação de 500 atletas não se pode quantificar a insatisfação tendo como referência a atitude de 3 atletas. “Depois eles voltam, estão iludidos. É a interferência da TV de Miami”, justificam.
Pergunto então sobre a possibilidade da deserção, temo ser confundido com o procurador do goleiro Doni. Yordan ri e diz: nunca, pra que? A justificativa é contundente e desperta para as prioridades de um povo. Yordan lembra que 6 mil crianças morrem por dia no mundo, vítimas da fome, frio e doenças terceiro-mundistas. Nenhuma delas é cubana. Milhões de pessoas passam o dia em macas e corredores de hospitais em busca de tratamento médico. Nenhum desses cidadãos são cubanos! Há ainda no mundo cerca de 875 milhões de analfabetos. Nenhum cubano figura nesta estatística.
Tento uma última oferta na jaqueta. Proponho torcer por Yordan na próxima olimpíada, caso fique guardião de sua jaqueta. “Todo bueno, es su!”.
Despedimos de Yordan e de posse do precioso souvenir (já no corpo, GG) volto a pensar na fome. Próximo do portão, uns torcedores gaúchos, todos colorados, estampam a figura do lendário Che Guevara em uma bandeira. A oferta e o contato são inevitáveis! 50, 100, 200, 700, 1.500 reais? Desculpe caros amigos dos pampas... mas como diria um batido jargão capitalista: tem certas coisas que o dinheiro não compra, para todas as outras existe o tal do master card. Para a civilização, a revolução cubana não tem preço!

Posted by Sandino at outubro 9, 2007 10:36 PM

Comments

não tem preço mesmo...
visto que tbm não foi apenas "cubana"...
"educação, esporte e saúde" - com certeza!
... são "tópicos" elevados demais para nosso 'feudo', mas nada que uma "revolução" não torne acessível... afinal, tudo é possível!
hasta! ... la victoria siempre!

Posted by: engelmann at outubro 11, 2007 10:52 PM

Belo texto Sandino! Viagem aqui na história. abraços!

Posted by: Igor at outubro 16, 2007 11:21 AM

Post a comment




Remember Me?