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outubro 25, 2009

Sente São Paulo...

Manhã de sol, dia de frio, madrugada de gelo e amanhã incerto
Por Joelma do Couto*

Terça-feira, 2 de junho de 2009. São Paulo amanhece com céu azul, ar limpo, um lindo e gelado dia de outono. Pelas ruas da capital financeira do país pessoas caminham elegantes e bem vestidas, cachecóis, casacos, botas. Muitas paradas ao longo de elegantes lojas comentam “adoro o inverno, que estação elegante”.
Na região da Rua Vinte e Cinco de Março, carros da companhia de luz fazem reparos, gente indo e vindo com mãos cheias de sacolas, de repente, correria, lá vem o rapa. Camelôs que vendem suas mercadorias no chão ou em pequenas mesas juntam tudo e saem correndo na tentativa de preservar o ganho pão da família. Uma senhora de aproximadamente 50 anos, moradora da Pedreira zona sul da cidade, comenta “Vida de pobre é assim mesmo, quanto mais os ricos ficam ricos mais ódio eles tem dos pobres. mas eu tenho fé, acredito em Deus, vou continuar trabalhando assim mesmo. Quer comprar um carrinho de mim moça?”

A cada hora que se passa, o frio aumenta. Na Praça do Correio dezenas de pessoas encolhidas, sem botas, sem casacos, sem luvas, sem a elegância da estação. Sentadas, deitadas, sobre caixas de papelão ou embaixo de cabanas improvisadas com pedaços de lona ou papelão, tentam abrigar-se do frio. A cidade de São Paulo tem mais de 16 mil pessoas em situação de rua e, oito mil vagas em albergues. Metade não tem onde pernoitar. Esse número cresce a cada dia. As favelas estão sendo urbanizadas, onde têm 900 famílias o governo constrói 300 apartamentos, e o resto? O resto, recebe 3,5 8 mil reais de indenização pelo barraco e some, para a rua ou lá prós confins da cidade. A periferia se expande!!!
No meio disto tudo está Mara Sobral, ex menina de rua, mãe de 12 filhos, nove adotados, caminhando com olhos tristes, desanimada, cansada, revoltada. Mara se diz cansada se ser violentada “Quando escapamos da violência da família caímos nas ruas e daí por diante passamos a ser violentadas diariamente pelo sistema”. A central de catadores onde Mara trabalhou por alguns anos sofreu um incêndio criminoso em dezembro de 2008 e desde então Mara e seus companheiros lutam para tentar reabrir o local.
Parece simples,queimou,apagou-se o fogo,reformou,voltou-se a trabalhar. Não, não é assim tão simples. A partir do momento em que a cooperativa foi incendiada os cooperados perderam a chance de continuar trabalhando. A cooperativa foi fechada, o que aconteceu ninguém sabe. Quem vai perder tempo investigando incêndio em cooperativa de catadores? A quem interessa?Afinal ali só trabalha o refugo da sociedade. O lixo humano produzido pelo capitalismo, os párias da modernidade, segundo afirma o sociólogo polonês Zygmunt Bauman em seu livro Vidas desperdiçadas.
Depois de muita repercussão, muita luta e muita promessa a cooperativa talvez fosse reabrir as portas provisoriamente em um pequeno galpão de 320m nos próximos dias. Mas, apareceu mais um problema, Wagner, conhecido como Sting, responsável pela coleta seletiva na cidade de São Paulo resolveu que, a cooperativa só terá os caminhões da Limpurb disponíveis para coleta do material doado pelos condomínios a central da Granja Julieta, quando os catadores quitarem a dívida de 18 mil reais com o INSS. A promessa de reabrir a cooperativa para que os catadores pudessem começar a trabalhar foi por água abaixo? E agora?Como é que eles vão arrumar oito mil reais para saudar esta dívida?Como vão saudar as dívidas pessoais que não são poucas?Como ficam essas vidas?
No final do dia o frio já era de fazer doer os ossos. Mara caminhava em direção ao terminal Bandeira para pegar um ônibus rumo à zona sul. Quando de repente viu um sorriso a sua frente. Era Sorriso, ex cooperado. Filho da rua, Sorriso perdeu a mãe nas ruas, morta a pauladas. Ele, doente mental, ex albergado da região de Santo Amaro, teve a chance de ter um lar. Com o trabalho da cooperativa, Sorriso pagava o aluguel de seu cantinho, agora sem emprego Sorriso voltou às ruas. Ficaram longes os tempos em que ele podia comprar e pagar suas contas.Sorriso tem dificuldades,não se adapta a qualquer lugar,precisa de apoio,carinho.
Para ficar longe das lembranças Sorriso deixou Santo Amaro e foi dormir no berço esplendido das ruas da região central. Mara chora pede para que ele volte para Santo Amaro, para o albergue da Ceninha. Tem medo que ele morra de frio, ou que alguém o mate. Ele é uma criança grande.
Na cidade dos lucros, no coração financeiro do país, não há lugar para os menos favorecidos. A aqui não é a cidade dos sonhos onde todos podem trabalhar e crescer. Aqui se escolhe quem pode trabalhar, não basta querer. Aqui os sonhos se queimam, os corações são frios e o lixo deve desaparecer da frente dos olhos dos mais favorecidos. Não importa a que custo e muito menos se o lixo é o que ou quem. Que nesta madrugada gelada o Bento do Portão proteja a todos os Sorrisos jogados nas calçadas da paulicéia desvairada.

*Joelma do Couto é estudante de jornalismo.

Posted by Sandino at outubro 25, 2009 04:05 AM

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