fevereiro 16, 2012

Deu na Veja, desconfie!
Messias Pontes*

A revista Veja, da Editora Abril, já foi a maior e melhor semanal da imprensa brasileira. Isto quando era dirigida pelo jornalista Mino Carta, que acabou sendo mandado embora por exigência da ditadura militar. Ou entregava a cabeça do Mino na bandeja ou a editora não receberia um centavo sequer da publicidade oficial da milicada. Recentemente, Mino Carta, inconformado por ver uma criação sua transformada no que há de pior, desabafou: “criei um monstro”.
A semanal da Abril é parte integrante no núcleo da velha mídia conservadora, venal e golpista, o GAFE – Globo, Abril, Folha e Estadão. Há quem aposte que a Veja é pior que todos os outros veículos. Até mesma da Globo. Para mim é o lixo do jornalismo brasileiro; para o jornalista Paulo Henrique Amorim, a Veja é tão somente os excrementos da maré baixa. Não tem a menor credibilidade e é por isso mesmo que está perdendo milhares de leitores e as assinaturas estão minguando na razão direta da sua cretinice.
Qualquer criança sabe que jornalismo se faz em mão dupla, e que o contraditório é essencial para a apuração de uma notícia. Mas com a Veja, depois da saída do Mino Carta, a coisa tem sido diferente. Só publica o que a famiglia Civita quer, por mais absurda que seja uma denúncia, como esta agora contra o honrado e competente ministro dos Esportes, Orlando Silva. O Ministério dos Esportes era uma coisa tão insignificante que ninguém queria. No entanto Orlando Silva deu visibilidade ao órgão, fazendo do PAN de 2007 um grande sucesso, e mais ainda, trazendo para o Brasil a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016.
O lixo do jornalismo brasileiro requentou uma notícia usada nas eleições de 2010 em Brasília pelo jornal Correio Brasiliense para atingir o candidato petista Agnelo Queiroz, hoje governado do Distrito Federal. Caberia à Veja, antes de publicar as mentiras e calúnias do bandido João Dias Ferreira que a procurou, ouvir o ministro dos Esportes para dar ao leitor as duas versões. Porém age também com banditismo para atingir a honra de um homem probo, a serviço de quem está tendo os seus interesses contrariados. Objetiva também as famigerada revista o inatacável Partido Comunista do Brasil que nos seus 90 anos de história tem sido um exemplo de como se faz política neste País. E por fim é desejo desse senhor Civita destruir a governo da presidenta Dilma Rousseff, coisa que tentou fazer com o o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e não conseguiu.
Quando a FIFA tentou impor o fim da soberania nacional brasileira a bancada do PCdoB no Congresso Nacional foi a primeira a protestar e deixar bem claro que a soberania nacional é inegociável, e portanto estudantes e idosos vão pagar só 50% do valor do ingresso e a venda de bebidas alcoólicas vai continuar sendo proibida. Circulam rumores de que a FIFA e a CBF estariam por trás dessa palhaçada.
Foi o próprio ministro quem pediu ao Ministério Público e à Polícia Federal para ir fundo na apuração da denúncia. Ele compareceu ontem à duas comissões da Câmara dos Deputados, desmascarando o bandido que o acusou, mostrando documentos que provam ser o policial militar que o acusou um grande patife. Tem contra si nada menos de 11 processos e já foi preso por desvio de dinheiro público.
A velha mídia conservadora, venal e golpista vai sair mais uma vez desmoralizada. Qualquer pessoa que tenha somente dois neurônios sabe que se o ministro recebeu dinheiro numa caixa de sapatos na garagem do Ministério, as câmara de segurança mostraria. Ademais, se o ministro tivesse recebido propina do bandido João Dias, seria refém dele e jamais iria exigir que ele devolvesse mais de R$ 4,8 milhões.
Quando a Veja, a rede Globo (rádio, jornal, revista, portal e TV), a Folha e o Estadão derem uma notícia dita bombástica, desconfie.
Parabéns, ministro Orlando Silva Júnior pela sua firmeza. O Brasil lhe conhece e sabe da sua honestidade, competência e compromisso com a verdade.

*Diretor de comunicação da Associação de Amizade Brasil-Cuba do Ceará, e membro do Conselho de Ética do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado do Ceará e do Comitê Estadual do PCdoB.

Posted by Sandino at 07:12 PM | Comments (0)

outubro 22, 2011

Deu na Veja, desconfie!
Messias Pontes*

A revista Veja, da Editora Abril, já foi a maior e melhor semanal da imprensa brasileira. Isto quando era dirigida pelo jornalista Mino Carta, que acabou sendo mandado embora por exigência da ditadura militar. Ou entregava a cabeça do Mino na bandeja ou a editora não receberia um centavo sequer da publicidade oficial da milicada. Recentemente, Mino Carta, inconformado por ver uma criação sua transformada no que há de pior, desabafou: “criei um monstro”.
A semanal da Abril é parte integrante no núcleo da velha mídia conservadora, venal e golpista, o GAFE – Globo, Abril, Folha e Estadão. Há quem aposte que a Veja é pior que todos os outros veículos. Até mesma da Globo. Para mim é o lixo do jornalismo brasileiro; para o jornalista Paulo Henrique Amorim, a Veja é tão somente os excrementos da maré baixa. Não tem a menor credibilidade e é por isso mesmo que está perdendo milhares de leitores e as assinaturas estão minguando na razão direta da sua cretinice.
Qualquer criança sabe que jornalismo se faz em mão dupla, e que o contraditório é essencial para a apuração de uma notícia. Mas com a Veja, depois da saída do Mino Carta, a coisa tem sido diferente. Só publica o que a famiglia Civita quer, por mais absurda que seja uma denúncia, como esta agora contra o honrado e competente ministro dos Esportes, Orlando Silva. O Ministério dos Esportes era uma coisa tão insignificante que ninguém queria. No entanto Orlando Silva deu visibilidade ao órgão, fazendo do PAN de 2007 um grande sucesso, e mais ainda, trazendo para o Brasil a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016.
O lixo do jornalismo brasileiro requentou uma notícia usada nas eleições de 2010 em Brasília pelo jornal Correio Brasiliense para atingir o candidato petista Agnelo Queiroz, hoje governado do Distrito Federal. Caberia à Veja, antes de publicar as mentiras e calúnias do bandido João Dias Ferreira que a procurou, ouvir o ministro dos Esportes para dar ao leitor as duas versões. Porém age também com banditismo para atingir a honra de um homem probo, a serviço de quem está tendo os seus interesses contrariados. Objetiva também as famigerada revista o inatacável Partido Comunista do Brasil que nos seus 90 anos de história tem sido um exemplo de como se faz política neste País. E por fim é desejo desse senhor Civita destruir a governo da presidenta Dilma Rousseff, coisa que tentou fazer com o o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e não conseguiu.
Quando a FIFA tentou impor o fim da soberania nacional brasileira a bancada do PCdoB no Congresso Nacional foi a primeira a protestar e deixar bem claro que a soberania nacional é inegociável, e portanto estudantes e idosos vão pagar só 50% do valor do ingresso e a venda de bebidas alcoólicas vai continuar sendo proibida. Circulam rumores de que a FIFA e a CBF estariam por trás dessa palhaçada.
Foi o próprio ministro quem pediu ao Ministério Público e à Polícia Federal para ir fundo na apuração da denúncia. Ele compareceu ontem à duas comissões da Câmara dos Deputados, desmascarando o bandido que o acusou, mostrando documentos que provam ser o policial militar que o acusou um grande patife. Tem contra si nada menos de 11 processos e já foi preso por desvio de dinheiro público.
A velha mídia conservadora, venal e golpista vai sair mais uma vez desmoralizada. Qualquer pessoa que tenha somente dois neurônios sabe que se o ministro recebeu dinheiro numa caixa de sapatos na garagem do Ministério, as câmara de segurança mostraria. Ademais, se o ministro tivesse recebido propina do bandido João Dias, seria refém dele e jamais iria exigir que ele devolvesse mais de R$ 4,8 milhões.
Quando a Veja, a rede Globo (rádio, jornal, revista, portal e TV), a Folha e o Estadão derem uma notícia dita bombástica, desconfie.
Parabéns, ministro Orlando Silva Júnior pela sua firmeza. O Brasil lhe conhece e sabe da sua honestidade, competência e compromisso com a verdade.

*Diretor de comunicação da Associação de Amizade Brasil-Cuba do Ceará, e membro do Conselho de Ética do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado do Ceará e do Comitê Estadual do PCdoB.

Posted by Sandino at 04:30 PM | Comments (0)

Kadafi e a alegria mórbida do império
Por Fernando Brito, no blog Tijolaço

Qualquer que seja a opinião sobre Muammar Khaddafi, ou sobre qualquer pessoa, é enojante ver uma pessoa ser covardemente assassinada, desarmada e ferida. O vídeo divulgado pelas tevês árabes o mostra vivo e cambaleante, sendo assassinado por um grupo armado. Não é um bom cartão de visitas para um movimento que se proclama democrático e defensor dos direitos humanos os quais afirmava que Khaddafi violava.
Estas cenas de barbárie mostram que o Brasil faz muito bem em aguardar na normalização da situação líbia, pois demonstra que, no mínimo, não há controle central sobre os grupos armados e faz supor que esteja acontecendo uma liquidação em massa de figuras ligadas ao antigo Governo, sem julgamento e através da simples execução sumária ou linchamentos.
Fez muito bem a presidenta Dilma Rousseff em dizer que um assassinato, seja de quem for, não deve ser comemorado.
Infelizmente, os líderes mundiais e boa parte da imprensa parecem ficar possuídos de uma mórbida alegria com este tipo de atitude. Não é para menos, depois que os líderes do governo americano foram comemorar na televisão a execução sumária e o lançamento ao mar do corpo de Osama Bin Laden.
Se condenaram e até lançaram ataques aéreos contra o regime de Kaddhafi – a quem adularam durante anos para combater o extremismo islâmico, comprar petróleo e vender armas – por este tipo de atrocidade, o que dizer dos que fazem o mesmo?
Da mesma forma, a resolução da ONU que autorizou o início da força para proteger populações civis contra os poderes do Governo foi, igualmente, um exercício de hipocrisia, tanto que os aviões da Otan continuaram bombardeando sem cessar os redutos onde apenas tentavam sobreviver os remanescentes do regime. Estava claro que o objetivo jamais foi negociar uma normalização da vida no país e a plenitude democrática. Do início ao fim, o objetivo era criar um novo governo sobre o cadáver de Khadafi.
Viva a civilização ocidental!

Posted by Sandino at 04:25 PM | Comments (0)

maio 12, 2011

A Era da Mentira
Zillah Branco*
Original Vermelho

Este título é o do livro publicado recentemente pelo egípcio Elbaradei, conhecido diplomata e consultor jurídico na AIEA – Agência Internacional da Energia Atômica -, organismo das Nações Unidas criado com base no conceito de “´Átomos Pela Paz” sugerido por Eisenhower em 1953 quando disse: “Se existe um perigo no mundo, é um perigo partilhado por todos; e, da mesma forma… se existe esperança na mente de uma nação deveria ser partilhada por todos.”
Em 1970 foi elaborado o Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares subscrito por 189 países até 2010 com a triste ausência de Israel, Paquistão e India e da desistência da Coreia do Norte que em 1994 assinou um Quadro Acordado apenas com os Estados Unidos.
Ao contrário dos objetivos com que a Agência foi criada, e do uso da diplomacia nuclear que traduzia um compromisso entre os signatários para promover a cooperação tecnológica para o uso da energia nuclear para fins pacíficos e para evitar o crescimento das armas nucleares, após a queda da URSS, cujo poder equilibrava o dos Estados Unidos, cresceu a instabilidade mundial com a proliferação de novas iniciativas de produção nuclear, a AIEA passou a ser pressionada pelos Estados Unidos a denunciar as emergentes ambições nucleares como motivos para serem desencadeadas invasões militares. Os serviços secretos ocidentais foram infiltrados na UNISCOM, - nova Comissão Especial das Nações Unidas que subsidiava diretamente o Conselho de Segurança - e na própria AIEA com a entrada de novos técnicos, o que propiciou o surgimento de falsas informações sobre a preparação de armas biológicas no Iraque logo utilizadas pelos Governos dos Estados Unidos e do Reino Unido como pretexto para desencadear a Guerra do Golfo.
Elbaradei revela grande preocupação em respeitar a cultura e as religiões do povo iraquiano e critica duramente o comportamento tipo cowboy adotado por técnicos norte-americanos das Agências. O mesmo não ocorre ao analisar o trabalho feito pela AEIA na Coreia do Norte em 1992, referindo com sobranceria a falta de conforto em aviões, carros e hotéis, visivelmente pobres e o poder do “Grande Lider” presente em todas os encontros oficiais. Mas em ambos os casos, mostra com riqueza de referências factuais a manipulação imposta pelo governo norte-americano sobre os trabalhos técnicos das agências, inclusive citando frases de Condoleezza Rice que declarou: “a Carta da ONU é baseada no papel primordial e na responsabilidade dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança. Como sabe, a segurança dos Estados Unidos está ameaçada e, portanto, somos livres de tomar quaisquer medidas que consideremos necessárias para proteger a nossa segurança”. Baradei comenta: “Dei por mim grato por ela ter parado antes de dizer que a ONU é o Conselho de Segurança, e o Conselho de Segurança são os Estados Unidos”. A referência que faz ao Vice-Presidente Dick Chenney é breve e conclusiva: “Ele estava sentado atrás da sua secretária, e não perdeu tempo com conversa de circunstância. Tinha uma mensagem direta e simples para transmitir: “Os Estados Unidos estão preparados para trabalhar com os inspetores das Nações Unidas, mas também estão prontos para desacreditar os inspetores, com vista a desarmar o Iraque”.
É difícil para um cidadão comum imaginar a prepotência e a falta de respeito que um técnico do mais elevado nível internacional, se vê obrigado a suportar de políticos grosseiros que falam em nome do imperialismo. O nome e prestígio institucional parecem contar mais que a dignidade humana que é o grande valor de quem não tem riquezas materiais. E esta é a distância que separa os povos em luta pela afirmação nacional e os direitos democráticos dos poderosos imperiais. Talvez Baradei tenha chegado a esta conclusão ao juntar-se ao seu povo, no Egito, no início de 2011 para derrubar o regime autoritário de Mubarak.
É interessante notar que “a era da mentira%

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março 13, 2011

Tragédias naturais como do Japão expõem perda da noção de limite
por Marco Aurélio Weissheimer, na Carta Maior

Nas catástrofes atuais, parece que vivemos um paradoxo: se, por um lado, temos um desenvolvimento vertiginoso dos meios de comunicação, por outro, a qualidade da reflexão sobre tais acontecimentos parece ter empobrecido. A humanidade está bordejando todos os limites perigosos do planeta Terra e se aproxima cada vez mais de áreas de risco. A ideia de limite se perdeu e a maioria das pessoas não parece muito preocupada com isso.


No dia 1° de novembro de 1775, Lisboa foi devastada por um terremoto seguido de um tsunami. A partir de estudos geológicos e arqueológicos, estima-se hoje que o sismo atingiu 9 graus na escala Richter e as ondas do tsunami chegaram a 20 metros de altura. De uma população de 275 mil habitantes, calcula-se que cerca de 20 mil morreram. Além de atingir grande parte do litoral do Algarve, o terremoto e o tsunami também atingiram o norte da África. Apesar da precariedade dos meios de comunicação de então, a tragédia teve um grande impacto na Europa e foi objeto de reflexão por pensadores como Kant, Rousseau, Goethe e Voltaire. A sociedade europeia vivia então o florescimento do Iluminismo, da Revolução Industrial e do Capitalismo. Havia uma atmosfera de grande confiança nas possibilidades da razão e do progresso científico.
No Poème sur le desastre de Lisbonne (“Poema sobre o desastre de Lisboa”), Voltaire satiriza a ideia de Leibniz, segundo a qual este seria “o melhor dos mundos possíveis”. “O terremoto de Lisboa foi suficiente para Voltaire refutar a teodiceia de Leibniz”, ironizou Theodor Adorno. “Filósofos iludidos que gritam, ‘Tudo está bem’, apressados, contemplam estas ruínas tremendas” – escreveu Voltaire, acrescentando: “Que crimes cometeram estas crianças, esmagadas e ensanguentadas no colo de suas mães?”
Rousseau não gostou da leitura de Voltaire e responsabilizou a ação do homem, que estaria “corrompendo a harmonia da criação”. "Há que convir... que a natureza não reuniu em Lisboa 20 mil casas de seis ou sete andares, e que se os habitantes dessa grande cidade se tivessem dispersado mais uniformemente e construído de modo mais ligeiro, os estragos teriam sido muito menores, talvez nulos", escreveu.
Já Kant procurou entender o fenômeno e suas causas no domínio da ordem natural. O terremoto de Lisboa, entre outras coisas, acabará inspirando seus estudos sobre a ideia do sublime. Para Kant, “o Homem, ao tentar compreender a enormidade das grandes catástrofes, confronta-se com a Natureza numa escala de dimensão e força transumanas que, embora tome mais evidente a sua fragilidade física, fortifica a consciência da superioridade do seu espírito face à Natureza, mesmo quando esta o ameaça”.
A tragédia que se abateu sobre Lisboa, portanto, para além das perdas humanas, materiais e econômicas, impactou a imaginação do seu tempo e inspirou reflexões sobre a relação do homem com a natureza e sobre o estado do mundo na época. Uma época, cabe lembrar, onde os meios de comunicação resumiam-se basicamente a algumas poucas, e caras, publicações impressas, e à transmissão oral de informações, versões e opiniões sobre os acontecimentos. Nas catástrofes atuais, parece que vivemos um paradoxo: se, por um lado, temos um desenvolvimento vertiginoso dos meios de comunicação, por outro, a qualidade da reflexão sobre tais acontecimentos parece ter empobrecido, se comparamos com o tipo de debate gerado pelo terremoto de Lisboa.

A espetacularização das tragédias e a perda da noção de limite
Em maio de 2010, em uma entrevista à revista Adverso (da Associação dos Docentes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul), o geólogo Rualdo Menegat, professor do Departamento de Paleontologia e Estratigrafia do Instituto de Geociências da UFRGS, criticou o modo como a mídia cobre, de modo geral, esse tipo de fenômeno.
“Ela espetaculariza essas tragédias de uma maneira que não ajuda às pessoas entenderem que há uma manifestação das forças naturais aí e que nós precisamos saber nos precaver. A maneira como a grande imprensa trata estes acontecimentos (como vulcões, terremotos e enchentes), ao invés de provocar uma reflexão sobre o nosso lugar na natureza, traz apenas as imagens de algo que veio interromper o que não poderia ser interrompido, a saber, a nossa rotina urbana. Essa percepção de que nosso dia a dia não pode ser interrompido pela manifestação das forças naturais está ligada à ideia de que somos sobrenaturais, de que estamos para além da natureza”.
Para Menegat, uma das principais lacunas nestas coberturas é a ausência de uma reflexão sobre a ideia de limite. É bem conhecida a imagem medieval de uma Terra plana, cujos mares acabariam em um abismo. Como ficou provado mais tarde, a imagem estava errada, mas ela trazia uma noção de limite que acabou se perdendo. “Embora a imagem estivesse errada na sua forma, ela estava correta no seu conteúdo. Nós temos limites evidentes de ocupação no planeta Terra. Não podemos ocupar o fundo dos mares, não podemos ocupar arcos vulcânicos, não podemos ocupar de forma intensiva bordas de placas tectônicas ativas, como o Japão, o Chile, a borda andina, a borda do oeste americano, como Anatólia, na Turquia”, observa o geólogo.
Não podemos, mas ocupamos, de maneira cada vez mais destemida. O que está acontecendo agora com as usinas nucleares japonesas atingidas pelo grande terremoto do dia 11 de março é mais um alarmante indicativo do tipo de tragédia que pode atingir o mundo globalmente. O que esses eventos nos mostram, enfatiza Menegat, é a progressiva cegueira da civilização humana contemporânea em relação à natureza. A humanidade está bordejando todos os limites perigosos do planeta Terra e se aproxima cada vez mais de áreas de risco, como bordas de vulcões e regiões altamente sísmicas. “Estamos ocupando locais que, há 50 anos, não ocupávamos. Como as nossas cidades estão ficando gigantes e cegas, elas não enxergam o tamanho do precipício, a proporção do perigo desses locais que elas ocupam”, diz ainda o geólogo, que resume assim a natureza do problema:
"Estamos falando de 6 bilhões e 700 milhões de habitantes, dos quais mais da metade, cerca de 3,7 bilhões, vive em cidades. Isso aumenta a percepção da tragédia como algo assustador. Como as nossas cidades estão ficando muito gigantes e as pessoas estão cegas, elas não se dão conta do tamanho do precipício e do tamanho do perigo desses locais onde estão instaladas. Isso faz também com que tenhamos uma visão dessas catástrofes como algo surpreendente".

A fúria da lógica contra a irracionalidade
Como disse Rousseau, no século XVIII, não foi a natureza que reuniu, em Lisboa, 20 mil casas de seis ou sete andares. Diante de tragédias como a que vemos agora no Japão, não faltam aqueles que falam em “fúria da natureza” ou, pior, “vingança da natureza”. Se há alguma vingança se manifestando neste tipo de evento catastrófico, é a da lógica contra a irracionalidade. Como diz Menegat, a Terra e a natureza não são prioridades para a sociedade contemporânea. Propagandas de bancos, operadoras de cartões de crédito e empresas telefônicas fazem a apologia do mundo sem limites e sem fronteiras, do consumidor que pode tudo.
As reflexões de Kant sobre o terremoto de Lisboa não são, é claro, o carro-chefe de sua obra. A maior contribuição do filósofo alemão ao pensamento humano foi impor uma espécie de regra de finitude ao conhecimento humano: somos seres corporais, cuja possibilidade de conhecimento se dá em limites espaço-temporais. Esses limites estabelecidos por Kant na Crítica da Razão Pura não diminuem em nada a razão humana. Pelo contrário, a engrandecem ao livrá-la de tentações megalomaníacas que sonham em levar o pensamento humano a alturas irrespiráveis. Assim como a razão, o mundo tem limites. Pensar o contrário e conceber um mundo ilimitado, onde podemos tudo, é alimentar uma espécie de metafísica da destruição que parece estar bem assentada no planeta. Feliz ou infelizmente, a natureza está aí sempre pronta a nos despertar deste sono dogmático.

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novembro 30, 2010

A Guerra do Rio. A farsa e a geopolítica do crime
Por José Cláudio Souza Alves*
Original ADITAL

"Deixamos de fazer as velhas e relevantes perguntas: qual é a atual política de segurança do Rio de Janeiro que convive com milicianos, facções criminosas hegemônicas e áreas pacificadas que permanecem operando o crime? Quem são os nomes por trás de toda esta cortina de fumaça, que faturam alto com bilhões gerados pelo tráfico, roubo, outras formas de crime, controles milicianos de áreas, venda de votos e pacificações para as Olimpíadas? Quem está por trás da produção midiática, suportando as tropas da execução sumária de pobres em favelas distantes da Zona Sul? Até quando seremos tratados como estadunidenses suportando a tropa do bem na farsa de uma guerra, na qual já estamos há tanto tempo, que nos faz esquecer que ela tem outra finalidade e não a hegemonia no controle do mercado do crime no Rio de Janeiro?"
Nós que sabemos que o "inimigo é outro", na expressão pandilhesca, não podemos acreditar na farsa que a mídia e a estrutura de poder dominante no Rio querem nos empurrar.
Achar que as várias operações criminosas que vem se abatendo sobre a Região Metropolitana nos últimos dias, fazem parte de uma guerra entre o bem, representado pelas forças públicas de segurança, e o mal, personificado pelos traficantes, é ignorar que nem mesmo a ficção do Tropa de Elite 2 consegue sustentar tal versão.
O processo de reconfiguração da geopolítica do crime no Rio de Janeiro vem ocorrendo nos últimos 5 anos. De um lado Milícias, aliadas a uma das facções criminosas, do outro a facção criminosa que agora reage à perda da hegemonia. Exemplifico. Em Vigário Geral a polícia sempre atuou matando membros de uma facção criminosa e, assim, favorecendo a invasão da facção rival de Parada de Lucas. Há 4 anos, o mesmo processo se deu. Unificadas, as duas favelas se pacificaram pela ausência de disputas. Posteriormente, o líder da facção hegemônica foi assassinado pela Milícia. Hoje, a Milícia aluga as duas favelas para a facção criminosa hegemônica.
Processos semelhantes a estes foram ocorrendo em várias favelas. Sabemos que as milícias não interromperam o tráfico de drogas, apenas o incluíram nas listas dos seus negócios juntamente com gato net, transporte clandestino, distribuição de terras, venda de bujões de gás, venda de voto e venda de "segurança".
Sabemos igualmente que as UPPs não terminaram com o tráfico e sim com os conflitos. O tráfico passa a ser operado por outros grupos: milicianos, facção hegemônica ou mesmo a facção que agora tenta impedir sua derrocada, dependendo dos acordos. Estes acordos passam por miríades de variáveis: grupos políticos hegemônicos na comunidade, acordos com associações de moradores, voto, montante de dinheiro destinado ao aparado que ocupa militarmente, etc..
Assim, ao invés de imitarmos a população estadunidense que deu apoio às tropas que invadiram o Iraque contra o inimigo Sadam Hussein, e depois, viu a farsa da inexistência de nenhum dos motivos que levaram Bush a fazer tal atrocidade, devemos nos perguntar: qual é a verdadeira guerra que está ocorrendo? Ela é simplesmente uma guerra pela hegemonia no cenário geopolítico do crime na Região Metropolitana do Rio de Janeiro.
As ações ocorrem no eixo ferroviário Central do Brasil e Leopoldina, expressão da compressão de uma das facções criminosas para fora da Zona Sul, que vem sendo saneada, ao menos na imagem, para as Olimpíadas. Justificar massacres, como o de 2007, nas vésperas dos Jogos Pan Americanos, no complexo do Alemão, no qual ficou comprovada, pelo laudo da equipe da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, a existência de várias execuções sumárias é apenas uma cortina de fumaça que nos faz sustentar uma guerra ao terror em nome de um terror maior ainda, porque oculto e hegemônico.
Ônibus e carros queimados, com pouquíssimas vítimas, são expressões simbólicas do desagrado da facção que perde sua hegemonia buscando um novo acordo, que permita sua sobrevivência, afinal, eles não querem destruir a relação com o mercado que o sustenta.
A farsa da operação de guerra e seus inevitáveis mortos, muitos dos quais sem qualquer envolvimento com os blocos que disputam a hegemonia do crime no tabuleiro geopolítico do Grande Rio, serve apenas para nos fazer acreditar que ausência de conflitos é igual à paz e ausência de crime, sem perceber que a hegemonização do crime pela aliança de grupos criminosos, muitos diretamente envolvidos com o aparato policial, como a CPI das Milícias provou, perpetua nossa eterna desgraça: a de acreditar que o mal são os outros.
Deixamos de fazer assim as velhas e relevantes perguntas: qual é a atual política de segurança do Rio de Janeiro que convive com milicianos, facções criminosas hegemônicas e área pacificadas que permanecem operando o crime? Quem são os nomes por trás de toda esta cortina de fumaça, que faturam alto com bilhões gerados pelo tráfico, roubo, outras formas de crime, controles milicianos de áreas, venda de votos e pacificações para as Olimpíadas? Quem está por trás da produção midiática, suportando as tropas da execução sumária de pobres em favelas distantes da Zona Sul? Até quando seremos tratados como estadunidenses suportando a tropa do bem na farsa de uma guerra, na qual já estamos há tanto tempo, que nos esquecemos que sua única finalidade é a hegemonia do mercado do crime no Rio de Janeiro?
Mas não se preocupem, quando restar o Iraque arrasado sempre surgirá o mercado financeiro, as empreiteiras e os grupos imobiliários a vender condomínios seguros nos Portos Maravilha da cidade.
Sempre sobrará a massa arrebanhada pela lógica da guerra ao terror, reduzida a baixos níveis de escolaridade e de renda que, somadas à classe média em desespero, elegerão seus algozes e o aplaudirão no desfile de 7 de setembro, quando o caveirão e o Bope passarem.

* Sociólogo, com doutorado na USP, professor da Universidade Rural do Rio de Janeiro, Seropédica, RJ, autor do livro "Dos Barões ao Extermínio - Uma História da Violência na Baixada Fluminense" e membro do ISER Assessoria

Posted by Sandino at 08:24 PM | Comments (0)

setembro 19, 2010

Artigos: O caso Tiririca....Pobre São Paulo...Pobre paulista!

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Tiririca tem razão
Por Pedro Cardoso da Costa*

É público que ele é um palhaço. Fazer as pessoas rirem é sua profissão. Por conta disso, tornou-se cantor. Por amor ou por ódio, ninguém se esquece de “Florentina”, sua famosa canção, e, por ter progredido na vida, foi convidado pelo Partido da República – PR para concorrer a uma vaga de deputado federal. Como esperado e pela praxe na política brasileira, será eleito, e com sobra, que ajudará na eleição de colegas da sigla. Foi para essa finalidade que foi convidado e por ela é o maior investimento do Partido.
Tiririca não inventou nada na sua campanha eleitoral, e tascou logo uma frase perfeita, ao pedir ao povo para que: “vote em Tiririca, pior do que tá, não fica”. Foi o que melhor surgiu até agora no horário eleitoral gratuito neste ano. Uma frase que não foge ao da campanha geral. O atual ministro da Cultura não entendeu assim e conseguiu achar deboche na frase do palhaço-candidato. Pior, conseguiu ver risco à democracia.
Que Tiririca usa uma brincadeira caricata não resta dúvida. Tiririca foi convidado em razão dela, não usurpou lugar de ninguém. Não inventou nada agora. É mais autêntico do que os beijinhos em qualquer peão, as crianças colocadas no colo a todo instante, comer tudo que é exótico, como buchada; mais autêntico até do que os famosos cafezinhos em padarias e lanches em barracas de rua, inimagináveis para os candidatos em outras épocas.
Quanto ao risco à democracia, essa citação está mais configurada como um vício de retórica. Quando houve a reabertura democrática, os atos de corrupção afloravam a todo instante, e o argumento geral era de positividade, sob a justificativa de que “agora os desmandos vêm a público”. Diminuiu, mas até hoje, alguns desvairados ainda repetem essa cantilena. Corrupção deve ser combatida em qualquer sistema de governo, ainda mais num governo democrático, que deveria criar mecanismos para evitá-la, pois o erário não costuma ser ressarcido dos valores usurpados.
Só para ficar em 2010, o governo do Distrito Federal, incluindo quase todos os deputados, foi flagrado empacotando dinheiro em todo lugar do corpo. A prefeitura de Dourados, segunda maior cidade do estado de Mato Grosso do Sul, também repetiu a cena. Está sem administrador. E o governador do Amapá está na cadeia. No Rio de Janeiro, um falso médico, que atuam no país inteiro, é acusado pelo assassinato de uma de suas vítimas.
Na esfera federal, houve a invasão aos dados fiscais da filha do candidato José Serra. É fato que foi por um órgão do atual governo; que envolve parentes do principal adversário. Mas, tentam passar para todos que tudo não passa de mera coincidência. Ainda repete-se a cena do pagamento de mais de seis milhões em outras extras aos funcionários do Senado, mesmo sem nenhum parlamentar trabalhando no mês janeiro. No meio do ano a prática de mais essa mamadeira se repetiu no Congresso.
São exemplos de uma vastidão de acontecimentos tenebrosos, rotineiros, aos quais os governos ignoram e passam a idéia de que eles são fatos naturais e inevitáveis, o que não é verdade. Nem mesmo essas condutas ilegais, lesivas ao erário e oportunistas colocam a democracia em risco.
Tiririca tornou-se conhecido por um trabalho; simplório ou não, ao menos teve uma construção. O ministro da Cultura pouca gente, se existir alguém, deve saber de onde surgiu nem conhece algum trabalho relevante. Seria bom perguntar ao candidato-palhaço, e exigir uma resposta séria, se ele conhece algum projeto do Ministério da Cultura. Também deveria estender a mesma pergunta ao eleitorado brasileiro. O percentual de desconhecimento vai mostrar para o ministro que não é a brincadeira do candidato quem debocha da democracia. Tiririca só está errado em afirmar que pior do que está não fica. Fica, sim, mas não por conta da candidatura, da brincadeira sem graça de campanha nem pela votação esmagadora que terá Tiririca.
* Bel. Direito

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julho 30, 2010

O caso Rafael Mascarenhas

O perigoso lazer da juventude urbana
Por Maria Clara Lucchetti Bingemer* (Adital)

Há cerca de um ano, escrevi um artigo sobre o atropelamento de Pedro, filho de uma amiga. Falava da violência e da impunidade nas cidades grandes, onde um rapaz de 26 anos é atropelado irresponsavelmente por alguém que o deixa semimorto na rua e foge. Pedro, graças a Deus, vai se recuperando milagrosamente, surpreendendo medicos, familiares e amigos.
Não teve a mesma sorte Rafael Mascarenhas, mais jovem ainda, 18 anos, filho da atriz Cissa Guimarães e do músico Raul Mascarenhas, que andava de skate na pista interditada do túnel Zuzu Angel durante a madrugada e foi atropelado e morto por um carro turbinado que "botava um pega" com outro na contramão. Rafael foi atingido em cheio pelo carro assassino e não conseguiu sobreviver, apesar da saúde e da juventude.
O Rio acompanhou consternado a dor de Cissa, sua mãe, e Raul, o pai, amigos e familiares. Em seu velório, os jovens, perplexos, defrontavam-se talvez pela primeira vez com a fatal inimiga, a morte, que chegou antes da hora e de maneira cruel, criminosa, infeccionando a noite com sua violência camuflada em jogo mortal.
Impressiona-me neste fatal e terrível acidente o fato de que se amontoam circunstâncias erradas e desordenadas. O túnel teoricamente estava em manutenção. Mas de manutenção mesmo só havia os cavaletes e o aviso inócuo. Inócuo porque naquela noite, como provavelmente em várias outras, não houve trabalho de manutenção no túnel. Ou seja, toda a parafernália montada para fazer de conta que a prefeitura cuidava da cidade, como era seu dever, e mantinha o túnel em bom estado de conservação, era apenas uma camuflagem que o único efeito que teve foi permitir que os assassinos levassem a cabo sua brincadeira impune e letal.

Várias vezes, ao voltar para casa em Laranjeiras, onde moro, encontrei o Túnel Rebouças interditado teoricamente para serviços de manutenção. Ao dia seguinte, ao entrar nele novamente, sempre me impressionava a invisibilidade da dita manutenção, já que as pistas continuavam esburacadas, as poças da chuva também, fazendo os carros desviarem sua rota e perigosamente mudar de pista em alta velocidade. O mesmo acontece nos túneis Santa Bárbara, no de São Conrado e no Zuzu Angel. Que manutenção fictícia é essa então?
Mais errado ainda, se se pode ponderar e medir erros que resultam em morte, estavam certamente os dois garotos que na falta de coisa melhor que fazer desafiavam o perigo com seus carros turbinados fazendo perigosa "roleta" na pista do túnel. O resultado aí está: no meio do caminho havia uma pessoa, um jovem músico, que fazia seu esporte de skatista e cuja vida foi brutalmente interrompida pela velocidade irresponsável.
Rafael andava de skate de madrugada. Estava errado? Devo dizer que não me agrada o skate. Acho perigoso, os meninos andam sem capacete, se arriscam. Meu filho nunca se interessou muito pelo skate. Quando pronunciou a palavra moto em casa, imediatamente foi ajudado a comprar um carro de segunda mão em suaves prestações. Adiamos assim a angústia, o perigo, que sempre existe, até em atravessar a rua. Ou andar de skate em uma pista interditada, que a rigor deveria estar vazia.
Por mais imprudente que fosse o lazer de Rafael -que estava acompanhado de amigos- nada justifica o que aconteceu. Sendo filho de uma famosa atriz global, esperemos que ao menos seu caso sirva de alerta para todas as instâncias implicadas no acidente. Começando pela prefeitura, pela CET-Rio e todos os demais órgãos públicos encarregados de zelar pela segurança das ruas e que desempenham seu ofício de maneira no mínimo sofrível.
Talvez com a repercussão da morte de Rafael, a juventude carioca e todos os habitantes desta cidade e das outras capitais do país possam transitar um pouco mais seguros pelas ruas. Tomara! Mas ...e o que acontece com Pedro e outros que continuam sofrendo as consequências de um acidente que segue encoberto pela impunidade criminosa? E outros, mais que Pedro, pior que ele, que sem condições econômicas para um tratamento morrem abandonados na rua depois de atropelados por falta de socorro ou nos corredores dos hospitais públicos, sem atendimento diligente e competente?
O rosto sorridente do jovem guitarrista e músico Rafael nos sirva de alerta sobre o que estamos fazendo com nossas cidades, que em vez de espaços urbanos para a vida estão rapidamente transformando-se em cemitérios e corredores da morte para tantos, sobretudo para jovens desavisados.

* Teóloga, professora e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio

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abril 02, 2010

O Brasil Racista (?)

O Racismo e o Preconceito
Jairo Junior*

O preconceito é tão antigo quanto a humanidade, mas o racismo parece não ter mais de quinhentos anos. Antes disso a discriminação era feita em relação á cultura e ao diferente. Os gregos chamavam de “bárbaros” qualquer pessoa que não falasse sua língua, mas quem a aprendesse não teria complicações nenhuma.
O problema começou a mudar no final do século XV, quando a Inquisição espanhola obriga os judeus a se converterem ao catolicismo. Muitos desses cristãos novos continuam a praticar os seus ritos, o que leva os católicos a acreditar que havia algo no sangue judeu que impedia a conversão. A solução era evitar a miscigenação para que esse sangue não se espalhasse pela população.
Na mesma época os europeus chegam a África e á América e encontram um tipo de ser humano completamente diferente do que eles conheciam. Até então a humanidade era a Europa, o conceito de branco não existia até eles conhecerem o negro. O encontro, obviamente trouxe dilemas novos. Os Teólogos da época discutiam se os índios tinham alma com o objetivo de saber, por exemplo, se ter relações sexuais com eles era pecado. Eles também chegaram à conclusão de que escravizar africanos era natural, com base na passagem bíblica em que Canaã, filho de Noé, embriaga-se e é condenado à servidão (Gênesis 9,25).

A partir do século XVIII e principalmente do século XIX, as explicações bíblicas dão lugar a argumentos “científicos”. Os “pesquisadores associavam os traços físicos de cada “raça” a atributos morais para tentar eliminar características indesejáveis. Um deles foi o conde francês Joseph Arthur de Gobineau que em 1855 concluiu “brilhantemente” causa a decadência dos povos e que os alemães era uma “raça” superior as outras. Um de seus discípulos foi o médico brasileiro, Raimundo Nina Rodrigues, para quem os rituais do Candomblé era uma patologia dos negros.
Apesar de essa teoria ter caído em total descrédito no século XX, o tipo de descriminação que elas pregavam permanece vivo em muitas pessoas, pois é uma ideologia que se reproduz facilmente e que está sempre ligado a dominação de um grupo sobre o outro.
Além de qualquer aspecto psicológicos, o racismo tem motivos bastante práticos. Na verdade ele é um sistema de levar vantagens sobre outras pessoas e manter privilégios.
O Brasil Racista (?)
O nosso país me parece ser muito racista, embora o racismo por aqui tenha adquirido outras facetas, é racista. Por que a canção de ninar: “Boi, boi, boi... Boi da cara Preta” por que o Boi tem que ser da “cara preta”? Por que o cabelo crespo do negro tem que ser chamado de cabelo “ruim”? Estes são exemplos de o quanto está incorporado o racismo entre nós que atitudes aparentemente pequenas não nos incomodam.
Demoramos em perceber o racismo no Brasil por que durante bastante tempo acreditou-se no mito da “Democracia Racial”.
Cronistas do século XIX chegaram a dizer que por aqui a escravidão era mais branda do que o trabalho assalariado na Inglaterra. Da mesma forma, o índio brasileiro não teria sido conquistado, nem derrotado, mas sim “incorporado” a nação. A idéia ganhou força nos anos 30 do século passado, inspirada pela obra de Gilberto Freire, para quem não havia no Brasil distinções rígidas entre brancos e negros e a discriminação era “apenas” social, feita aos pobres.
O mito começou a cair no final dos anos 60, quando se descobriu que o Brasil não só tinha preconceito em relação aos pobres - o que em si já é terrível – como a descriminação era especialmente dirigida aos negros, pardos e índios.
Os dados sociais mais recentes mostram a força das diferenças raciais no Brasil. Mesmo quando se comparam pessoas da mesma região, sexo, idade e educação os negros têm enorme desvantagens no mercado de trabalho.
Mesmo quando existem dados favoráveis como, por exemplo, o aumento do nível de ensino na população brasileira, a distância entre negros e brancos permanece constante. Outro mito cai por terra, quando você observa os estudos recentes. Dizia-se que a pobreza dos negros é apenas um resquício da escravidão. É verdade que o passado de servidão forçada colocou a maioria dos negros em uma classe social mais baixa, mas desde então houve tempo suficiente para que tal diferença diminuísse e isto não acontece por que os negros não têm a mesma oportunidade que os brancos.
Uma pergunta pode ser feita. Se o racismo é tão forte por que a imagem de que éramos um paraíso racial durou tanto tempo?
Existem vários motivos...
Mas este é assunto para o próximo artigo...
* Presidente Associação Brasil Angola (AABA); Diretor do Centro Cultural Africano (CCA); Coordenador do Congresso Nacional de Capoeira (CNC)

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fevereiro 26, 2010

Las Malvinas son Argentinas

As Malvinas e a intromissão descarada
Por Bruno Peron Loureiro*

O conflito das Malvinas estimula a retomada do adágio "a união faz a força" pela irmandade da América Latina.
Em se tratando do desnível de capacidade bélica entre Argentina e Inglaterra, uma cotovelada nos vizinhos latino-americanos convoca-os a lançar o tema como de importância regional em foros vindouros.
A Inglaterra enviou a plataforma marítima "Ocean Guardian" na intenção de explorar gás e petróleo a 160 km ao norte das Malvinas, cujo arquipélago de três mil habitantes é disputado desde o século XIX pelos dois países, mas ficou sob domínio inglês desde 1833.
Os pujantes há muito controlam territórios latino-americanos e ilhas adjacentes. A Inglaterra controla as Malvinas assim como a Pangérica faz em Porto Rico e a França na Guiana Francesa. Discute-se a soberania da Argentina e o espaço de defesa da América Latina.
A estratégia do governo argentino tem sido a de dificultar a ação das empresas inglesas, que se aproximam em consequência da alta do preço de petróleo. A presidente argentina Cristina Fernández passou a exigir autorização oficial de todas as embarcações estrangeiras para que naveguem em águas do país sul-americano.
O esforço da Argentina de frear o apetite inglês é histórico. A guerra de 1982 rendeu a baixa de 649 argentinos e 255 britânicos e a derrota dos anseios de recuperação do território pelos argentinos. O governo do ex-presidente Néstor Kirchner, para citar uma ação mais atual, fez campanha pela retomada das Malvinas.
É legítima a defesa dos recursos naturais na área marítima por parte da Argentina, ao mesmo tempo em que surgem boatos inoportunos de que a presidente Cristina Fernández tentou desviar a atenção de problemas internos, como o aumento da inflação e o uso das reservas do Banco Central.
Qualquer crítica nesta direção desconsidera que os países latino-americanos estão sempre atolados nalgum impasse ou problema e que, a despeito deste diagnóstico, devem travar certames a favor da soberania e do resgate da dignidade de seus povos humilhados e avassalados.
A Argentina e a Inglaterra estão dispostas a dialogar sobre as Malvinas, apesar de a segunda dar por encerrado o debate sobre a legitimidade de sua posse sobre as ilhas, cuja renda provém boa parte da pesca.
Um conflito armado é pouco provável pelo desnível das forças envolvidas.
O litígio não impede que a Argentina alimente o seu desejo de restituição do território por meio da condução do tema a um foro latino-americano de debates envolvendo representantes políticos de tomada de decisões importantes, como o Grupo do Rio ou o Conselho Sul-Americano de Defesa, que ainda não se consolidou.
A montagem de uma estrutura própria de discussões e ações sobre temas latino-americanos por governos progressistas na região começa a surtir efeito e a chacoalhar a base que, por séculos, sustentou a ganância dos países pujantes.
A Argentina não vê opção melhor que a união latino-americana para expulsar os corsários destas latitudes de onde muito sangue jorrou sob os mandos de forasteiros. As Malvinas são uma mostra da permanência de práticas colonialistas e imperialistas.
Cercados por navios de guerra e bases militares da Pangérica, a saída do mais fraco é resistir. Em mais uma prática desestabilizadora, a Pangérica convida o Uruguai a firmar tratados de livre comércio enquanto este país é fundamental para a continuidade do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL).
Embora a retórica seja a da paz, cujo prêmio Nobel foi estupidamente concedido ao estadista dúbio e infrutífero Barack Obama em função de mamulengo, a Pangérica militariza nossa região e a Inglaterra envia uma plataforma de prospecção de gás e petróleo como se fossem os donos do pedaço.
Basta de intromissão descarada.As Malvinas pertencem à Argentina.

*Analista de relações internacionais. Original ADITAL

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fevereiro 09, 2010

Fernando Henrique Cardoso precisa de amigos
Por Gilson Caroni Filho, na Carta Maior*

Em seu texto Luto e Melancolia, Freud diz que manifestações melancólicas assumem várias formas clínicas, se caracterizando, entre outros sintomas, "por uma depressão profundamente dolorosa, uma suspensão do interesse pelo mundo externo, diminuição do sentimento de auto-estima e inibição de todas as atividades." A identificação com o objeto perdido é inevitável e, na medida em que não consegue incorporação simbólica, o que sobra ao sujeito é a identificação com o vazio de um pai ausente.
Se a psicanálise sofre hoje contestações de diferentes ordens, as palavras do seu criador sobre o comportamento melancólico se encaixam como uma luva para o amontoado de sandices que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso escreveu e disse no último domingo (7), tentando deter e repudiar a impopularidade que o persegue desde o segundo mandato.
Há alguns anos, Carlos Heitor Cony, em artigo na Folha de S.Paulo, não poupou palavras para melhor definir o “príncipe dos sociólogos: "Diziam seus admiradores que FHC era uma cabeça, um intelectual, um produtor de coisas inteligentes. Sua exposição no cargo mais alto do país rebaixou-o à dimensão de um demagogo banal, incapaz de articular um argumento alem do insulto aos que não acreditam nele e o acusam inclusive de improbidade."
Isso é FHC. A exigência egóica de ser admirado o torna, paradoxalmente, um líder sem liderados. Um prócer a ser evitado em anos eleitorais. Para quem acredita que fez um grande favor ao mundo nascendo, sua irritabilidade é permanente e justificada. Afinal, deve ser duro para quem esteve no poder durante oito anos, constatar que o resto do mundo político não reconhece sua importância. Pior, o que ganha realce são os erros grosseiros de um dirigente que governou de acordo com os humores do capital financeiro.
Seu governo passou para a história como um modelo que acentuava a exclusão social e penalizava as classes de menor renda. A estratégia de estabilização de preços baseada na captação de capital externo de curto prazo, através da sobrevalorização da moeda e da manutenção de elevadas taxas de juros, levou o país a níveis de desemprego sem precedentes, à desarticulação da estrutura produtiva e à Deterioração do tecido social no campo e na cidade.

O mau desempenho do comércio brasileiro na época foi minuciosamente construído pela equipe de FHC que, realizando uma abertura irresponsável da economia, pôs em prática políticas monetárias e cambiais que minaram em grande parte nossa capacidade de competição internacional.
Mostrando a miopia fiscalista que o orienta até hoje, Cardoso escreveu em seu artigo (Sem medo do passado), publicado no Globo: "Esqueceu-se [Lula] dos ganhos que a privatização do sistema Telebrás trouxe para o povo brasileiro, com a democratização do acesso à internet e aos celulares, do fato de que a Vale privatizada paga mais impostos ao governo do que este jamais recebeu em dividendos quando a empresa era estatal."
A entrega do patrimônio público ainda é apresentada como fórmula eficaz de fazer caixa. O que FHC faz questão de esquecer faz parte de sua história: grande parte do programa de privatização brasileiro foi financiada pelo BNDES. No cassino tucano, muitas empresas privatizadas não queriam fazer investimento aqui e se aproveitavam de polpudos créditos que também beneficiavam transnacionais já instaladas no país. O argumento utilizado era o de que a vinda desses setores permitiria agregar elementos de financiamento ao desenvolvimento nacional.
Quando se lê um artigo assim, descontextualizado, mal costurado em seus argumentos, é que nos damos contas da importância de olhar pelo retrovisor. É ele que sinaliza as perspectivas do futuro. Nesse ponto, o texto de Cardoso é didático, quase leitura obrigatória.
FHC sabe que a grande mídia corporativa exercerá o prestimoso papel de guiar suas mãos na hora de legitimar a irrelevância dos seus escritos. Somente os exércitos de colunistas destacados pelas famílias que controlam os meios de comunicação garantem sua vida política vegetativa.
Quando compara a ministra Dilma Rousseff a um boneco manipulado pelo presidente Lula não faz qualquer ponderação política, apenas evidencia que sua cabeça está longe de ser privilegiada. É uma mente que destila bile (que está na raiz da palavra melancolia) para desqualificar seus adversários. É o menestrel da política pequena buscando a facilidade da ribalta midiática.
Antes de dizer que “o PT “tenta desconstruir o seu mandato”, o ”príncipe” deveria dedicar mais tempo à leitura do que andaram falando sobre seu governo as principais lideranças do seu partido, em especial o governador de São Paulo. Uma boa sugestão seria o livro “Conversas com Economistas Brasileiros II", que a Editora 34 lançou em 1999. Lá ele encontraria o seguinte trecho:
“A política cambial do primeiro governo Fernando Henrique Cardoso foi um desastre gratuito e total. Foi resultado de pouca reflexão analítica de seus condutores. Suas conseqüências foram devastadoras em muitas áreas da economia, inclusive comprometendo as metas fixadas no processo de privatização."
Essa crítica, das mais contundentes feitas por um economista que participou dos dois mandatos do governo FHC, é de José Serra em entrevista a dois professores da FGV, Guido Mantega e José Márcio Rego. E agora, quem é o boneco de quem? Nem mesmo um governador que submergiu com as enchentes em São Paulo, levando com ele a suposta capacidade gerencial do tucanato, pôde endossar a política arrasada do ex-presidente. O que esperar da oposição? A compaixão que deve ser concedida aos incapazes?
As palavras do ex-presidente devem ser vistas como movimentos de descompressão da realidade. Quando, a partir da melancolia e solidão de sua maturidade, um ator político faz a volta à infância, o ridículo se apodera do cenário. Fernando Henrique precisa de amigos.

* Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista da Carta Maior e colaborador do Jornal do Brasil.

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Em defesa dos Direitos Humanos
Por Margarida Genevois*

Há uns anos atrás, na década de 90, ouvi na TV, durante campanha eleitoral, um candidato a deputado dizer: "Se eu for eleito, vou combater os direitos humanos". Este absurdo inacreditável, que em qualquer sociedade democrática seria repudiado, aparentemente não causou maiores comoções; entre nós, Direitos Humanos (DH) eram - e ainda são - lamentavelmente mal entendidos, por desinformação ou má fé. Para muitos, DH eram considerados como "direitos de bandidos" ou artimanhas dos "subversivos". No período da ditadura militar, a repressão (assassinatos, torturas, "desaparecimentos") atingiu opositores membros das classes médias, como professores e estudantes, advogados e jornalistas, artistas e religiosos, além dos suspeitos de sempre, como ativistas e sindicalistas da cidade e do campo. A maioria, que nunca tinha visitado prisões, passou a sentir na pele a situação desumana dos ditos "presos comuns", estes oriundos das classes populares. Passou também a constatar a tragédia do sistema prisional e a inoperância dos órgãos do judiciário. A partir daí, a defesa dos direitos humanos passou a ser confundida como luta pelos direitos dos presos, e não em nome da dignidade de toda pessoa humana, conforme a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, a grande conquista moral do século XX diante das atrocidades cometidas durante a segunda guerra mundial.
Os defensores dos DH foram testemunhas da forma como foram torturados os opositores do regime de exceção, instaurado em 1964, e os presos políticos. Ficamos conhecendo o pau de arara, a cadeira do dragão, sufocamentos, queimaduras com cigarros, afogamentos. Evidentemente, tais notícias não saíam nos jornais, eram contadas pelos advogados, por parentes das vítimas. Mas a maioria das pessoas simplesmente se recusava a acreditar e dizia: "Isso é mentira, coisas de extremistas. O brasileiro é profundamente bom - nunca faria essas barbaridades".

Com o processo de democratização em andamento, as entidades da sociedade civil mais atuantes no campo dos DH, assim como ex-presos políticos e familiares - movidos por convicção de justiça, por sentimentos cristãos ou por ambos - passaram a concentrar sua luta na defesa dos direitos de todos, sobretudo daqueles "que não têm voz", a começar por aqueles esquecidos e mal tratados nas delegacias e nas prisões. O reconhecimento da dignidade da pessoa humana, independentemente do crime e do julgamento moral, é o fundamento da defesa. Os que cometem crimes devem ser julgados de acordo com a lei e, se condenados, devem cumprir a pena, mas não podem ser torturados e humilhados.
Passadas mais de duas décadas - e já 10 anos no novo século - a questão dos direitos humanos ressurge com a polêmica provocada pelo PNDH 3. Hoje não mais se diz cruamente que DH são direitos de bandidos; de certa forma, é sabido que DH são exigência da democracia, são direitos amplos para uma vida digna a todos, e não apenas para uma minoria privilegiada: direitos civis e liberdades individuais, direitos sociais e econômicos, direitos culturais e ambientais. Isto é, saúde, educação, moradia, segurança, trabalho, seguridade social, lazer, participação política, informação e comunicação.
O Programa Nacional de Direitos Humanos 3 abrange o conjunto desses direitos, dando ênfase a situações específicas dos grupos mais vulneráveis na sociedade, como crianças e adolescentes, deficientes físicos, idosos, indígenas, trabalhadores rurais, migrantes, negros e as demais vítimas de preconceitos por orientação sexual ou condição social.
Ao que parece, as propostas do Programa -na sua maioria já afirmadas na Constituição de 1988!- incomodam, pois provocaram reações raivosas até mesmo de algumas pessoas bem informadas, no meio jurídico, na academia, na política, nos meios de comunicação. Ficamos com a impressão de que certas pessoas ou grupos temem ser prejudicados se os direitos dos outros forem respeitados.
Na verdade, pouca gente leu o Programa, o que não impediu que o acusassem de ser "ditatorial". A maioria dos opositores não sabe ou continua sem querer saber que a preparação do texto decorreu do processo de 27 encontros em 20 estados, com diferentes segmentos representativos da sociedade civil. As conclusões desses encontros, exaustivamente discutidas, foram levadas à 11ª Conferência Nacional de Direitos Humanos em Brasília, em dezembro de 2008.
É importante lembrar que este novo Programa dá continuidade aos dois primeiros, publicados e iniciados no governo de Fernando Henrique Cardoso (1996 e 2002), mas pouca gente por eles se interessou. Hoje, em ano eleitoral, a questão dos direitos humanos entra no jogo das disputas partidárias. Ora, Direitos Humanos estão acima de partidos e interesses particulares, são a base da paz, da justiça e da democracia.
A criação da Comissão da Verdade vem sendo duramente criticada. Durante a ditadura militar cerca de 400 brasileiros foram mortos ou estão desaparecidos. Suas famílias procuram, até hoje, onde eles foram sepultados. Esses crimes não podem ser esquecidos. Se a verdade não vier à tona ficará a idéia de que os militares têm medo e preferem proteger um grupo extremado que torturou e matou. As respeitáveis Forças Armadas, das quais nos orgulhamos, não podem ser respingadas com crimes de alguns, a verdade tem que aparecer.
Comissões da Verdade foram criadas nos países irmãos, onde também imperaram ditaduras militares; aqueles responsáveis pelas violações de direitos humanos foram identificados, muitos foram julgados e condenados. Por que só no Brasil não podemos conhecer a verdade? Não se trata de "revanchismo" - como a crítica alega - pois cabe à Comissão apenas conhecer os fatos e não retribuir o mal que foi feito, sendo que eventuais punições, rigorosamente dentro da lei, caberão ao Poder Judiciário.
O PNDH é um programa para alcançarmos "uma sociedade livre, justa e solidária", como afirma o art. 3º de nossa Constituição. Suas propostas se coadunam com as metas do milênio propostas pela ONU, visando diminuir a miséria do mundo. O PNDH identifica e enfrenta problemas sérios da nossa sociedade, com coragem e determinação. É obrigação moral de todo cidadão brasileiro, que quer o bem do seu país, conhecer, debater, ampliar essas propostas e lutar pela sua execução.

* Socióloga e ex-presidente da Comissão Justiça e Paz de São Paulo

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janeiro 20, 2010

O Berlusconi chileno
Por Emir Sader*

De tanto considerar-se um país da OCDE, distanciado da América Latina, o "tigre latinoamericano", o Chile ganhou um Berlusconi. Esse é o molde de Sebastien Piñera, recém eleito presidente do Chile, fazendo com que a direita volte ao governo - depois de ter ocupado violentamente o poder, mediante uma ditadura militar, de 1973 a 1990.
Depois dos ditadores militares que representaram os interesses da direita e dos EUA na região, o neoliberalismo projetou um outro tipo de líder da direita: o empresário supostamente bem sucedido. Roberto Campos, entre outros, já dizia que o Estado e as empresas estatais deveriam funcionar com o mesmo critério das privadas: a busca do lucro, o critério custo-benefício, a competitividade. Empresas estatais deficitárias deveriam ser fechadas ou privatizadas - junto com as rentáveis também, já que não competiria ao Estado essa função.
Berlusconi foi eleito e reeleito, entre outras imagens, por essa: o empresário mais rico, o supostamente mais bem sucedido, da Itália. "Se deu certo dirigindo suas empresas, vai dar certo no Estado" - conforme a pregação liberal. "Vai passar o Estado a limpo", "Vai cortar os gastos inúteis" (isto é, os não rentáveis economicamente). O Estado funcionar conforme o custo-benefício significa cortar recursos para políticas sociais, paga salários dos funcionários públicos, para investimentos de infra-estrutura. Daí o sucateamento do Estado, as privatizações, a mercantilização das relações sociais.
O empresário de sucesso no mercado seria o melhor agente para "passar a limpo" o Estado, fazer o tal "choque de gestão" - que os tucanos adoram. Aqui mesmo eles já apoiaram Antonio Ermírio de Morais, contra seu atual aliado, Orestes Quércia, para o governo de São Paulo.

No Chile, José Piñera, irmão e sócio do eleito presidente do Chile, foi o introdutor das malditas "reformas laborais", um dois eixos do neoliberalismo, com seu suposto fundamental: gastar menos com remuneração salarial e elevar a superexploração do trabalho, como outras formas de transferência de recursos para os grandes empresários.
O Grupo Piñera ficou conhecido no Chile como dos que mais fez pela introdução do cartão de crédito no Chile, porém o grosso dos seus esforços esteve concentrado na expansão da Lan Chile, com a criação de Lan Perú e a compra de outras empresas latinoamericanas de aviação. Para se assemelhar mais ainda a Berlusconi, ainda que não seja torcedor do Colo-Colo, comprou o clube, como quem compra uma fábricas de empanadas.
Piñera não esconde suas afinidades com o presidente colombiano, Uribe, com quem tratará de fazer dobradinha, tentando isolar a Equador e a Bolívia na região andina e se apresentar, junto com o Peru, como um pólo ortodoxo neoliberal, intensificando as relações de livre comércio com os EUA. Mal sabe ele que os tempos de auge do neoliberalismo já ficaram para trás, que aventurar-se por esse caminho é deixar a economia chilena ainda mais fragilizada diante dos continuados efeitos da crise internacional, ainda para um país que tem um TLC com os EUA - eixo dessa crise.
A derrota é muito dolorosa para o povo chileno. Mesmo se não colocássemos os governos da Concertação no bloco progressista na região -porque privilegiaram o Tratado de Livre Comércio com os EUA, mantiveram uma política econômica ortodoxo-, toda a esquerda sai derrotada. Porque, apesar das debilidades dos governos da Concertação - refletido agora no voto majoritário da direita, que incorpora amplos setores populares -, a esquerda não soube construir, nas duas décadas de democratização, uma alternativa antineoliberal no Chile. O povo chileno pagará caro esse erro da esquerda, que agora tem, pelo menos, a possibilidade de colocar em questão o modelo herdado do pinochetismo.
Os momentos de balanço de derrotas como essa se prestam para as divisões, para os oportunismos, para os radicalismos verbais. A esquerda chilena pode olhar para a América Latina para ver distintas expressões de governos populares e de blocos sociais e políticos que levam a cabo esses governos, como referência, para que o Chile volte a assumir seu lugar no processo de integração regional e de construção de alternativas efetivamente de esquerda, nas terras de Allende, Neruda e Miguel Enríquez.

* Filósofo, cientista político e professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), onde coordena o Laboratório de Políticas Públicas. Originalmente publicado na ADITAL

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Os pecados do Haiti
Por Eduardo Galeano*

A democracia haitiana nasceu há um instante. No seu breve tempo de vida, esta criatura faminta e doentia não recebeu senão bofetadas. Era uma recém-nascida, nos dias de festa de 1991, quando foi assassinada pela quartelada do general Raoul Cedras. Três anos mais tarde, ressuscitou. Depois de haver posto e retirado tantos ditadores militares, os Estados Unidos retiraram e puseram o presidente Jean-Bertrand Aristide, que havia sido o primeiro governante eleito por voto popular em toda a história do Haiti e que tivera a louca ideia de querer um país menos injusto.
O voto e o veto
Para apagar as pegadas da participação estadunidense na ditadura sangrenta do general Cedras, os fuzileiros navais levaram 160 mil páginas dos arquivos secretos. Aristide regressou acorrentado. Deram-lhe permissão para recuperar o governo, mas proibiram-lhe o poder. O seu sucessor, René Préval, obteve quase 90 por cento dos votos, mas mais poder do que Préval tem qualquer chefete de quarta categoria do Fundo Monetário ou do Banco Mundial, ainda que o povo haitiano não o tenha eleito nem sequer com um voto.
Mais do que o voto, pode o veto. Veto às reformas: cada vez que Préval, ou algum dos seus ministros, pede créditos internacionais para dar pão aos famintos, letras aos analfabetos ou terra aos camponeses, não recebe resposta, ou respondem ordenando-lhe:
- Recite a lição. E como o governo haitiano não acaba de aprender que é preciso desmantelar os poucos serviços públicos que restam, últimos pobres amparos para um dos povos mais desamparados do mundo, os professores dão o exame por perdido.
O álibi demográfico
Em fins do ano passado, quatro deputados alemães visitaram o Haiti. Mal chegaram, a miséria do povo feriu-lhes os olhos. Então o embaixador da Alemanha explicou-lhe, em Port-au-Prince, qual é o problema:
- Este é um país superpovoado, disse ele. A mulher haitiana sempre quer e o homem haitiano sempre pode.
E riu. Os deputados calaram-se. Nessa noite, um deles, Winfried Wolf, consultou os números. E comprovou que o Haiti é, com El Salvador, o país mais superpovoado das Américas, mas está tão superpovoado quanto a Alemanha: tem quase a mesma quantidade de habitantes por quilômetro quadrado.
Durante os seus dias no Haiti, o deputado Wolf não só foi golpeado pela miséria como também foi deslumbrado pela capacidade de beleza dos pintores populares. E chegou à conclusão de que o Haiti está superpovoado... de artistas.
Na realidade, o álibi demográfico é mais ou menos recente. Até há alguns anos, as potências ocidentais falavam mais claro.
A tradição racista
Os Estados Unidos invadiram o Haiti em 1915 e governaram o país até 1934. Retiraram-se quando conseguiram os seus dois objetivos: cobrar as dívidas do City Bank e abolir o artigo constitucional que proibia vender plantações aos estrangeiros. Então Robert Lansing, secretário de Estado, justificou a longa e feroz ocupação militar explicando que a raça negra é incapaz de governar-se a si própria, que tem "uma tendência inerente à vida selvagem e uma incapacidade física de civilização". Um dos responsáveis da invasão, William Philips, havia incubado tempos antes a ideia sagaz: "Este é um povo inferior, incapaz de conservar a civilização que haviam deixado os franceses".
O Haiti fora a pérola da coroa, a colônia mais rica da França: uma grande plantação de açúcar, com mão-de-obra escrava. No Espírito das leis, Montesquieu havia explicado sem papas na língua: "O açúcar seria demasiado caro se os escravos não trabalhassem na sua produção. Os referidos escravos são negros desde os pés até à cabeça e têm o nariz tão achatado que é quase impossível deles ter pena. Torna-se impensável que Deus, que é um ser muito sábio, tenha posto uma alma, e sobretudo uma alma boa, num corpo inteiramente negro".
Em contrapartida, Deus havia posto um açoite na mão do capataz. Os escravos não se distinguiam pela sua vontade de trabalhar. Os negros eram escravos por natureza e vagos também por natureza, e a natureza, cúmplice da ordem social, era obra de Deus: o escravo devia servir o amo e o amo devia castigar o escravo, que não mostrava o menor entusiasmo na hora de cumprir com o desígnio divino. Karl von Linneo, contemporâneo de Montesquieu, havia retratado o negro com precisão científica: "Vagabundo, preguiçoso, negligente, indolente e de costumes dissolutos". Mais generosamente, outro contemporâneo, David Hume, havia comprovado que o negro "pode desenvolver certas habilidades humanas, tal como o papagaio que fala algumas palavras".
A humilhação imperdoável
Em 1803 os negros do Haiti deram uma tremenda sova nas tropas de Napoleão Bonaparte e a Europa jamais perdoou esta humilhação infligida à raça branca. O Haiti foi o primeiro país livre das Américas. Os Estados Unidos haviam conquistado antes a sua independência, mas tinha meio milhão de escravos a trabalhar nas plantações de algodão e de tabaco. Jefferson, que era dono de escravos, dizia que todos os homens são iguais, mas também dizia que os negros foram, são e serão inferiores.
A bandeira dos homens livres levantou-se sobre as ruínas. A terra haitiana fora devastada pela monocultura do açúcar e arrasada pelas calamidades da guerra contra a França, e um terço da população havia caído no combate. Então começou o bloqueio. A nação recém nascida foi condenada à solidão. Ninguém lhe comprava, ninguém lhe vendia, ninguém a reconhecia.
O delito da dignidade
Nem sequer Simón Bolíver, que tão valente soube ser, teve a coragem de firmar o reconhecimento diplomático do país negro. Bolívar havia podido reiniciar a sua luta pela independência americana, quando a Espanha já o havia derrotado, graças ao apoio do Haiti. O governo haitiano havia-lhe entregue sete naves e muitas armas e soldados, com a única condição de que Bolívar libertasse os escravos, uma ideia que não havia ocorrido ao Libertador. Bolívar cumpriu com este compromisso, mas depois da sua vitória, quando já governava a Grande Colômbia, deu as costas ao país que o havia salvo. E quando convocou as nações americanas à reunião do Panamá, não convidou o Haiti mas convidou a Inglaterra.
Os Estados Unidos reconheceram o Haiti apenas sessenta anos depois do fim da guerra de independência, enquanto Etienne Serres, um gênio francês da anatomia, descobria em Paris que os negros são primitivos porque têm pouca distância entre o umbigo e o pênis. Por essa altura, o Haiti já estava em mãos de ditaduras militares carniceiras, que destinavam os famélicos recursos do país ao pagamento da dívida francesa. A Europa havia imposto ao Haiti a obrigação de pagar à França uma indenização gigantesca, a modo de perdão por haver cometido o delito da dignidade.
A história do assédio contra o Haiti, que nos nossos dias tem dimensões de tragédia, é também uma história do racismo na civilização ocidental.

*Escritor e jornalista uruguaio. Originalmente publicado na ADITAL

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novembro 04, 2009

Como anda sua relação com o meio ambiente?

Homem de Neandertal já fui - o caso da latinha de refrigerante
Por Marcello Lujan

Um dia desses, dei uma carona para uma amiga. Fazia muito calor e meu cérebro derretia. No desespero parei numa padaria para comprar uma latinha de refrigerante... que alívio mais do que imediato! Após refrescar minha alma, num gesto primitivo, acabei atirando a lata pela janela, que foi quicando numa ribanceira abaixo.
No ato, minha amiga advertiu! Indignada, ela me passou um pito - um justo puxão de orelhas (algumas beliscadas também seriam válidas). Para tentar amenizar o ocorrido (ou seria ocorrência policial?), recorri a um discurso datado - um velho clichê que não cola mais. Constrangido, aleguei que para os comunistas/socialistas o importante era a geração de produção, para proporcionar distribuição de renda, antes de pensar no meio ambiente era preciso destacar o bem-estar do homem e tome blá blá blá...Meu tico (lado da minha cabeça irracional) aprovou a saída pela tangente: “que se dane a mamãe natureza, você não vai estar mesmo vivo para acompanhar o grand finale do aquecimento global”. Já o Teco (lado racional da minha cuca) cobrou uma postura civilizada, repudiando a balela esfarrapada: “Que trapalhão, você agiu como um babaca e mostrou que precisa também se atualizar, pois hoje a relação do comunismo com o meio ambiente é outra, sendo baseada no controle de consumo, redução de resíduos e preservação ambiental - buscando harmonia entre as relações humanas e a natureza”.
Já em casa, o arremesso do legitimo homem de Neandertal continuava martelando minha mente. Como pude fazer um troço desses? Bebeu meu chapa, pirou, ficou maluco? Venezuela, donde estas?
No dia seguinte, a provocação prosseguia. No fim da tarde, voltei ao lugar onde havia feito à brutalidade. Como um caçador de borboletas, embrenhei-me no matagal. A missão era achar e resgatar a latinha – depositando-a na seqüência no seu devido lugar – o lixo! Depois de quinze minutos, sem sucesso, dei a busca encerrada. Onde teria ido parar a maldita latinha que atormentava minha mente? Já satisfeito pela minha tentativa e remorso demonstrado, o Teco aprovou o comprometimento do “novo comunista” com a preservação ambiental, sugerindo que retornássemos para casa. Quem sabe alguém já tenha passado por aqui e “limpou sua cagada” - foi o consolo.
Ainda combalido, pesquisei na Internet e descobri que uma latinha de refrigerante demora 500 anos para se decompor. Isso mesmo, quinhentos anos! Será que levará tanto tempo para o homem entender que é um dever coletivo cuidar do meio ambiente? Dos distraídos aos comprometidos - todos precisam assumir essa responsabilidade. De minha parte, prometo não jogar mais nada pela janela do carro. Nunca mais, de jeito nenhum!

Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima
À medida que se aproxima a data da “15ª Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (COP15)” que será realizada em dezembro em Copenhague (Dinamarca), acentuam-se as ações para intimar os líderes mundiais a chegar a um acordo.
Há poucos dias, um grupo de mais de 20 associações de diferentes partes do mundo se uniram em uma campanha sem precedentes para convocar as pessoas a exigir um acordo que possa frear o aquecimento global.
Com o nome de TckTckTck, uma referência ao barulho de um relógio marcando a passagem do tempo, a ação já reuniu mais de um milhão de pessoas que se disseram a favor de um novo acordo climático.
A campanha é aberta! Todos podem usar a imagem TckTckTck para educar e incentivar o debate referente a mudança climática. A iniciativa tem o objetivo de mobilizar a sociedade civil e galvanizar a opinião pública em favor da mudança e ação rápida para salvar o planeta
Acaba de ser oficialmente lançado o videoclipe da campanha (assista abaixo). O clássico “Beds Are Burning” da banda Midnight Oil, foi interpretado por muita gente legal, com a particpação de Koffi Annan, Youssou n Dour, Bob Geldof, Duran Duran, Scorpions e a belíssima Serena Ryder (se eu fosse solteiro investiria na canadense - que gracinha a guria - sonho meu vai buscar quem mora longe...).
A música também está disponível para o download gratuito no site Time for Climate Justice.

Beds are Burning (trecho)
Camas estão queimando

"…How can we dance when our earth is turning
Como podemos dançar quando nossa terra está girando
How do we sleep while our beds are burning
Como podemos dormir enquanto nossas camas estão queimando
How can we dance when our earth is turning
Como podemos dançar quando nossa terra está girando
How do we sleep while our beds are burning
Como podemos dormir enquanto nossas camas estão queimando
The time has come to say fairs fair
A hora chegou para dizer que o que é certo é certo
To pay the rent, now to pay our share
Para pagar o aluguel, para pagar nossa parte..."

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novembro 02, 2009

Garapa é testada pela ciência

A cana-de-açúcar foi objeto de pesquisa inédita no Brasil, desenvolvida nos laboratórios do Labex (Laboratório de Bioquímica do Exercício), do Instituto de Biologia da Unicamp (IB), e do Departamento de Alimentos e Nutrição, da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA). Coordenada pela professora Denise Vaz de Macedo, do Departamento de Bioquímica do IB, o principal propósito das investigações científicas com a cana-de-açúcar é comprovar a sua eficácia não apenas quanto ao rendimento físico, como também para a recuperação significativa da massa muscular de atletas, sobretudo praticantes de futebol.
A professora Denise, que pesquisa o tema há aproximadamente seis anos, está propondo a substituição do consumo desenfreado de produtos tradicionais colocados no mercado - de custo relativamente alto e nem sempre muito bem aceitos por atletas – pela garapa, "um alimento natural, portanto muito mais saudável e muito mais eficaz", observa. Denise conta que começou a pesquisar a garapa, como é conhecido o caldo extraído da cana-de-açúcar, há três anos, juntamente com a nutricionista Mirtes Stancanelli.
Participaram do trabalho jogadores da Associação Atlética Ponte Preta. Durante a pesquisa, 60 atletas da Ponte Preta, 30 profissionais e 30 da categoria de juniores, foram alimentados com caldo-de-cana, sempre após o término do treino ou de uma partida oficial. O mesmo processo ocorreu com a Associação Atlética Caldense, que em 2002 sagrou-se campeã mineira. Em ambos os casos, os atletas revelaram significativo rendimento físico, assim como a manutenção da massa muscular.

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Pesquisa está propondo a substituição de energéticos pela "garapa"

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outubro 25, 2009

Sente São Paulo...

Manhã de sol, dia de frio, madrugada de gelo e amanhã incerto
Por Joelma do Couto*

Terça-feira, 2 de junho de 2009. São Paulo amanhece com céu azul, ar limpo, um lindo e gelado dia de outono. Pelas ruas da capital financeira do país pessoas caminham elegantes e bem vestidas, cachecóis, casacos, botas. Muitas paradas ao longo de elegantes lojas comentam “adoro o inverno, que estação elegante”.
Na região da Rua Vinte e Cinco de Março, carros da companhia de luz fazem reparos, gente indo e vindo com mãos cheias de sacolas, de repente, correria, lá vem o rapa. Camelôs que vendem suas mercadorias no chão ou em pequenas mesas juntam tudo e saem correndo na tentativa de preservar o ganho pão da família. Uma senhora de aproximadamente 50 anos, moradora da Pedreira zona sul da cidade, comenta “Vida de pobre é assim mesmo, quanto mais os ricos ficam ricos mais ódio eles tem dos pobres. mas eu tenho fé, acredito em Deus, vou continuar trabalhando assim mesmo. Quer comprar um carrinho de mim moça?”

A cada hora que se passa, o frio aumenta. Na Praça do Correio dezenas de pessoas encolhidas, sem botas, sem casacos, sem luvas, sem a elegância da estação. Sentadas, deitadas, sobre caixas de papelão ou embaixo de cabanas improvisadas com pedaços de lona ou papelão, tentam abrigar-se do frio. A cidade de São Paulo tem mais de 16 mil pessoas em situação de rua e, oito mil vagas em albergues. Metade não tem onde pernoitar. Esse número cresce a cada dia. As favelas estão sendo urbanizadas, onde têm 900 famílias o governo constrói 300 apartamentos, e o resto? O resto, recebe 3,5 8 mil reais de indenização pelo barraco e some, para a rua ou lá prós confins da cidade. A periferia se expande!!!
No meio disto tudo está Mara Sobral, ex menina de rua, mãe de 12 filhos, nove adotados, caminhando com olhos tristes, desanimada, cansada, revoltada. Mara se diz cansada se ser violentada “Quando escapamos da violência da família caímos nas ruas e daí por diante passamos a ser violentadas diariamente pelo sistema”. A central de catadores onde Mara trabalhou por alguns anos sofreu um incêndio criminoso em dezembro de 2008 e desde então Mara e seus companheiros lutam para tentar reabrir o local.
Parece simples,queimou,apagou-se o fogo,reformou,voltou-se a trabalhar. Não, não é assim tão simples. A partir do momento em que a cooperativa foi incendiada os cooperados perderam a chance de continuar trabalhando. A cooperativa foi fechada, o que aconteceu ninguém sabe. Quem vai perder tempo investigando incêndio em cooperativa de catadores? A quem interessa?Afinal ali só trabalha o refugo da sociedade. O lixo humano produzido pelo capitalismo, os párias da modernidade, segundo afirma o sociólogo polonês Zygmunt Bauman em seu livro Vidas desperdiçadas.
Depois de muita repercussão, muita luta e muita promessa a cooperativa talvez fosse reabrir as portas provisoriamente em um pequeno galpão de 320m nos próximos dias. Mas, apareceu mais um problema, Wagner, conhecido como Sting, responsável pela coleta seletiva na cidade de São Paulo resolveu que, a cooperativa só terá os caminhões da Limpurb disponíveis para coleta do material doado pelos condomínios a central da Granja Julieta, quando os catadores quitarem a dívida de 18 mil reais com o INSS. A promessa de reabrir a cooperativa para que os catadores pudessem começar a trabalhar foi por água abaixo? E agora?Como é que eles vão arrumar oito mil reais para saudar esta dívida?Como vão saudar as dívidas pessoais que não são poucas?Como ficam essas vidas?
No final do dia o frio já era de fazer doer os ossos. Mara caminhava em direção ao terminal Bandeira para pegar um ônibus rumo à zona sul. Quando de repente viu um sorriso a sua frente. Era Sorriso, ex cooperado. Filho da rua, Sorriso perdeu a mãe nas ruas, morta a pauladas. Ele, doente mental, ex albergado da região de Santo Amaro, teve a chance de ter um lar. Com o trabalho da cooperativa, Sorriso pagava o aluguel de seu cantinho, agora sem emprego Sorriso voltou às ruas. Ficaram longes os tempos em que ele podia comprar e pagar suas contas.Sorriso tem dificuldades,não se adapta a qualquer lugar,precisa de apoio,carinho.
Para ficar longe das lembranças Sorriso deixou Santo Amaro e foi dormir no berço esplendido das ruas da região central. Mara chora pede para que ele volte para Santo Amaro, para o albergue da Ceninha. Tem medo que ele morra de frio, ou que alguém o mate. Ele é uma criança grande.
Na cidade dos lucros, no coração financeiro do país, não há lugar para os menos favorecidos. A aqui não é a cidade dos sonhos onde todos podem trabalhar e crescer. Aqui se escolhe quem pode trabalhar, não basta querer. Aqui os sonhos se queimam, os corações são frios e o lixo deve desaparecer da frente dos olhos dos mais favorecidos. Não importa a que custo e muito menos se o lixo é o que ou quem. Que nesta madrugada gelada o Bento do Portão proteja a todos os Sorrisos jogados nas calçadas da paulicéia desvairada.

*Joelma do Couto é estudante de jornalismo.

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Em terras de Simón Bolívar
Por Michelle Amaral da Silva*

Escrevo diretamente de Caracas, na Venezuela, onde tive a honra e o prazer de ministrar uma oficina de Literatura para um grupo de jovens profissionais da Vive-TV, emissora estatal que difunde e estimula as lutas e iniciativas comunitárias em todo o país. O clima por aqui é de enorme efervescência: há um processo de mudanças em marcha, liderado pela figura polêmica e singular de Hugo Chávez, ao qual ninguém consegue ficar indiferente, o que estimula a crescente politização da vida pública nacional.
O ambicioso projeto da “Revolução Socialista Bolivariana” segue seu curso, em meio a vários desafios e obstáculos cuja superação, por vezes, nos parece quase impossível. Apesar da Constituinte, a estrutura do Estado ainda é incapaz de impulsionar todas as medidas reclamadas pela população. Além disso, o poder dos monopólios e das corporações transnacionais permanece praticamente incólume, fato que soa como um paradoxo dentro de um regime que se pretende socialista. Nacionalizaram-se algumas empresas (entre elas, siderúrgicas, indústrias têxteis e até mesmo o afamado Hilton Hotel, que agora se chama Alba), é bem verdade, mas o capital privado continua a faturar milhões na terra de Simón Bolívar.
A trágica herança de décadas de submissão da burguesia aos interesses do imperialismo ianque está bem visível na própria fisionomia da metrópole. Quase todas as encostas de Caracas (situada em uma região montanhosa a poucos quilômetros do litoral) foram ocupadas por condomínios luxuosos, tal como ocorre na zona sul do Rio de Janeiro, ou por moradias populares. Estas configuram uma ampla malha de comunidades a que os habitantes locais chamam de barrios. Elas me evocam de imediato o cenário das favelas cariocas, mas com uma diferença básica: em vez do poder absoluto das ‘milícias’ ou dos bandos de traficantes que há nos morros cariocas, surgem nesses espaços os Conselhos Comunitários, uma forma ainda incipiente, porém efetiva, de inserir o povo venezuelano na revolução proposta por Chávez.
No asfalto, as seqüelas do capitalismo periférico também se notam. Com a gasolina a preço de banana, o número de carros não pára de crescer. O tráfego é caótico, os motoristas ignoram todas as regras de trânsito e os congestionamentos são insuportáveis até mesmo para um paulistano habituado à paranóia das marginais do Tietê. O novo alcaide da velha Caracas, Jorge Rodríguez (PSUV), promete investimentos no transporte coletivo e de massa (já existem seis linhas de metrô em funcionamento), mas esta batalha deverá ser bem mais árdua do que a própria Revolução Bolivariana... Isso sem falar na febre dos celulares (há casais que almoçam sem conversar entre si, presos ao telefone durante a refeição), um índice eloqüente da sedução que a sociedade de consumo pós-moderna exerce sobre a classe média.
No plano político, a efervescência não tem fim. A julgar pela quantidade de textos e análises que circulam pela internet, as eleições do último dia 23 são um exemplo cabal do fenômeno. Há quem jure que o chavismo agoniza, há quem se empolgue com os números do novo partido socialista (PSUV). Como fugaz observador do pleito, devo dizer que “nem tanto ao mar, nem tanto à terra”... O PSUV logrou recuperar-se da derrota sofrida há um ano, quando a oposição venceu por estreita margem o referendo sobre as emendas constitucionais e barrou as alterações postuladas por Chávez. Com quase 1,2 milhão de votos a mais que os adversários, o partido elegeu 17 dos 22 governadores estaduais, mas amargou sérios reveses em algumas das províncias mais ricas do território, sobretudo em Zulia (região petrolífera), Táchira e Miranda. Mais além dos números, porém, o fato incontestável na Venezuela é a crescente inserção dos movimentos sociais na vida nacional, decerto o maior trunfo do projeto bolivariano em curso.
É evidente que uma parte da oposição já não cultiva o mesmo tom bélico e agressivo que levou ao golpe de 2003. Até na própria mídia, há sutis matizes dignos de atenção: enquanto a RCTV e a rede Globovisión seguem atacando ostensivamente o governo Chávez, a Venevisión resolveu adotar uma posição de “independência” ou “neutralidade”, evitando claramente provocações ou calúnias contra o regime. Chávez, por sua vez, insiste claramente na tática do confronto, não concedendo um minuto de trégua aos opositores. Alguns analistas julgam equivocada a tática do comandante, mas quadros do PSUV avaliam que, sem a polarização, não seria possível acelerar o processo de consolidação do poder popular e de incremento das forças bolivarianas. Ninguém pode prever o rumo das coisas por aqui, mas não há dúvida de que Chávez tem prestado uma ajuda decisiva às lutas dos povos latino-americanos.

*Luiz Ricardo Leitão é escritor e professor adjunto da UERJ. Doutor em Literatura Latino-americana pela Universidad de La Habana, é autor de Lima Barreto: o rebelde imprescindível (Editora Expressão Popular).

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Ditadores ditam dores...

Pela punição dos crimes da ditadura
Por Mário Maestri*

Em 22 de agosto de 1979, há trinta anos, era aprovada a Lei nº 6.683 que anistiou parcialmente os opositores à ditadura militar e concedeu perdão irrestrito aos crimes do regime militar. Além da luta em prol da proteção dos presos, condenados e perseguidos pelo regime militar, o movimento pela anistia esforçava-se para retroceder, a partir de reivindicação democrática, a ordem ditatorial imposta, em março de 1964, com o apoio do imperialismo; das classes proprietárias agrárias, industriais, comerciais e financeiras; da alta hierarquia da Igreja e da Justiça; da quase totalidade da grande mídia etc.
O movimento pela anistia constituiu importante momento da luta contra a ditadura que conquistara, nos anos 1970, após um qüinquênio de resistência popular, indiscutível hegemonia sobre o país, nascida sobretudo da repressão e do apoio das classes médias, seduzidas pelo chamado Milagre Econômico [1969-1973], obtido pelo confisco de conquistas sociais; superexploração do mundo do trabalho; empréstimos milionários; reorientação da produção do mercado interno para a exportação etc.
A derrota anterior dos trabalhadores e da população, em 1964 e em inícios dos anos 1970, explica o sentido restrito e contraditório da luta pela anistia, ou seja, da reivindicação, aos criminosos institucionalizados, da extinção da punibilidade de atos profundamente legais e necessários, já que realizados no combate da ilegalidade e da exceção.

Reconhecimento Social e Histórico
Na França, na Itália, na Iugoslávia etc, não houve anistia dos combatentes antifascistas, igualmente denominados de "terroristas", de "agitadores", de "comunistas" etc, sendo apenas reconhecido o sentido histórico e social de suas ações. Reconhecimento não geral devido à não extirpação social das forças que apoiaram a exceção. Ao contrário, os crimes do fascismo foram punidos, ainda que, não raro, tenham sido anistiados com liberalidade que a sociedade pagaria duramente.
No desenvolvimento de ação que buscava expandir-se na sociedade, o movimento pela anistia superava objetivamente a contradição que ensejava pedir o reconhecimento de fatos socialmente necessários aos criminosos de Estado. Efetivamente, ao negar o caráter de crime aos atos da resistência, legitimava-os e sacralizava-os, em forma mais ou menos explícita e plena, nos limites possíveis da época, ou seja, em plena vigência da ditadura.
A mobilização pela anistia constituía parte da reconstituição da oposição de massas ao regime ditatorial. Participava com destaque da difícil luta pela reconquista da hegemonia social, conquistada pela ditadura militar e pelo grande capital através da mídia, das escolas, da Igreja, etc; da pedagogia policial e militar do medo; do apoio de amplos segmentos médios, conquistados pela bonança econômica relativa e restritiva etc.

Derrota Política
As forças oposicionistas à ditadura militar e à ordem só foram derrotadas pela ação repressiva policial-militar devido ao vazio social que conheceram, em inícios dos anos 1970, com a repressão sofrida pelas classes populares e, sobretudo, com a adesão das classes médias que, após participarem da oposição, desde 1966, apoiaram, em grande parte, ativa ou passivamente a ditadura, quando do Milagre Econômico. Contribuiu a esse processo a incapacidade das vanguardas políticas de construir programa de resistência inteligível à população e aos trabalhadores.
A luta pela anistia não foi maná dos céus. Ela nasceu do aproveitamento, por destemidos velhos e novos lutadores, das rachaduras abertas, com a crise mundial do capital, em meados dos anos 70, no consenso imposto pela ordem militar. O retrocesso do mercado mundial e a expansão dos juros internacionais corroeram o padrão de crescimento econômico capitalista impulsionado a partir de 1964.

O Fim do Milagre
A inflação, o confisco salarial, os cortes nos investimentos impostos pelos governos militares para o pagamento da dívida externa e interna minavam o apoio das classes médias e criava condições para a retomada da luta dos trabalhadores fortalecidos pela expansão econômica. A alta oficialidade das forças armadas sabia que as baionetas "servem para tudo, menos para sentar-se sobre elas".
Assombrava as classes dominantes a possibilidade de redemocratização não controlada que permitisse a reconquista-ampliação dos direitos sociais confiscados; um novo equilíbrio da correlação de forças em favor do mundo do trabalho; a punição dos crimes cometidos contra os opositores e contra a população brasileira.
O movimento pela anistia era - como segue sendo - parte da luta permanente entre a democracia e o autoritarismo, entre o mundo do trabalho e o capital. Embate que se solucionara, em 1964, em favor dos grandes proprietários que se serviram da ordem militar para exacerbar sua dominação. Derrota dos trabalhadores e da cidadania com consequências históricas para o Brasil e o mundo que se mantém, substancialmente, ainda hoje.

Para que tudo seguisse igual
Para o governo militar e o mundo do capital, no fim da ditadura, havia que mudar muito, para que tudo continuasse como antes. A descompressão política devia permitir metamorfose institucional e dos protagonistas excelentes da ditadura que mantivesse, sob nova realidade, a dominação social tradicional, ampliada durante os anos de exceção. Havia que proteger de qualquer punição os criminosos das forças armadas e policiais, instituições estratégicas na defesa dos privilégios no país. A anistia devia apresentar-se como pacificação nacional, como perdão magnânimo dos crimes e excessos praticados contra as instituições, por militantes favoráveis à implantação do socialismo, filosofia contra o espírito das instituições brasileiras,
protegidas por militares e policiais. Para quebrar a frente da mobilização pela anistia, diferenciou-se entre crimes de opinião e de sangue. Ditava a lei da Anistia: "Excetuam-se dos benefícios da anistia os que foram condenados pela prática de crimes de terrorismo, assalto, seqüestro e atentado pessoal." Anatematizava-se o direito de lutar pelas armas contra aqueles que se impuseram e se mantiveram na ilegalidade pela força das armas. No momento em que se concedia anistia muito parcial aos ofendidos pela ditadura, sem esclarecimento dos assassinatos, das torturas e dos desaparecimentos, a lei ditatorial de 1979 anistiava, total e plenamente, todos militares e policiais, sem individualização, das ações criminosas, consideradas positivas e justificadas a partir do princípio implícito do caráter excepcional de "guerra justa" em defesa das instituições.
Sem Valor Legal e Moral
A correlação social de força entre o capital e o trabalho, entre a democracia e a exceção, determinada pelas derrotas anteriores, de 1964 e 1970-71, ensejou que a mobilização pela anistia ampla, geral e irrestrita dos perseguidos não reivindicasse a punição proporcional dos civis e militares responsáveis por crimes de Estado [torturas, assassinatos, desaparecimentos, etc] e pela própria ordem ditatorial. Ou seja, o castigo daqueles que agrediram em forma continuada os direitos da cidadania.
A ditadura militar conseguiu controlar o ritmo e determinar o conteúdo do processo de anistia. Organizou a libertação e reingresso gradativo dos presos políticos e refugiados, para não ensejar mobilizações de massa e reflexão geral sobre a repressão. Desde fins de 1977, permitiu a volta ao Brasil de refugiados que não tinham sido julgados e condenados. Dois anos mais tarde, concedeu anistia parcial e excludente. Mitigada, com picos de violência, a repressão seguiu até o fim da ditadura, em 1985. Foram muitos os fatores que contribuíram para que a mobilização pela anistia não se contrapusesse substancialmente ao cronograma ditatorial e das forças políticas tradicionais, na situação ou na oposição consentida. Entre eles, destacam-se a morte de lideranças como Carlos Lamarca [Rio de Janeiro, 23 de outubro de 1937 - Pintada, sertão baiano, 17 de setembro de 1971] e Carlos Marighella [Salvador, 5 de dezembro de 1911 - São Paulo, 4 de novembro de 1969]; a dissolução das organizações armadas, derrotadas orgânica e politicamente; a fragilidade das organizações políticas e sociais do mundo do trabalho.
O que é isso, companheiro?
Foi igualmente importantes nesse processo a aceitação da distensão controlada por lideranças populistas, como Leonel Brizola, que se esforçou para que seu retorno não motivasse grandes manifestações populares e a enorme midiatização do rompimento com os ideais socialistas e revolucionários anteriores de anistiados, em um verdadeiro desbunde voluntário, a seguir regiamente retribuído. Nesse último caso, destaca-se certamente Fernando Gabeira, através de seu best-seller O que é isto companheiro?.
A fragilidade objetiva do movimento social e operário, aprofundada pela vitória da contra-revolução neoliberal de fins dos anos 1980, ensejou que sequer as reivindicações limitadas do movimento pela anistia, de meados dos anos 1970, fossem cumpridas totalmente pela Constituição de 1899 ou pelos governos eleitos, a seguir, indireta e diretamente. O que não é de se estranhar, no que diz respeito aos governos de José Sarney [1985- 1990], ex-dirigente da ditadura reciclado à oposição tradicional, ou de Fernando Collor de Mello [1990 até 1992] , factóide dos grandes proprietários do Brasil.
Tem certamente significado diverso a guarda canina, pelas administrações Lula da Silva [2003-2009] até sob o manto do segredo de Estado, da informação sobre os crimes mais sujos e indignos praticados por membros da forças militares e policiais. Iniciativa que conta com o apoio de militantes e partidos que sofreram as violências ditatoriais, atualmente no governo. Uma ação que agride a memória daqueles opositores e o direito inviolável de seus parentes e da cidadania de conhecer suas sortes e o destino de seus restos mortais.
Movimento Necessário
Até hoje, jamais foi possível construir uma ampla frente política, sequer com os diretamente atingidos pelos atos ditatoriais, que lutasse para a generalização entre a população da consciência sobre a verdadeira essência da ditadura: ordem militar que impulsionou a reorganização das instituições do país em favor do grande capital. Ou seja, regime que empreendeu ataque direto e permanente aos diretos democráticos, sociais e econômicos da população. Agressão organizada por Estado, por instituições e por gestores que apenas se metamorfosearam, em 1985, mantendo a essência profunda do que foi realizado nas duas décadas de ditadura. A desorganização e a atomização da militância antiditatorial, quando não sua cooptação parcial para com a colaboração com o Estado e com os interesses dominantes nos anos de exceção, facilitaram que a luta pela punição plena dos crimes cometidos contra os resistentes e contra a população e os trabalhadores se restringisse sobretudo à concessão de indenizações individuais. Reparação justa, quando procedente, mas de dimensão e importância mínima, diante da necessidade histórica de punição e reparação dos direitos ofendidos.
A forte luta popular contra o esquecimento e pela punição geral dos responsáveis pela ordem ditatorial na Argentina levou à prisão, ao julgamento e à condenação, ainda que parciais e limitados, de altos oficiais militares, devido à anulação de anistias como "Obediência devida", "Ponto Final" e dos indultos concedidos por Carlos Menem (1989 - 1999). A mesma responsabilização judicial dos criminosos da ditadura se procede, atualmente, também em forma parcial, no Peru e no Chile.
Sem Valor Legal e Moral
Os indultos anulados na Argentina em tudo são semelhantes ao concedido, em 1979, aos crimes de Estado, no Brasil, pelos próprios criminosos, ainda plenamente vigente. Aqueles e outros sucessos facilitaram a retomada, nos últimos anos, da reivindicação da punição dos crimes congêneres praticados no nosso país, processo no qual desempenhou e desempenha meritório papel setores da Justiça brasileira e os comitês de familiares de desaparecidos, ainda em ação.
Sob o permanente ataque da grande mídia e a ação de importantes forças políticas governamentais e conservadoras, o movimento pelo castigo dos criminosos da ditadura não consegue, porém, assumir a envergadura necessária, imprescindível à suspensão da anistia ilegal aos criminosos e à punição dos crimes de Estado. Punição que constitui sanção política, ideológica e histórica e exemplo didático e preventivo para ações idênticas no futuro. Impõe-se a materialização de movimento que exija o esclarecimento imediato e total da sorte dos assassinados e desaparecidos pela ditadura e a punição exemplar dos responsáveis diretos e indiretos, quando ainda vivos. Responsáveis que, em geral, não apenas continuaram suas carreiras civis, policiais e militares, como foram privilegiados pelos crimes cometidos. Podemos ainda encontrá-los nas forças armadas, nas polícias militares e civis, nas câmaras municipais, nos parlamento, no senado, nas universidades.

Que sua memória e luta seja honrada!
É necessário construir movimento que exija o resgate e a legitimação da memória da luta e dos opositores do passado. Que exija a sanção proporcional, pública e legal, dos criminosos civis e militares da ditadura, e de sua memória e obra, retirando-lhes, assim, o direito de reconhecimento, ao lado dos seus pares eleitos democraticamente, como ex-governadores, ex-prefeitos, ex-parlamentares, etc. Que determine, no mínimo, a anulação dos eventuais privilégios advindos do desrespeito dos direitos fundamentais da população brasileira.
Movimento que impugne legalmente a celebração dos criminosos políticos e civis através da denominação pública ou particular com seus nomes de pontes, de avenidas, de ruas, de colégios, etc. A denominação de uma importante avenida de Porto Alegre como Castelo Branco é ofensa direta e permanente aos resistentes da ditadura, às suas memórias, às suas famílias, a toda democrata e homem de bem, seja brasileiro ou não. E o que dizer de jovens frequentando escolas públicas batizadas com os nomes dos ditadores, comuns no RS e através do Brasil! A punição e a sanção dos criminosos da ditadura e a restauração plena da memória da resistência constituem exigências voltadas para o futuro. São partes fundamentais do programa de construção de sociedade onde, finalmente, o homem seja amigo do
homem. Ideal maior pelo qual tombaram, nas ruas, nos sertões, nas florestas e nas masmorras, nos vinte anos de ditadura militar, com os olhos cravados no horizonte, alguns dos melhores e mais dignos brasileiros e brasileiras. Que sua memória e luta seja honrada!

* Mário Maestri, 61, é historiador e professor do Curso e do Programa de Pós-Graduação em História. Foi preso e refugiado político durante a ditadura militar. E-mail: maestri@via-rs.net

* Conferência proferida no Seminário Lei da Anistia: 30 Anos, Plenário da Câmara Municipal de Vereadores, Passo Fundo, 2 de outubro de 2009.

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Purgatório da beleza e do caos

Tráfico, favelas e violência
Por Luis Carlos Lopes

A política de segurança adotada por sucessivos governos da cidade e do Estado comete equívocos e dialoga com público, através das mídias, de modo ainda mais equivocado. Ao não aceitar ajuda federal, o atual governador situou o problema na esfera local, dizendo que, por ora, tinha como resolvê-lo. As questões de fundo que são as verdadeiras causas de tudo isto foram, mais uma vez, para debaixo do tapete da política e da história.
Os últimos incidentes referentes à luta entre policiais-militares e o tráfico, ocorridos na cidade do Rio de Janeiro ganharam espaço nas grandes mídias do Brasil e de inúmeros países do chamado Primeiro Mundo. Como se sabe, o Brasil não está em guerra interna ou externa. Por aqui, não há motivo aparente, no atual contexto, para espetáculos de ações diretas, registrados e reproduzidos fartamente pelas mídias.
É estranho que um helicóptero tripulado por soldados da PM tenha sido abatido em pleno vôo, com duas mortes e dois feridos. A tragédia não foi maior porque foi possível o pouso forçado da aeronave em chamas, em campo aberto. As imagens de sua completa destruição física parecem cenas da Guerra do Iraque, da Colômbia ou do Afeganistão. Mas, não são. Tudo ocorreu em um outrora pacato bairro da Zona Norte – Vila Isabel. Este é ocupado por parcelas das classes médias da cidade, que são vizinhos de muitas comunidades faveladas e foi um dos berços do samba moderno brasileiro.

Jamais isto tinha ocorrido antes. Parece, que existiram tentativas, mas esta foi a primeira vez que se conseguiu concretizar a façanha. Acendeu-se uma lâmpada de alerta. O Rio de Janeiro é uma cidade conflagrada. Talvez, se isto tivesse acontecido antes de sua escolha para sediar as Olimpíadas de 2016, o resultado tivesse sido outro ou a vitória bem mais difícil.
A política de segurança adotada por sucessivos governos da cidade e do Estado comete equívocos e dialoga com público, através das mídias, de modo ainda mais equivocado. Ao não aceitar ajuda federal, o atual governador situou o problema na esfera local, dizendo que, por ora, tinha como resolvê-lo. As questões de fundo que são as verdadeiras causas de tudo isto foram, mais uma vez, para debaixo do tapete da política e da história.
Os problemas sócio-urbanos do Rio de Janeiro são muito graves e se arrastam desde o fim da escravidão, ou mesmo de antes. Tem-se uma cidade dividida entre uma parcela mais rica que mora no ‘asfalto’ e cerca de 600 ou mais comunidades faveladas construídas, em sua maioria, em morros, muitos deles de difícil acesso. Estas comunidades são, de há muito, usadas pelo crime como local de recrutamento e homiziamento. Obviamente, que nada disto é exclusivo à esta cidade, mas nela, esta situação ganha características especiais.
Mais do que um, em cada três cariocas, mora em uma das favelas da cidade. Diferentemente de outras, a geografia do Rio levou e continua levando os excluídos e os imigrantes para os morros e algumas regiões planas de baixo interesse imobiliário. Estas são, por vezes, distantes e periféricas. A origem destas comunidades remonta à época da escravidão. Nesta, negros fugidos – quilombolas – ou abandonados pelos seus senhores usavam os morros para morar e muitas vezes plantar e criar animais.
Quando do fim da Guerra de Canudos (1897), o Morro da Favela, nas proximidades da Central do Brasil, abrigou muitos retirantes do conflito, que vieram para a velha capital. Daí, a origem e a popularização do nome. No local, ainda existe uma impressionante favela, que parece debruçada sobre uma pedreira – o Morro da Providência – que é um dos locais de conflito na cidade. Sua antiguidade e pobreza testemunham anos e anos de descaso público.
Estas comunidades cresceram todas as vezes que houve ciclos de prosperidade no país. Parece paradoxal, mas o que ocorria e ainda ocorre é que imigrantes, vindos para trabalhar na construção civil e outras atividades urbanas, não tinham como morar nos prédios que levantavam e nos bairros onde trabalhavam. A opção era a de construir barracos, se possível, no morro mais próximo de onde labutavam.
Hoje, quase não existem mais barracos. A madeira ficou cara. O tijolo e o cimento são abundantes e relativamente mais baratos do que no passado. As habitações são, quase sempre, construídas em tijolos. Como nem sempre há dinheiro para o reboco externo, muitas favelas, vistas de longe, parecem jogos infantis avermelhados e amontoados. A alvenaria externa é mais facilmente encontrável nas favelas mais antigas e nas mais “ricas”, onde se concentram trabalhadores empregados com carteira assinada ou biscateiros bem-sucedidos. É lógico, que numa mesma favela é possível encontrar as duas situações, bem como se podem ver ainda barracos, agora, construídos com resto do lixo urbano.
O mundo favelado é altamente complexo e não cabe neste pequeno artigo. Nele existe uma estrutura social com imensas diferenças internas. A maioria dos seus habitantes são trabalhadores ou desempregados. Um pequeno percentual dedica-se às atividades criminosas. O preconceito do “asfalto” é antigo, até porque grande parte dos seus moradores e negra, quase negra, de origem nordestina, mineira e vindos de outros bolsões da miséria brasileira. Para as classes médias mais reacionárias, favela é lugar de marginal, de gente que não presta. Esta mesma gente não tem qualquer cerimônia em explorar o trabalho dos que lá vivem.
Entre os governos de Carlos Lacerda e de Chagas Freitas prevaleceu a idéia de que a solução para a questão favelada era a remoção para conjuntos habitacionais construídos pelo governo na periferia do Rio de Janeiro. Pouco a pouco, a proposta de remover perdeu terreno pela a da urbanizar. Aliás, o atual prefeito levantou a mesma questão da remoção, sem nada ainda ter feito de concreto nesta direção. Também, junto com o atual governador do Estado foi feita a polêmica proposta de algumas favelas serem ‘separadas’ por muros do resto da cidade. Os atuais PACs têm projetos engajados em algumas obras de urbanização básica dos mesmos locais.
Os casos de remoção conhecidos nada mudaram para os favelados, liberando terrenos valiosos para a especulação. Os mesmo problemas que existiam na origem foram remontados nos conjuntos habitacionais, rapidamente favelizados. Os projetos municipais urbanizadores, tal como o chamado Favela-Bairro, mudaram muito pouco a realidade destas comunidades. A questão central é que em nenhum destes projetos desenvolvidos ou propostos até hoje houve a preocupação com a distribuição de renda entre os habitantes. O problema do desemprego continuou a ser gravíssimo, afetando, com muita força, os jovens.
Existem milhares e milhares de jovens favelados sem emprego, escolas decentes, comida em casa, saneamento básico, tratamento médico necessário. Os que conseguem trabalho ganham mal e não raro não têm seus direitos respeitados. Neste quadro, fica fácil ao tráfico e a outras atividades criminosas fazer o recrutamento constante. A cada preso ou morto há uma fila de substitutos, de gente capaz e disposta a arriscar a vida para alguns momentos fugidios de glória e de ascensão. A política de matar, torturar e prender em massa nada muda. Ao contrário, cria heróis e mártires, estimulando novas adesões. Por isto, é difícil crer que se deseje, de fato, acabar com o problema.
De todas as favelas cariocas, em torno de dezoito, teriam bolsões mais nítidos do tráfico. O Rio não é Mendellin, na Colômbia. Por aqui, não existem cartéis e nem máfias muito organizadas. A droga vendida no Rio, como se sabe, ou vem do Nordeste (maconha), do Paraguai, da Bolívia, da Colômbia e do Peru. Logo, ela atravessa, certamente por terra, alguns milhares de quilômetros, até está disponível em um ponto de revenda local. Como passa desapercebida, é um ‘mistério’ a resolver. Parte destes carregamentos sai do Rio para a Europa e EUA. Logo, a cidade é também um entreposto.
Em parte das favelas, onde não existe tráfico ou ele foi banido, funcionam as famosas milícias – nova versão do crime social local, com a clara participação de pessoas de algum modo ligadas às forças repressivas. Quase em todas comunidades existem pequenos grupos de pessoas que se dedicam a vários tipos de atividades criminosas. É difícil que o número de criminosos em uma favela seja superior a um por cento de seus moradores. O número de desempregados ou de subempregados pode chegar a mais da metade do conjunto da comunidade.
Os grupos de traficantes mais comuns são pequenos bandos de, em torno, vinte pessoas, desarticulados e por vezes inimigos entre si que adotam siglas de organizações que só existem atualmente no universo nebuloso das mídias, sem muito respaldo no real. No Rio, felizmente, não há nada como o PCC paulista. É verdade, que uns atiram nos outros e/ou tentam tomar o território dos rivais. O capo, normalmente é alguém mais velho, com várias passagens policiais e com ligações com o crime mais ou menos organizado existente dentro dos presídios. Os soldados do tráfico são jovens, por vezes bem jovens, que têm uma esperança de vida média de dois anos nesta atividade para lá de perigosa.
As armas de guerra que conseguem por efeito da corrupção e do dinheiro acumulado pela venda de drogas, são as mais usadas nas lutas entre as facções. Muitas delas foram produzidas nos EUA, na Inglaterra, em Israel e em países do Leste europeu. Outras, sobretudo munições, se originam também em aquisições feitas no contrabando e as que são oficialmente compradas pelas forças armadas e policiais brasileiras. Sabe-se, que com dinheiro e contatos, não é difícil comprar um fuzil-metralhadora moderno, bem como a munição necessária. O problema está em se imaginar como circulam estes artefatos no mundo contemporâneo. Certamente, há muitos interesses em jogo.
O episódio do helicóptero chama a atenção, porque jamais algo similar havia acontecido. Normalmente, os traficantes atiram na polícia somente quando estão encurralados, que é o que deve ter acontecido. Eles preferem guardar suas balas para seus iguais e para garantir seus reinados nas comunidades onde atuam. Eles evitam um confronto maior com as polícias, porque sabem que serão, no passo seguinte, perseguidos até o destino final.
A atual política de ocupações policiais permanentes de algumas favelas, três até o momento, funciona bem nos locais tomados pela polícia. Mas, tem como efeito colateral estimular os bandos a buscar a quem invadir outras criando guerras, como a que se viu no Morro dos Macacos em Vila Isabel.
Trata-se de uma situação complexa que precisa ser analisada a fundo e que sejam tomadas medidas que tenham efetivo poder de desmontar as bombas relógio sociais da atual fase da modernidade. Uma política de emprego, de divisão de renda, de escolarização real e não formal para todos, de respeito aos direitos humanos e, sobretudo, o exemplo de honestidade pública do poder poderiam fazer a diferença. A exclusão semeia a violência e o caos, levando à uma realidade sem saída.

Fonte: Agencia Carta Maior

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outubro 24, 2009

FHC + THC = D2

A liberação da maconha
Por Jarbas Reis

Seja no aperfeiçoamento das leis; seja no modo de viver; ao longo de sua sua trajetória a sociedade sempre esteve em continua evolução. E não seria diferente com o uso da maconha. Contudo, alguns princípios como à liberdade de escolha individual e o uso de substâncias químicas que causam hábitos devem ser especialmente regulamentadas, ou do contrário, teríamos problemas onde haveria solução.
Muitas autoridades rejeitam a descriminação da maconha por pensarem que poderiam contribuir com a violência, mas esquecem que a bebida e o cigarro são drogas liberadas e nem por causares maiores danos que a maconha, como apontam pesquisas cientificas, são proibidas e deixam de estar ao alcance de todos. O que configura essa possível legalização está ligado às normas que as regulam, sendo um delas, para o álcool, a famosa “lei seca” que entrou em vigor a poucos meses mas que já surte um ótimo efeito com a redução de acidentes de trânsito.
Manter um controle sobre os locais de consumo, venda, faixa etária para compradores etc, seria alguns dos caminhos para a discriminação da maconha. Assim acontece com as bebida alcoólicas vendidas em qualquer mercadinho enquanto para quem for dirigir é expressamente limitada. Do mesmo jeito também é com o cigarro o qual era totalmente liberado, mas hoje já sofre algumas restrições em hospitais, restaurantes, ônibus.
Deixar de garantir à escolha individual é ferir uma das maiores conquistas de qualquer sociedade que se diz democrática: a liberdade. É evidente que os vários usuários da droga têm seus direitos e assim como quem está sujeito às legislação poderiam usufruir de suas vontades dentro das regras acordadas.
É bem visto que na pior das hipóteses, o que poderia acontecer com a liberação da maconha seria um prejuízo aos traficantes. Esses perderiam seus clientes e conseqüentemente o poder através da droga. Logo se encontrariam enfraquecidos e o Estado já teria mais facilidades para controlá-los. Cabe agora a sociedade debater o assunto e dentro de um consenso estabelecer quais os melhores meios para a liberação da “erva”, tão solicitada por muitos, e não somente agir com prepotência ou ignorância.

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Desarmamento

Quatro anos após o referendo
Por Lindolfo Alexandre de Souza* (original ADITAL)

O noticiário dos últimos dias está repleto de assuntos relacionados à violência. Entre as notícias publicadas, umas delas refere-se à tragédia que envolveu a família do ex-governador de São Paulo, Luiz Antônio Fleury Filho, na cidade de Sorocaba. Após uma discussão familiar com o filho de 20 anos, um irmão do ex-governador tirou a vida do rapaz e, em seguida, diante da esposa, cometeu suicídio com a mesma arma de fogo. Além deste acidente familiar, também foram destaques nos meios de comunicação as mortes de policiais, traficantes e moradores nos conflitos ocorridos no Rio de Janeiro.
Ao ler essas notícias, várias idéias me vieram à cabeça. Relutei em colocá-las no papel, motivado por um sentimento de respeito à dor das famílias enlutadas. Tanto na tragédia de Sorocaba quanto no Rio de Janeiro, não foram apenas números nem estatísticas que se perderam, mas vidas humanas. E respeitar a dor do outro é sempre um gesto que nos humaniza.

Mas como a dor é inevitável à experiência humana, é sinal de sabedoria quando somos capazes de aprender com ela. E estes fatos, como exemplos das tristes coincidências que a história é capaz de reservar, acontecem num momento bastante provocador. Eles surgem às portas de 23 de outubro, data em que, em 2005, todo o Brasil foi às urnas para participar do referendo sobre a proibição da comercialização de armas de fogo e munições.
Como sabemos, o resultado final do referendo foi a vitória do "Não". Isso significou que, com o aval de 59.109.265 pessoas, o que correspondeu a 63,94% da quantidade de votantes, o Brasil optou pela continuidade da comercialização de armas de fogo e munições. O "Sim", que previa a proibição da comercialização, obteve apenas 36,06%, com 33.333.045 votos.
Resultado legítimo e democrático, sem dúvida. Entretanto, passados quatro anos, é possível questionar a eficácia da opção realizada naquele momento pela sociedade brasileira.
O episódio de Sorocaba ganha visibilidade em função de ter acontecido na família de uma pessoa pública. Mas, infelizmente, não é um fato isolado. Basta olhar com atenção as constantes notícias publicadas sobre desavenças familiares que acabam em tragédias, principalmente em situações em que os envolvidos estão sob o efeito de álcool ou drogas. Quanto à situação do Rio de Janeiro, ainda que seja de proporções bem mais complicadas, sem dúvida a facilidade ao acesso às armas de fogo é um elemento que potencializa as possibilidades de violência.
Na época do referendo, os defensores do "Sim" tentaram levar à sociedade a reflexão de que a posse de armas de fogo pelo cidadão comum não é garantia, em nenhum momento, de mais segurança. Como uma das organizações presentes na Campanha pelo Desarmamento, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) publicou uma nota significativa, intitulada "Diga Sim à Vida", em 15 de agosto de 2005. No texto os bispos católicos alertavam que "o porte e o uso indiscriminado de armas de fogo transformam, muitas vezes, conflitos banais em tragédias". Ainda de acordo com a nota da conferência episcopal, somente no ano de 2002 foram mortas 38.000 pessoas, uma média 104 por dia. Isso significa uma vida ceifada a cada 14 minutos por arma de fogo.
Evidentemente que a questão do desarmamento é apenas uma dimensão entre as muitas que permeiam os complicados debates a respeito da segurança pública. Especialistas divergem sobre a eficiência de tal proposta, enquanto números divergentes e contraditórios, de um lado e de outro, disputam a opinião pública.
Mas o desarmamento é, de fato, uma proposta levada a sério por mais de 33 milhões de brasileiros que, há quatro anos, votaram por um novo modelo de sociedade, motivados pela idéia de que desarmar as pessoas é um passo importante para a construção de um mundo menos violento. Que essas pessoas não se sintam derrotadas, mas vivam este 23 de outubro com um novo entusiasmo em busca de uma sociedade pautada por uma cultura da paz. Se o "Não" ao desarmamento triunfou em 2005, em nenhum momento é possível dizer que por este resultado, e passados quatro anos, a sociedade está mais segura.

*Jornalista, é professor da PUC-Campinas. Mestre em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo (UMESP)

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outubro 06, 2009

Marina e os Tucanos

Marina e os Tucanos: o dia que a terra parou
(Por Regina Abrahão*)

Depois do programa do Partido Verde - PV, assisti o filme "O Dia que a Terra Parou". Concluí, então, que os verdes do Brasil não consideram o ser humano com caracteríscas viróticas, portanto não pensam em varrer a humanidade da face da Terra. Aliás o PV brasileiro está mais para PV alemão. O que me leva a pensar na reação que terá a ex-ministra durante a campanha eleitoral de 2010, caso tenha que, em algum momento, compartilhar palanque com o tucanato, como fez até agora seu líder Gabeira.
Adoro ficção. Antes tinha certo encabulamento para dizer isto; Hoje, do alto de meu meio século, assumo ser fã incondicional da boa ficção científica. Tenho coleções de Star Trek, Lost in Space, Star Wars, e filmes, como Star Gate, A máquina do Tempo, Os Doze Macacos e outros, que costumo rever de tempos em tempos.
Conto isto porque lembrei da refilmagem de "o dia em que a Terra parou". Belos efeitos, etc. O filme resume-se em apontar o comportamento virótico e destrutivo da humanidade no planeta. Portanto, quem precisa ser salva é a Terra, não o homem. Destruindo-se o homem, a Terra estará salva. São os setores que se dizem da vertente naturalista, mas que na verdade poderemos classificar como fundamentalistas ecológicos. Ao condenarem veementemente o antropocentrismo, todas e quaisquer medidas que possam causar alterações no ambiente natural, esquecem que a pior de todas as poluições, a miséria humana, que degrada homem e ambiente é a primeira a ser combatida.

E talvez desta postura que em princípio e para alguns possa ter beirado a ingenuidade surgem os desvios dos "verdes" no mundo, e agora, no Brasil. Porque deste naturalismo quase indígena de discurso inflamado é fácil pular para ações que não precisem de justificativas anti-capitalistas. O movimento destes "verdes" dispensava até agora referências ideológicas mais consistentes, já que seus líderes, de militância errática e confusa, a exemplo de Cohn-Bendit na Europa, ex- esquerdista, ex-anarquista, ex-Sourbone, atual direitista, e Gabeira, ex-esquerdista, ex-petista, atualmente verde-aliado-do-PSDB, não seriam nenhum modelo de seriedade ideológica.
A confusão estabelecida no seio do movimento ambientalista não é casual. Enfrentar a degradação ambiental e propor um novo modelo de sociedade significa repensar e remodelar toda a sociedade, acabar o modelo capitalista de produção e consumo. Por isto a ingerência o capital nesta área. Nada pode ser tão assustador ao capital quanto ameaçar seu modo de produção, seus excedentes, seus desperdícios. Hoje, além de comprar um produto, o consumidor compra também o sentimento de felicidade e o status de possuidor que este produto lhe confere. Quanto mais produtos, mais felicidade, mais status, mais lucro para o produtor, mais renda na cadeia toda envolvida de uma ponta até a outra.
Obviamente o capital não deixaria por menos. Ao partidarizar o movimento, fez com que ele se distanciasse dos partidos de esquerda. Ao invés da luta interna, isolou-se em disputas eleitorais e depois na vida partidária, perdendo o foco central. Os lobbies, as pressões, os acordos e eis o Partido Verde Alemão apoiando inclusive as Guerras humanitárias de Bush. No Brasil, Gabeira aliando-se ao PSDB. E o meio ambiente? A ministra Marina, quando viu-se contrariada, pediu para sair. Nascida no Acre, deveria ela saber que não é fácil lidar com o latifúndio, com o capital internacional, que Lula ganhou o governo mas o poder não veio inteiro de brinde.
E como o capital não brinca em serviço, eis aí nossa ex-ministra, quem sabe concorrendo em 2010, com seu discurso verde- cintilante, ao lado daqueles que ela mesma combateu por trinta anos. Assisti ao programa partidário do PV na TV para ter certeza. Não, Marina não estava deslocada. Ao contrário, estava maravilhada com a festa oferecida, mostrando o que restou do Acre, as fotos com Chico Mendes, contando sua trajetória de vida miserável de cabocla amazônica. Algumas tímidas palavras sobre a necessidade de saneamento básico, exaltações à floresta e muitas queixas. Muito mais promessas do que queixas. Quase uma plataforma. Lembrou, de leve Heloísa Helena. Pequena, magra, firme, contundente. O discurso um pouco mais leve, a menos agressiva. Marina, efetivamente, é melhor. Desta vez, a direita escolheu melhor.
Depois do programa do PV, assisti outra vez o filme O Dia que a Terra Parou. Concluí, então, que os verdes do Brasil não consideram o ser humano com características viróticas, portanto não pensam em varrer a humanidade da face da Terra. Aliás o PV brasileiro está mais para PV alemão. O que me leva a pensar na reação que terá a ex-ministra durante a campanha eleitoral de 2010, caso tenha que, e provavelmente terá, em algum momento, compartilhar palanque com o tucanato, como fez até agora seu líder Gabeira. Que cena...

*Funcionária pública, direigente municipal do PCdoB de Porto Alegre, estudante de ciências sociais da UFRGS. Dirigente da Semapi - RS

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setembro 05, 2009

Rio 2016

Lula ou Obama? Apoio presidencial pode definir sede olímpica
Por Roger Thurow, de Chicago (The Wall Street Journal)

Depois de gastar US$ 50 milhões para promover Chicago e percorrer o mundo para confraternizar com os potentados esportivos do planeta, os organizadores da campanha da cidade americana para sediar a Olimpíada de 2016 estão ansiosos em relação a um último detalhe: será que o primeiro cidadão de Chicago, o presidente Barack Obama, vai viajar à Europa no mês que vem para a tentativa final de convencer o Comitê Olímpico Internacional?
Embora os méritos técnicos de uma candidatura olímpica - o tráfego ao redor do estádio que abriga a cerimônia de abertura, a textura da areia para o vôlei de praia, as correntes de ar-condicionado no ginásio do tênis de mesa - possam ser mais importantes para uma organização bem-sucedida dos jogos, a campanha pessoal dos chefes de Estado se tornou crucial para se conseguir de fato o evento.
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Depois que um escândalo de corrupção balançou o COI anos atrás, a prática antiga das cidades candidatas de cobrir a centena de membros do comitê com presentes foi proibida. Agora é a adulação que vale mais.
Na escolha da Olimpíada de 2012, o primeiro-ministro Tony Blair foi mais persuasivo que o presidente francês Jacques Chirac, e Londres bateu Paris. O lobby pessoal de Vladimir Putin ajudou a garantir os Jogos de Inverno de 2014 à obscura cidade russa de Sochi, em detrimento de Salzburgo, na Áustria, o conhecido berço de Mozart e da Noviça Rebelde."É importante para o COI (...) que você lhes dê o respeito", diz John Bitove, um empresário canadense que comandou a fracassada campanha de Toronto para 2008, vencida por Pequim.
As rivais de Chicago já anunciaram que seus líderes estarão em Copenhague para a escolha, em 2 de outubro: o presidente Luiz Inácio Lula da Silva em favor do Rio, o rei Juan Carlos para Madri e o príncipe e a princesa do Japão para Tóquio. O prefeito Richard Daley tem sido o principal promotor da candidatura de Chicago, mas a cidade espera que Obama compareça. A Casa Branca informa que nenhuma decisão foi tomada.
A votação quatro anos atrás para a Olimpíada de 2012 estabeleceu o precedente para o confronto de estadistas. Nas semanas que antecederam a decisão, Paris era considerada a favorita, à frente de Londres e Nova York. Mas Blair chegou à sessão final do COI três dias antes e se encontrou com uma multidão de membros do comitê. Chirac chegou tarde. O presidente americano George W. Bush, preocupado com a guerra no Iraque, nem apareceu.
Londres ganhou de Paris por quatro votos. Nova York foi eliminada numa rodada anterior. O voto é secreto, mas uma série de membros do COI disse depois que o lobby de Blair foi provavelmente decisivo.
Chirac também pode ter perdido votos quando, na companhia de outros líderes, ironizou a culinária britânica: "Depois da Finlândia", disse, "é o país com a pior comida". A Finlândia tinha dois membros no COI durante aquela eleição - talvez os votos que tenham feito Londres ganhar.
A língua solta também pode ter derrubado Toronto. A cidade era considerada forte candidata para 2008, até que seu prefeito disse, antes de uma viagem à África, que temia acabar num caldeirão de água fervente, cercado por índios. Em vez disso, ele foi provavelmente queimado pelos membros africanos do COI, que muitas vezes dão votos decisivos na escolha das sedes já que o continente raramente apresenta uma candidatura.
O comitê de avaliação das candidaturas a 2016 deve divulgar seu relatório técnico sobre os méritos de cada uma das quatro finalistas hoje. Especialistas acreditam que a geografia reduziu a disputa a Chicago e Rio. O COI gosta de fazer uma rotação de continentes, de modo que os últimos jogos em Pequim são vistos como desvantagem para Tóquio. O fato de a Europa sediar e m 2012, com Londres, é considerado um ponto contra Madri.
Os EUA não sediam os jogos desde 1996, em Atlanta. A América do Sul nunca foi sede.
Em discursos em vídeo para recentes reuniões de membros do COI, tanto Obama quanto Lula os exortaram a fazer história com seus votos.
A delegação do Rio estudou os poderes persuasivos de Obama durante sua campanha eleitoral e afirma que vai moldar sua candidatura olímpica com ecos do slogan favorito do presidente americano. Carlos Roberto Osório, o secretário-geral do comitê da candidatura Rio 2016, diz: "Representamos a esperança, a mudança, o 'Sim, nós podemos'".

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julho 12, 2009

Esporte surge como uma força de transformação em um mundo globalizado
Por Rob Hughes (tradução: Eloise De Vylder)

Os superastros do esporte atingiram um nível de reconhecimento mundial maior do que qualquer astro do cinema.
"Não há astro de cinema no mundo que consiga fazer com que milhares de pessoas esperem seis horas apenas para ver sua chegada, como fez Cristiano Ronaldo esta semana", disse David Puttnam, ex-produtor de cinema que se tornou legislador na Câmara dos Lordes britânica.
Puttnam, que durante 30 anos produziu filmes premiados, incluindo "Carruagens de Fogo", "Os Gritos do Silêncio", "Bugsy Malone - Quando as Metralhadoras Cospem", e "Memphis Belle", tem certeza de que Tom Cruise não é capaz de atrair 80 mil pessoas para um cinema da mesma forma que Ronaldo fez durante sua cerimônia de apresentação no Real Madrid no estádio Bernabeu na última segunda-feira.
"Tenho visto a dinâmica dos superastros se transferir do cinema para os esportes", acrescentou Puttnam. "Todo o nível de globalização dos esportes é maior. A chave é o engajamento. O poder do esporte tomou a indústria do cinema de surpresa."
Estávamos conversando na reunião "Beyond Sport" [ou "Além do Esporte"] em Londres onde Puttnam - agora Lord Puttnam, legislador e embaixador da Unicef - reuniu-se desde com funcionários do governo até trabalhadores da construção civil em alguns dos lugares de maior criminalidade para discutir o poder dos esportes.
A fama não precisa ser frívola. Puttnam, 68, testemunhou o surgimento da celebridade aliada às causas beneficentes, desde Danny Kaye, ator, cantor e dançarino norte-americano dos anos 50, até o fenômeno David Beckham nos dias de hoje.

Ele dividiu a tribuna do Beyond Sport com Tony Blair, ex-primeiro-ministro britânico que agora trabalha na reconciliação entre israelenses e palestinos. Ao lado deles estava o príncipe Faisal Al Hussein, conselheiro das forças armadas da Jordânia e também fundador da Generations for Peace [Gerações pela Paz], que tenta usar o esporte para unir os jovens.
E ao lado deles estava Dikembe Mutombo, ex-astro da NBA que agora usa a fama em seu país, a República Democrática do Congo, para construir hospitais e centros de pesquisa em sua cidade natal, Kinshasa. Mutombo foi para os Estados Unidos com uma bolsa de estudos, esperando tornar-se um médico. Ele voltou para a África mais do que um médico, usando sua fama e fortuna para tentar reverter a maré do HIV.
Ele pede ao futebol em particular para investir mais no continente de onde os clubes europeus roubaram tantos astros do esporte.
Mesmo em Ronaldo há uma consciência social que não deveria ser ignorada. A fama é uma grande parte de seu talento, e fazer o papel de prima dona é sua segunda natureza.
Mesmo assim, o mesmo astro que adora que a multidão também o ame, com a idade relativamente imatura de 20 anos, foi um dos primeiros a visitar a província de Aceh depois da devastação do tsunami em dezembro de 2004. Tocado pela coragem de um garoto que foi encontrado vagando pela praia, perdido depois que a maior parte de sua família havia desaparecido com o horror, Ronaldo pagou para o menino assistir a um jogo de sua própria seleção nacional, Portugal.
O jogador, que então estava no Manchester United, voou para a Indonésia para dedicar seu tempo e sua presença para levantar mais de um bilhão de rúpias, na época cerca de US$ 90 mil [cerca de R$ 180 mil], para reconstruir casas.
"Eu nunca deixo de me emocionar com alguns jogadores que eu conheço e com a forma com que eles lidam com tudo o que os cerca", disse Puttnam em Beyond Sport. "O clube Barcelona paga a Unicef para usar nosso logo nas suas camisetas, e, mais do que isso, eu conversei com os jogadores.
"Eles me disseram que se emocionam por representar as crianças do mundo. Eu nunca tive a mesma conversa com os jogadores do Manchester United sobre a AIG." A camiseta do United é patrocinada pela companhia de seguros americana, apesar de o clube ter trabalhado durante nove anos com a Unicef sem dar o passo a mais que o Barcelona deu, pagando à organização para usar o logo.
Mas ninguém espera que os clubes esportivos sejam algo mais do que grandes empresas hoje em dia. A fusão do cricket com Bollywood captura o mundo moderno - e os mundos da celebridade, do esporte e do entretenimento.
Blair, no papel do político descobrindo a extraordinária atração dos esportes, disse: "A maioria dos líderes mundiais que conheci gostam de alguma coisa de esporte, e alguns até praticam. Mas acho que ao longo dos anos ele ganhou uma magnitude diferente, e estamos apenas começando a compreender a utilidade dos esportes". Ele lembrou-se de quando esteve numa sala de aula no Japão e tentou se relacionar com as crianças. "Fui apresentado como o primeiro-ministro da Inglaterra", disse. Não houve resposta. "Tentei dizer Londres". Um aceno de cabeça.
"Então eu disse Beck-ham... Ah, sim, daí tive uma resposta". Blair disse que quanto mais ele aprendeu sobre o poder do governo, mais ele também descobriu os limites do governo. O esporte, sugeriu ele, pode às vezes destravar essas limitações.
Mais tarde, sentado ao lado de Michael Johnson, o ícone norte-americano do atletismo, Blair admitiu: "Sabe, Michael, quando eu disse à minha família quem eu iria encontrar hoje, eles de repente mostraram interesse. Meus filhos estão acostumados a me ouvir falar de líderes mundiais, mas um verdadeiro superastro vivo do esporte, isso sim era diferente". Ao deixar a sala, Blair aproveitou a oportunidade para tirar uma foto com Johnson. Para as crianças, sem dúvida.
Fez lembrar Carlos Menem, presidente da Argentina de 1989 a 1999, que nomeou Diego Maradona como embaixador do esporte para o mundo. O presidente cortejou sem pudores o astro do futebol, aproveitando-se de sua popularidade. Ele não sabia que na época, a caminho da Copa do Mundo de 1990 na Itália, que Maradona já havia se tornado dependente de drogas em Nápoles, o que por fim o destruiu como jogador, e quase como homem.
É algo temerário, quando os políticos e o todos nós colocamos os astros efêmeros dos esportes num pedestal, pedindo para que alguns deles resolvam os problemas do mundo.

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junho 24, 2009

Fim da obrigatoriedade do diploma de Jornalismo V

Uma decisão prejudicial e ofensiva
Por Ayoub Ayoub em 23/6/2009

O Sindicato dos Jornalistas do Norte do Paraná repudiou a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) por ser, além de prejudicial, ofensiva aos jornalistas brasileiros. Não satisfeitos em atacar uma conquista histórica da categoria, os ministros do STF fizeram comparações grosseiras com outras profissões. A preocupação do sindicato não se restringe ao ataque que sofrem os jornalistas. As medidas tomadas terão repercussão em toda a sociedade brasileira, que precisa de informação com qualidade e respeito pelo seu direito constitucional à informação.
Nossa posição histórica, junto com a Fenaj e outros sindicatos de jornalistas, é de defesa da criação de um Conselho Federal de Jornalistas. Temos um projeto pronto, discutido em diversos congressos de nossa categoria e que já foi apresentado ao Congresso Nacional (infelizmente barrado naquela ocasião). A criação de um Conselho passa a ser fundamental para que a gente possa assegurar um mínimo de organização para os jornalistas.

Ainda não podemos divulgar detalhes como a carteira, por exemplo, para não prejudicar o projeto. Além disso, ainda não é oficial a retomada da luta pelo conselho, devemos aguardar as instruções da Fenaj. Quanto ao STJ, é evidente que o Conselho não teria a mesma força. São coisas totalmente distintas. O STJ é um tribunal de nível federal e faz parte do poder judiciário. O conselho tem características específicas de uma categoria, assim como o Conselho Federal de Medicina, o CFEA (Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia) e a própria OAB.
Valorizar e fortalecer os cursos
Quanto às mudanças, precisamos aguardar a publicação do acórdão, mas a decisão é de considerar inconstitucional o inciso V do art. 4° do DL 972/69. É onde aparece a obrigatoriedade do diploma. Acredito que os cursos não sofrerão mudanças, pois ainda haverá quem queira fazer a faculdade de Jornalismo, mesmo que isso não seja necessário para se buscar um emprego. A gente sabe de muitas empresas que contratavam e vão continuar contratando apenas diplomados. Porém, pode haver uma queda na procura de cursos (principalmente nas escolas pagas) e algumas podem vir a fechar. Quanto aos formados e estudantes, nada muda. Os seus direitos continuam, apesar de, a partir de agora, qualquer um (até mesmo analfabetos) poder disputar um emprego de jornalista.
Hoje, nossa principal tarefa é fortalecer nossos sindicatos e a Fenaj. Vai ser a nossa trincheira de resistência. Quanto aos estudantes, é hora de valorizar e fortalecer os cursos, além de exigir mais qualidade das escolas. Não é hora de abaixar a cabeça, muito menos de abandonar o curso. É preciso chamar as direções das escolas para participarem desta luta.

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Fim da obrigatoriedade do diploma de Jornalismo IV

Nota de falecimento
Por Guilherme Cardoso em 23/6/2009

Faleceu, na noite desta quarta-feira (17/6), o jornalista profissional brasileiro.
O seu corpo, juntamente com o diploma da profissão, será velado a partir de hoje nos sindicatos da categoria e em todas as redações de rádios, jornais, revistas e emissoras de televisão do Brasil.
Jornalista sério, ético e competente, deixa órfãos milhões de brasileiros que viam nele o Quarto Poder, o defensor incansável de seus direitos civis. Brasileiro, nascido em Londres em 01 de junho de 1808, seu primeiro emprego foi no Correio Braziliense. Casou com dona Colônia, já falecida; juntou-se ao DIP-Departamento de Imprensa e Propaganda no Estado Novo, em 1930; manteve por 20 anos uma relação tempestuosa e proibida com a falecida ditadura militar de 64; na Constituinte de 1988, acreditou na democracia, uniu-se a ela, sendo mantido até agora sob os interesses dos Donos da Mídia. Insatisfeito com este matrimônio, mantinha uma relação extraconjugal com a Esperança, que continua viva, embora bastante debilitada.
Missa de último dia
Nos últimos anos, ele, jornalista, vinha enfrentando sérios problemas de saúde e credibilidade causados pelas críticas à produção de diversas reportagens denuncistas, muitas verdadeiras, mas a maioria delas publicadas pelos seus patrões sem as devidas investigações que pudessem comprovar os fatos.
Com o fim do diploma para o exercício da profissão, o jornalista sério, ético e competente, morreu ontem, 17 de junho de 2009, às 20h14, de falência múltipla de órgãos, na mesa de cirurgia do Supremo Tribunal Federal.
Consternados, os amigos e colegas de profissão, diplomados e as faculdades de Comunicação convidam para a missa de último dia dos cursos de Jornalismo.

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junho 02, 2009

Simonal foi injustiçado?

Simonal- Ninguém Sabe o Duro que Dei
Por André Nigri

No dia 7 de setembro de 1971, o jornal carioca O Pasquim publicou um dos cartuns mais cruéis da história da imprensa brasileira. No desenho, vê-se a mão de um homem com o dedo indicador esticado, apontando para alguém. No texto que acompanha o cartum, lê-se: "Como todos sabem, o dedo de Simonal é hoje muito mais famoso do que sua voz. A propósito: Simonal foi um cantor brasileiro que fez muito sucesso no país ali pelo final da década de 60". O desenho tem uma pitada de racismo, e o texto, um teor tragicamente profético. Racismo: a mão é negra. Profecia: de 1971 até sua morte, no ano 2000, o cantor Wilson Simonal viveu uma situação ímpar no show business brasileiro. Pelo "crime", jamais provado, de que teria sido informante da ditadura (daí o dedo do delator desenhado pelo Pasquim), teve o pior castigo que um artista pode sofrer: o ostracismo. As gravadoras, a televisão e as casas de show lhe fecharam as portas. Com a carreira violentamente amputada, Simonal mergulhou na depressão e no alcoolismo. Isso depois de ele ter se consagrado como o maior artista pop de seu tempo, rivalizando com Roberto Carlos. Nos 29 anos em que o cantor sobreviveu à tragédia pessoal e artística, até sua obra foi esquecida. "Eu não existo na história da música popular brasileira", costumava dizer à segunda mulher, Sandra Cerqueira. O nome Simonal deixou de evocar suas músicas. A menção a ele em rodas de conversa trazia sempre à tona uma pergunta infalível: afinal, ele delatou mesmo?
A melhor resposta já dada a essa questão está no documentário Simonal — Ninguém Sabe o Duro que Dei, dirigido por Claudio Manoel (um dos integrantes do humorístico Casseta & Planeta), Micael Langer e Calvito Leal, que estreia nos cinemas neste mês. A verdade sobre Simonal emerge de uma miríade de depoimentos sensacionais, alguns verdadeiros furos de reportagem, que permitem ao espectador reconstituir com alguma precisão a verdade sobre o cantor. Antes de mergulhar fundo no momento que transformou radicalmente a vida de Simonal, no entanto, o filme se dedica a mapear sua trajetória e mostrar a dimensão de seu sucesso. Wilson Simonal de Castro nasceu em uma favela da zona sul do Rio de Janeiro, filho de uma empregada doméstica que trabalhava em residências em Ipanema e no Leblon. Sua vida começou a mudar quando o adolescente que não havia tido a oportunidade de estudar entrou para as Forças Armadas. Lá, descontraía os colegas recrutas cantando. Foi então descoberto pelo produtor musical Carlos Imperial (1939-1992), o mesmo que lançara Roberto Carlos no início da década de 1960. Em poucos anos, Simonal se transformou em um dos cantores mais populares do Brasil, tendo como único rival justamente o "rei" Roberto Carlos.

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Simonal se transformou em um dos cantores mais populares do Brasil

Numa das muitas cenas incríveis do documentário, Simonal aparece cantando para uma plateia de cerca de 30 mil pessoas no Maracanãzinho, numa época em que cantores só lotavam pequenas boates e teatros. O show fez parte da final do Festival de MPB da TV Record em 1969. O sucesso se devia, em parte, a seu carisma no palco. Simonal, mais do que um cantor, era o que os americanos chamam de entertainer, um showman talentoso e irresistível. Balançando os braços, ele levava a multidão a cantar como um maestro rege seus músicos. Em outra cena antológica do filme, aparece cantando em inglês ao lado de Sarah Vaughan, àquela altura considerada uma das maiores intérpretes do mundo (Simonal não falava inglês, mas com o ouvido privilegiado tirava as letras foneticamente). Fora dos palcos, o cantor ainda aparecia em comerciais de televisão. No fim da década de 1960, ele se tornou garoto-propaganda da petrolífera Shell, no maior contrato de publicidade assinado até então por uma celebridade brasileira. Seu modo de vida era de um popstar da época. Gastava o que ganhava em carros importados (tinha três Mercedes-Benz; Roberto Carlos, uma) e bons uísques e vivia cercado de mulheres lindas.
A tragédia começou em meados de 1971. O cantor viu sua conta bancária emagrecer e resolveu dar uma olhada na contabilidade da sua empresa, a Simonal Produções. Desconfiou que seu contador, Raphael Viviani, o estava roubando. É nesse momento que, com base nos depoimentos, é possível reconstituir com relativa precisão o episódio que mudou a vida do cantor. Em sua primeira entrevista longa em quase 40 anos, Viviani conta que foi procurado em casa por agentes do Departamento de Ordem Política e Social (Dops). Negando-se a assumir o roubo, foi levado para um dos muitos porões da ditadura. Apanhou, levou choques elétricos e acabou assinando a confissão de que havia, sim, desviado dinheiro. Segundo Viviani, na manhã que se seguiu à noite de torturas, o próprio Simonal apareceu no Dops — um indício de que os gorilas do regime teriam agido a mando dele.
Colocado em liberdade, Raphael foi prestar queixa em uma delegacia de polícia. Poucos dias depois, o caso ganhou as páginas da imprensa. Um inspetor, Mário Borges, deu uma entrevista dizendo que Simonal era informante do Dops — a afirmação sem provas que, amplificada, acabou ganhando contornos de verdade e destruindo a carreira do cantor, que nada fez para desmenti-la na ocasião. Ao contrário. Pressionado, o próprio Simonal deu entrevistas dizendo ser "de direita". Pior: justificou o fato de ter procurado o Dops usando uma história mirabolante. Acusou o contador de ser terrorista, tendo feito ameaças de atentado a ele por telefone. Segundo Viviani, Simonal teria sido orientado por um mau advogado a lançar mão de tal disparate. O contador faz questão de frisar, também, que nunca roubou — diz que as finanças do músico começaram a minguar quando a Shell rompeu o contrato com ele.
Pela surra encomendada, Simonal foi investigado e condenado em 1972 a cinco anos e quatro meses de prisão, cumpridos em liberdade. A pena, no entanto, foi o de menos. O pior foi o castigo imposto pela chamada "esquerda intolerante" — na expressão usada pelo falecido deputado Paulo Alberto Monteiro de Barros, o Artur da Távola —, que se aferrou à versão de que Simonal era delator, embora não houvesse nenhuma prova disso. De acordo com depoimentos dos filhos de Simonal, Simoninha e Max de Castro, vários artistas da MPB ligaram para casas de espetáculo ameaçando nunca mais tocar nos estabelecimentos caso shows do pai fossem contratados (os dois músicos não mencionam nomes). José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, então um dos diretores da TV Globo, conta no filme como o cantor acabou banido também dos programas da emissora, embora não houvesse ordens expressas para isso. Segundo ele, a antipatia por Simonal era grande entre os roteiristas e diretores dos programas, motivo pelo qual ele não era mais convidado.
O ostracismo resistiu à redemocratização do país. Em 1995, Simonal chegou a procurar a Secretaria de Direitos Humanos do governo Fernando Henrique em busca de um "nada consta" do Dops — ou seja, um documento que atestasse que ele nunca havia trabalhado, formal ou informalmente, para o órgão da repressão. Conseguiu-o, mas na época ninguém quis saber. Nas dezenas de depoimentos que compõem o filme, não se encontrou ninguém que soubesse de denúncia ou delação feita por Simonal, o que mostra que a afirmação leviana do inspetor Mário Borges era apenas isto: afirmação leviana. Capaz, no entanto, de destruir uma carreira de forma definitiva. Em 2000, Simonal morreu de falência hepática decorrente do uso compulsivo de bebida.
As duas mortes de Simonal — a primeira em 1972, com seu banimento como cantor, e a segunda em 2000 — começam a suscitar inúmeras análises. De acordo com o historiador Gustavo Alves Affonso Ferreira — que prepara um livro sobre o cantor, a ser lançado ainda neste ano pela editora Record —, havia dois lados bem definidos no fim dos anos 60. De um deles, estavam os generais e todo o simbolismo de que se cercavam ou era associado a eles: o tricampeonato da seleção brasileira na Copa do México, em 1970, o ufanismo dos desfiles militares, o "Brasil grande" com seus ícones, como a rodovia Transamazônica, a usina nuclear de Angra dos Reis e alguns cantores. Estes, identificados como bregas, não incomodavam a esquerda. Do outro lado, no "Brasil do bem", estavam os artistas eleitos pretores da resistência, mesmo sendo tão díspares como Caetano Veloso e Chico Buarque. E, meio fora desses dois mundos, havia Simonal. Definitivamente, ele não era brega: cantava ao lado de Elis Regina e Jorge Benjor e era parceiro de Roberto Menescal. Fazia parte do time de frente da MPB com sua música suingada, muito dançante e bem cantada. Talvez tenha sido essa a sua desgraça.
A esquerda da época precisava de um Judas para malhar, e Simonal, com sua origem humilde, parecia não compreender o momento histórico. Sua mensagem política se resumia a exibir a pele negra e dizer que um sujeito de cor, nascido na favela, podia chegar ao sucesso. O linchamento de Simonal, assim, acabou sendo uma maneira enviesada de enxovalhar o regime. Para entender o que se passou, pode-se pegar de empréstimo, por fim, uma ideia do escritor e ensaísta italiano Roberto Calasso. Segundo ele, há momentos históricos em que a sociedade repete um rito primitivo de linchamento para expiar a própria culpa. Esse ritual se dá, metaforicamente, na forma de uma rodinha de pessoas em torno de um cadáver. Quem participa da rodinha pertence a uma seita vastíssima de devotos, inerme e persecutória, que Calasso chama de "Opinião Pública". Pode-se dizer que, nos anos 70, quem estava no centro da roda era Wilson Simonal.

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janeiro 29, 2009

Mr. President

Negro na Casa Branca
por Alexandre Braga

Barack Obama e sua família entraram, com maciço apoio popular, pela porta da frente da Casa Branca. A presença deles consolida e é resultado da luta histórica de gerações de militantes negros, as quais eram engajadas em diferentes pólos da luta pelos direitos civis nos Estados Unidos. Portanto, Obama chegou lá porque seu país proporcionou-lhe uma acertada política de ações afirmativas.
Agora um setor avançado da intelectualidade negra tem pela frente o grande desafio de gestar a administração obamista. Esta se inicia tendo o desbloqueio econômico à Cuba como possível tarefa de relevo, cuja restrição atrapalhou a edificação societária da ilha socialista. Também ronda a seara do presidente negro, a necessidade de imediata retirada das tropas norte-americanas do Iraque, pondo um ponto final na ocupação.

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Outros temas da agenda das relações internacionais ainda são uma incógnita, afinal não se sabe como o presidente eleito vai proceder sem desacordar seus aliados de primeira linha. Desses assuntos, o que mais interessa ao Brasil é a política de subsídio agrícola dada pelos Estados Unidos a seus agricultores. Para Brasil e Mercosul, essa questão tem importância delicada, já que uma política menos restritiva pode destravar a produção e comercialização de alimentos no mundo.
Se esses temas terão uma resolução ainda incerta, outros não demandam dúvidas quanto qual postura Obama vai seguir. Na área cultural, por exemplo, ele não pretende diminuir a hegemonia norte-americana no setor. Sua aliança com o super-poderoso grupo Fox News é resultado sintomático da continuidade da indústria cultural estadunidense sobre os demais países do Globo.
Muito provavelmente ainda, o primeiro presidente negro dos Estados Unidos não vai alterar a atual rota dos acontecimentos do Consenso de Washington, muito menos os rumos da Doutrina Bush. Além disso, não vai mudar a Nova Ordem Mundial, pela qual os Estados Unidos impõem sua dominação bélico-financeira perante o resto dos países mundo afora.
O governo de Obama representa, sim, a possibilidade de construção de diálogos pontuais que envolvam a necessidade de haver urgentíssimas inversões de prioridades nas políticas públicas governamentais para atender significativa parcela dos excluídos do capitalismo. Essa é a principal missão dele enquanto clamor popular.
O fato de o governante ser negro é dos menores elementos desse jogo político, na medida em que, para manter o atual status imperialista e belicista, todas as matizes étnicas são bem vindas ao processo eleitoral dos Estados Unidos. Afinal, só nos interessa a questão racial quando essa discussão está a serviço de um projeto de emancipação social como perspectiva de construção de uma nova sociedade fraterna e igualitária. Barack Obama, por enquanto, está restrito apenas a construção desses diálogos paliativos. Porém, ao contrário das opiniões esquerdistas, sabemos a importância que essas eleições têm para o avanço da luta ideológica e política.
Ademais, termos um presidente - no centro do mundo globalizado - aberto ao diálogo fraterno com os movimentos sociais e demais blocos que não comungam a opressão geopolítica e ambiental provocada pelos últimos governos na América do Norte é passo histórico nesse caminho.
Obama tem a chance de reverter o quadro da estagnação sócio-ambiental para construir uma nova correlação de forças, direcionando o país para a governança realmente democrática e antenada aos anseios da paz e respeito à autodeterminação dos povos. Além disso, tem a obrigação de anunciar medidas efetivas para superar a hodierna crise do capitalismo.

* Alexandre Braga, coordenador de Comunicação da Unegro - União de Negros Pela Igualdade-MG e membro do Fórum Mineiro de Entidades Negras

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Guantanamera
por Luciano Rezende*

Na década de 40, em Havana, era muito comum ouvir pela rádio a voz de Joseíto Fernández que, em um programa de enorme sucesso chamado La Guantanamera (mulher de Guantánamo), alternava trovas havaneiras com notícias extraídas das páginas policiais. Ao final de cada assunto se podia ouvir o famoso bordão “Guantanamera, guajira guantanamera”. Daí o dito popular cubano “me cantó una guantanamera” quando se quer dizer que alguma pessoa disse algo triste.

Já a famosa canção Guantanamera, tal como a conhecemos na atualidade, surgiu em 1963. Uma alegre música guajira (camponesa) embalada pelos “versos sensillos” de José Martí que nos mostra outra Guantánamo, distinta desta que é conhecida mundialmente por sediar um campo de detenção (ou concentração) e representar um dos mais infames crimes contra os direitos humanos cometidos pelos EUA sob o tacão de George W. Bush.
Essa introdução pode ser útil para entender a contradição de Guantánamo: uma província (estado) da ilha revolucionária de Cuba que abriga uma base militar dos EUA desde 1903. Há mais de um século a alegria contagiante dos guajiros guantanameros e a truculência militar yankee convivem em um mesmo torrão de uma nação soberana.
São exatos 117,6 quilômetros quadrados (ou 11.760 hectares, para facilitar a conta), incluindo grande parte das melhores baías do país, ocupados pelos Estados Unidos. Mas a título de aluguel e de escárnio, o Tio Sam paga todos os anos a quantia de 4.085 dólares (cerca de dez mil reais), ou seja, 34,7 centavos por hectare em cheques anuais que o governo de Cuba se recusa a receber por elementar dignidade e absoluto desacordo com o que ocorre nesse espaço do território nacional. Mesmo assim os cheques são encaminhados anualmente, de forma provocativa, ao Tesoureiro Geral da República de Cuba, cargo e função que há muito já não existem.
Porém, esse aluguel é a provocação menor entre uma série de outros deboches que partem ininterruptamente do vizinho imperialista (com gargalhadas da mídia hegemônica mundial) que só não tem graça para as nações que almejam verem respeitadas suas soberanias.
Como bem lembra o governo de Cuba em célebre nota intitulada “Declaração do Governo de Cuba à Opinião Pública Nacional e Internacional”, datada de 11 de janeiro de 2002, a base naval norte-americana de Guantánamo é ocupada, desde 1903, como resultado de Convênio para as Estações Carvoeiras e Navais, assinado entre o Governo dos Estados Unidos e o Governo de Cuba, então presidido por Tomás Estrada Palma, em circunstâncias que o país não tinha praticamente nenhuma independência, e pela imposição de uma emenda draconiana aprovada pelo Congresso dos Estados Unidos e assinada pelo presidente McKinley, em março de 1901, conhecida como Emenda Platt. Importante que se diga que tudo isso ocorreu quando Cuba estava ocupada pelo exército dos Estados Unidos, que ali se estabeleceu depois de uma intervenção militar para “ajudar” Cuba em sua guerra de independência contra a metrópole espanhola. Muy amigos!
A referida Emenda dava aos Estados Unidos o direito de intervir em Cuba e foi imposta ao texto da Constituição como condição para a retirada das tropas americanas do território cubano. Em virtude desta cláusula, foi subscrito o mencionado Convênio para as Estações Carvoeiras e Navais de fevereiro de 1903, em Havana e Washington, que incluía duas áreas do território nacional de Cuba: Baía Honda e Guantánamo.
Trinta e um anos mais tarde, em 29 de maio de 1934, com o espírito da política norte-americana de “boa-vizinhança”, sob a presidência de Franklin Delano Roosevelt, foi assinado um novo Tratado de Relações entre a República de Cuba e os Estados Unidos da América, que revogava o de 1903, e com ele a emenda Platt. Nesse novo Tratado a Baía Honda ficava definitivamente excluída como possível base, mas se mantinha a permanência da base naval de Guantánamo e a plena vigência das normas que a regiam.
Com o triunfo da Revolução em Cuba a situação piorou e essa base se converteu em causa de numerosos atritos entre os dois países. A imensa maioria dos mais de três mil cidadãos cubanos que ali trabalhavam foram expulsos de seus postos de trabalho e substituídos por pessoal de outros países. Eram freqüentes os disparos a partir dessa instalação, a ponto de matarem soldados cubanos.
Ao longo de todo o período revolucionário, por decisão unilateral dos governantes dos Estados Unidos, dezenas de milhares de migrantes, haitianos e nacionais cubanos, que tratavam de viajar aos Estados Unidos por seus próprios meios, eram concentrados nessa base militar. Durante cinco décadas esta tem sido empregada para múltiplos usos e nenhum deles está contido no acordo com que se justificou sua presença em território cubano.
Cuba, por todo esse tempo, vem conduzindo habilmente a situação a ponto de não cair na armadilha do inimigo e tampouco entrar na provocação, apesar de toda a sorte de afrontas. Aliás, o governo de Cuba sempre alertou que essa base militar é precisamente o lugar onde soldados norte-americanos e cubanos se enfrentam frente a frente e, por essa razão, onde se necessita mais serenidade e senso de responsabilidade. Afirma que embora dispostos a lutar e morrer em defesa sua soberania e de seus direitos elementares, o mais sagrado dever do povo cubano e de seus dirigentes tem sido preservar a nação de evitáveis, desnecessárias e sangrentas guerras. Ali é o ponto onde pessoas interessadas em criar conflitos entre os dois países poderiam, com maior facilidade, instrumentar planos que servissem para provocar ações agressivas contra Cuba.
Entretanto, a maior das ações provocativas vem de 2002, quando os EUA decidem por efetivar um campo de detenção na base naval de Guantánamo. A partir daí, a soberana ilha de Cuba se vê obrigada a sediar um verdadeiro centro de torturas. Os EUA aproveitam, assim, o vazio jurídico existente para deter, interrogar e torturar centenas de prisioneiros, privando-os dos direitos mais elementares, tais como o de saberem de que são acusados, terem acesso a advogado de defesa ou ao menos contatar as suas famílias e informá-las de sua localização.
Assim, a iniciativa do presidente eleito Barack Obama de fechar em até um ano o centro de detenção de Guantánamo, a despeito de ser uma ótima peça publicitária para seu governo, merece ser saudada. O governo de Cuba considera como “bom sinal”, mas reclama, por direito, a devolução de todo o território ocupado ilegalmente.
As forças progressistas de todo o mundo não devem se contentar apenas com essa decisão. Há de se cobrar também o fechamento de outros campos de detenção americanos espalhados por todo o mundo, onde existem prisioneiros em condições similares, vítimas de torturas, e dezenas de outras prisões que circulam em navios em alto mar, por águas internacionais, com regime jurídico indefinido. Ademais, há de se julgar os Estados Unidos por todos os seus crimes de guerra.
Só assim, quando o último yankee partir de Guantánamo, o canto da guajira deixará de simbolizar mau agouro para anunciar a boa nova que virá. A Guantanamera, então, mais uma vez fará jus à letra de seu herói nacional, José Martí, que deu a própria vida pela independência de Cuba.
Até lá continuaremos a postos denunciando a política belicista do imperialismo e exigindo a incorporação de todo o território ocupado de Guantánamo ao seu legítimo dono: o povo de Cuba.

*Luciano Rezende, Engenheiro Agrônomo, mestre em Entomologia e doutorando em Genética. Da Direção Nacional da UJS.

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dezembro 12, 2008

Interesse público x vida privada

Na sociedade democrática, o direito à privacidade e a liberdade de expressão são constitucionalmente tutelados. E como proceder quando a liberdade de expressão colide com o direito à privacidade? A discussão sobre interesse público e vida privada sempre é e será pertinente, rendendo bons debates. O jornalista Marcello Lujan enfoca o tema, em um caso que envolveu uma autoridade pública pega “com as calças na mão” em pleno batente. O que fazer? Um caso assim deve ser publicado ou não?

Quando o carteiro chegou...
Por Marcello Lujan

Era um final de manhã ensolarado e a rotina na redação permanecia sendo ditada pelos ponteiros do relógio. Nenhuma novidade importante e as dificuldades eram as mesmas - para quem ousa produzir o jornalismo independente e fiscalizador.
O latido do Lino alertou para presença do carteiro. No meio das correspondências, uma chamou a atenção. De imediato, foi possível perceber que havia algo de estranho naquele envelope cinza, parecendo conter um CD ou DVD. Ao abrir a carta, comprovei que havia mesmo um CD e mais algumas folhas contendo um suposto diálogo – pra lá de pitoresco.
Ao ler trechos do diálogo que teria sido degravado do CD, fiquei ainda mais estarrecido com o conteúdo – que envolvia uma autoridade no exercício de suas funções públicas acompanhado por uma mulher. O babado era forte! No melhor estilo das pornochanchadas de David Cardoso, o diálogo estava repleto de galanteios pretensiosos, abusados e baratos.
Era preciso então ouvir o CD e comprovar se aquele absurdo era real.
De cara, foi possível identificar a voz de um dos personagens e com o áudio ficou claro qual era o clima que envolvia o casal. Também fiquei com a impressão que não havia nenhuma edição no áudio e o picante diálogo tinha sido captado na íntegra.
Não demorou e o telefone começou a tocar. Outros meios de comunicação e algumas pessoas também haviam recebido a mesma correspondência. Até uma emissora de televisão entrou em contato com nossa redação. Percebi que minha manhã tinha ido por água abaixo e que no almoço não ouviria os comentários do Neto - xodó da Fiel.
Na redação ficou acordado que não comentaríamos o caso, até refletirmos sobre sua gravidade e o que faríamos com tal bomba – digna de Hiroshima, Nagasaki e de todas as outras já detonadas por aí. Tínhamos ciência que poderíamos interferir no andar da carruagem.
E o telefone tocava...
- Vocês viram? Vocês querem uma cópia? Vão divulgar?
A resposta passou a ser mecânica, justificando o desinteresse no caso em virtude de nossa edição, que já estaria concluída e fechada. Ficamos mesmo sem almoço. Era preciso refletir, parcimônia...Não se tratava de medo, covardia ou outras desculpas. A questão que martelava era a ética.
- Ética? Vocês são atacados todos os dias! Manda bucha e desmascarem esse santo do pau oco (e viagrado) - foi uma das sugestões ouvidas.
Alguém também resgatou Cazuza para cobrar a publicação do caso.
- Te chamam de ladrão, de bicha, maconheiro e isso aí sim que é um puteiro pra se ganhar mais dinheiro.
Alheios aos comentários, prosseguiam as reflexões sobre a ética e o limítrofe imaginário que separa interesse público e vida privada.
Não demorou e alguém lembrou o comportamento da imprensa de alguns países diante de casos semelhantes.
- Na Inglaterra isso iria render pelo menos um mês de manchete. Nos Estados Unidos a casa caía. Perto disso o caso Mônica Lewinsky parece estória de ninar.
Também foram lembrados os episódios Zélia Cardoso & Bernardo Cabral, Collor, Itamar... Sobrou até para o Ronaldo (Fenômeno!), Daniela Cicarelli e para o chefão da F1.
Lembrei então das longas aulas da disciplina de Ética na universidade. Deve-se separar a conduta e postura de um homem público de sua vida particular? E se ele for pego com as calças na mão em pleno batente?
Novamente alguém interrompeu.
- Manda ver camarada, o povo gosta é disso. Liquida logo o assunto! Enquanto você fica fazendo análises intelectualizadas... chamam de foca, principiante, vendido...
Novamente, não dei ouvidos aos comentários, mesmo porque tenho comigo cartas de referência de todos os lugares em que trabalhei. Tenho um currículo, não tenho uma “capivara” ilustrada por roubo de cheques, carro, adulteração de documentos e processos por falsidade ideológica. Tenho inclusive o respeito e a amizade de conceituados jornalistas brasileiros pela qualidade de meu trabalho.
E o telefone urrava...
Sem ter mais tempo para pensar e na função de editor precisava tomar uma decisão. Vamos publicar! Fizemos nossa própria degravação e a transcrição do diálogo no formato jornalístico. Estava praticamente convencido de que realmente existia o interesse público no caso. Homens públicos devem se dar ao respeito!
Arquivo transferido para a gráfica e o jornal já estava na pauta de impressão. Fim de expediente!
Em casa, era preciso aliviar a mente depois de um dia tão corrido e diferente. Enquanto resolvia com meus filhos algumas pendências de nossa Liga Espanhola no vídeo game, as indagações sobre a ética insistiam em atormentar minha cabeça. Lembrei também da importância da instituição denominada família (embora a minha muitas vezes não tenha sido respeitada por imbecis, covardes e senhorzinhos do engenho). Não poderia cair na vala dos comuns, no olho por olho que já deixou muita gente cega.
Interrompido o contra-ataque do Athletic de Bilbao, era preciso telefonar para a gráfica.
- Parem as máquinas!!! Amanhã mandaremos uma nova edição.
Não era possível seguir em frente, pois meus princípios éticos, cristãos e o respeito que tenho pelo valor de uma família não permitiam a divulgação do escabroso ocorrido.
No dia seguinte, comuniquei a Justiça que também tinha recebido o famoso CD e que havia decido não publicar o caso. Para não gerar curiosidade, optei em destruir o que tinha recebido.
Com a sensação de ter cumprido o papel que me cabe no latifúndio, pude dar mais atenção ao meu campeonato espanhol onde já não havia a possibilidade para reviravoltas, pois o Barcelona já tinha disparado na pontuação, sobrando apenas ao meu modesto escrete basco buscar uma vaga numa futura Copa dos Campeões (ETA, não era para estar soltando bomba?) Sem chance! Como essas crianças aprendem rápido as coisas. Vai muito do que ensinamos e do que eles ouvem por aí. A criação também colabora bastante. Num mundo cada vez mais capitalista, infelizmente as crianças crescem tendo como principal referência o dinheiro. Serem ricas no futuro! Pra que estudar, não é mesmo? Que Deus seja generoso e permita que um dia eu possa disputar uma partida de vídeo game com meus netos. Tem coisa mais gostosaaaaaaaaaa?

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julho 28, 2008

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Racionais em Teresina... Umas observações!
Por Elton de Aquino Arruda

Estive no show de rap da banda paulista Racionais MC´s. Foi uma oportunidade impar, pois muito embora sempre tenha andado em todos os lugares, do shopping até a quebrada mais cabulosa, me surpreendi com alguns aspectos da epopéia.
Em primeiro lugar fui com um camarada relativamente integrado ao movimento hip-hop no Piauí, ficamos trocando idéias na porta do show até entrar e observava uma certa pluralidade de público, mas muito tacanha, pois os presentes eram mesmo da periferia. Uns com cara de rockeiros e outros com cara de rappers. o visual era mesmo o de “gangstar”, um estilo dentro dos desdobramentos do rap. Achei muito americanizado os uniformes pra curtir um som, esse exibido pela periferia piauiense. Mas logo na entrada percebi que imperava um ambiente de muita paz.
Em segundo lugar, ao entrar e durante todo a noite observei que quase não havia menores. Isso foi o que me chamou mais atenção, porque se estivesse no Piauí pop ou numa micareta certamente estaria lotado de menores bebendo e cheirando loló. Porra! O lugar era mais civilizado do que 90% dos ambientes onde as pessoas dizem consumir arte e cultura, especialmente shows musicais. Isso de certo tem relação com o ambiente de respeito entre as pessoas que lá estavam.
Em terceiro lugar encontrei dois caras que lavam meu carro e o de muitas outras pessoas lá na Av. Maranhão. Interessante, chamaram-me de “truta e camarada” e trocamos apertos de mãos. Bom essa parte foi estranha porque o aperto de mãos “dos trutas” é definitivamente um balé complexo e indecifrável. Aproveitei a oportunidade e perguntei de onde eles eram e disseram ser de Timon, foi quando provoquei para sentir o clima do local: “vocês devem estar mesmo se garantindo, pra vim curtir longe de casa assim...”. Eles afirmaram “ tô nem aí pro setor, vamu curtir o som e sair fora pra amanhã trabalhar”. Beleza! Vejam a onda: se eu estivesse em determinados lugares não marginalizados provavelmente tinha um monte de valentões e bêbados otários com os nervos à flor da pele.
Em quarto lugar ficou claro que o movimento ainda é muito masculinizado. Não somente pelos timbres de voz e as danças que exigem profundo esforço físico, as mulheres eram artigo escasso no local. Paciência, nem tudo é perfeito.
Fui pra casa antes do show principal acabar. Estava realmente cansado e não sou mesmo de curtir festas e multidões, mas saí sem alteração depois de aproveitar um bom show, um ambiente sadio e de trocar idéias interessantes com uma pá de gente boa. Foi uma oportunidade de observar mais que uma festa, mas como arte comprometida com as questões sociais faz bem as pessoas.
Peço desculpas pelas gírias e palavrões, acho que ainda estou influenciado, mas estou declaradamente aliado ao movimento hip-hop. Na qualidade de professor, com meu 34 anos, daqui da minha “vidinha organizada”, posso dizer que para melhorar a vida nas periferias a saída é 100% hip-hop na veia.

Elton de Aquino Arruda é professor de geografia em Teresina, Piauí. Mantem o blog http://eltonarruda.blogspot.com/

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maio 12, 2008

Ronaldo e as hienas
por João Pereira Coutinho

Vivemos tempos interessantes. Basta ler jornais. Ou revistas. Ou assistir a programas televisivos. A liberalização dos costumes é total. Sexo? Nunca se viu tanto como agora. E nunca se derrubaram tantos tabus como agora. Abaixo o moralismo, abaixo os moralistas. Ou, como se dizia em Paris, quarenta anos atrás, é proibido proibir. Um vitoriano que viesse diretamente do século 19 ficaria em estado de choque com a libertinagem festiva do século 21.
Ou talvez não. Porque aqui reside o paradoxo do nosso tempo: nunca se viu tanto moralismo, e tanto moralista, como agora. Basta ler os mesmos jornais. Ou revistas. Ou assistir aos mesmos programas televisivos. Sempre que uma figura pública é "apanhada" com companhias pouco recomendáveis, o mesmo jornalismo que faz do século 21 uma orgia sem limites regressa imediatamente ao século 19, espiolhando os lençóis e condenando a intimidade alheia. Sexo? Já não há tabus. E, paradoxalmente, nunca existiram tantos tabus como agora.
Um dos últimos casos aconteceu com Ronaldo, o jogador de futebol que, segundo leio, foi "apanhado" com dois travestis no Rio de Janeiro. O caso despertou indignação, risadas e interrogações. E, no entanto, que crime cometeu Ronaldo para que as fogueiras fossem ateadas em público?
Excetuando o consumo de drogas, que não foi provado, encontramos um homem adulto que, depois de uma noite de farra, resolveu solicitar os serviços de profissionais. A indignação e as risadas de jornalistas ou leitores, que subitamente descobriram o inquisidor moralista que vivia dentro deles, ignoram o aspecto mais rasteiro do "problema": contratar prostitutas não tem qualquer história ou moral. E muito menos comentário: não existe um único jornalista ou leitor que, ao pensar na sua vida sexual, e sobretudo na história da sua vida sexual, não encontre motivos de pudor ou vergonha. Sempre que vejo uma hiena a gritar ou a rir da intimidade alheia, sei instintivamente que a hiena não ri dos outros; aproveita-se dos outros para descomprimir as suas próprias taras, culpas ou frustrações.
Restam as perguntas habituais em casos do género: se Ronaldo tem todas as mulheres do mundo, por que duas prostitutas de rua? A resposta possível passaria por repetir a pergunta, mas sem o ponto de interrogação. Para quem tem todas as mulheres do mundo, talvez o supremo desafio, ou a suprema necessidade, seja regressar à parte mais suja e sombria e até animal da realidade. Isso não mostra a fraqueza de ninguém. Mostra, pelo contrário, a complexidade da natureza humana.
O espírito do nosso tempo oscila continuamente entre a libertinagem mais artificial e o moralismo mais artificial. São atitudes gêmeas porque são duas formas de fundamentalismo. E o mundo, aos olhos do fundamentalista, é todo preto-e-branco. Só as hienas acreditam nesse mundo. E só as hienas passam por ele a rir ou a gritar, enquanto se alimentam com os detritos dos outros.

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abril 20, 2008

1968 - 40 anos depois
Por Antônio Capistrano

O grande cineasta italiano Bernardo Bertolucci realizou a pré-estréia no Festival de Veneza, (2004) na Itália, do seu filme "Os sonhadores", que trata do período mais fértil e inquietante do pós-guerra, que tem o seu ápice em 1968. Estou ansioso para assistir a esta película, por diversos motivos. Entre eles, ver como a genialidade de Bertolucci retrata um dos períodos mais transformadores do século XX, só comparado, a meu ver, com a bela época da década de 20 na Europa, e que, aqui no Brasil, foi também um momento de grande ebulição: o tenentismo, o fortalecimento do movimento operário, a criação do Partido Comunista Brasileiro, a Semana de Arte Moderna, tudo isso culminando com a Revolução de 1930, marco divisor da nossa história. Nesse filme, segundo a imprensa especializada, Bertolucci resgata a história e a importância dos fatos da geração/60, que tinha como característica a aglutinação das pessoas não pela idade, mas, sim, pela afinidade de idéias.


Eu vivi intensamente este período. Os anos sessenta marcam, de forma indelével, a minha vida, principalmente o ano de 1968. Ano da Primavera de Praga - sonho do socialismo democrático, da morte do estudante Edson Luís no Rio de Janeiro, da passeata dos 100 mil, os estudantes nas ruas, as barricadas de Paris, consolidação da figura mítica de Che após seu assassinato na Bolívia, em 1967. Também, ano do meu casamento. Eu estava com 21 anos, militante do Partido Comunista Brasileiro, estudava no Atheneu, freqüentador das Cocadas (Praça Kennedy), centro efervescente de todas as tendências ideológicas, espaço democrático da capital, encontro de todas as tribos; esquerda, direita e centro, dos existencialistas, leitores de Jean-Paul Sartre e de Albert Camuns. Dos católicos leitores do grande Alceu de Amoroso Lima ou do reacionário Gustavo Corção. Dos socialistas seguidores de Antonio Gramsci, Roger Garaudy, George Luckás, dos trotskistas, stalinistas, maoístas, fidelistas, leninistas, dos integralistas de Plínio Salgado, dos adeptos de todas as religiões e credos, os apaixonados pela Sétima Arte, os apreciadores de uma boa leitura, os torcedores fanáticos do futebol e dos fregueses dos bares da bela e inesquecível vida provinciana da nossa capital.
1968, ano que marcou a minha geração, que, como todas as gerações, era revolucionária. Geração que foi para as ruas na luta contra as repressões de todos os tipos, na busca de novos caminhos de liberdade e de justiça social. Geração que lutou contra as guerras, na defesa da paz em todo o mundo. Geração que gostava dos Beatles e dos Rolling Stones, que lutava contra a guerra do Vietnã e contra o racismo em todas as partes do mundo. Geração que adorava Glauber e o Cinema Novo, que vibrava com as composições de Vandré (Para não dizer que não falei das flores), e as de Chico (A Banda), as de Caetano (É Proibido Proibir), geração que admirava a Jovem Guarda através das canções do seu ídolo Roberto Carlos, que descobria na literatura os grandes escritores regionalistas - Jorge Amado com a sua famosa trilogia "Subterrâneos da Liberdade". Graciliano Ramos com seu estilo apurado, relatando o flagelo dos retirantes através do seu grande romance, "Vidas Secas". Rachel de Queiroz, mostrando com o "Quinze" a vida dos nordestino do semi-árido no período da seca. José Bezerra Gomes, retratando o Seridó dos algodoais através de "Ouro Branco". José Lins do Rego, o romancista do cotidiano dos canaviais, dos meninos de engenho, dos moleques ricardos, dos bangüês, dos engenhos, das usinas e dos coronéis, donos do sertão nordestino. Guimarães Rosa com o seu "Grande Sertão: Veredas" obrigando-nos a consultar Nei Leandro de Castro, através do seu "Universo e Vocabulário do Grande Sertão", ensaio premiado pela ABL, que traduz a linguagem regional de Guimarães Rosa. Geração que recitava poemas de Vinicius, Jorge de Lima, Bandeira, Drumonnd, João Cabral, Thiago de Melo, sem esquecer a poesia concreta e o poema processo de Moacyr Cirne, Anchieta Fernandes, Dailor Varela, Falves, Franklin Capistrano e Haroldo de Campos. É essa a geração/68 que Bertolucci resgata, geração que, como diz a canção, "sem lenço e sem documento", rompeu barreiras e quebrou tabus, preparando o mundo para um novo século e um novo milênio.

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outubro 09, 2007

Diário de um Ernesto
Por Sandino

RIO 2007 - Caminho pelo Engenhão zero bala, a turma está com fome. Para fugir da exploração dos licitados fast foods, é preciso descer longas rampas e ir próximo aos muros do estádio, de onde são arremessados os lanches naturais de atum (perigosos e duvidosos). No caminho, trombamos com uma delegação cubana que pousa para fotos entre turistas e comunistas acidentais. Entre os atletas, está o medalhista Yordan Garcia - descubro depois que seu nome remete ao diretor e roteirista de cinema Philip Yordan - “El Cid” (1961) e “55 Days at Peking”(1963), passou na ilha no “cinema popular”, com direito aos caracteres na tela grande em CineScope.
Em virtude da baixa pontuação obtida no “Salto com Vara”, Yordan teve que se contentar com medalha de prata no Decatlo. Depois de uma foto com o atleta, puxo um pouco de conversa. Quero saber como um país pequeno (110.860 km², um pouco maior que o estado de Pernambuco) e de economia agrária, consegue tanto sucesso no esporte. Demonstrando-se inicialmente um tanto arredio a prosa e verso, tenho como resposta a combinação de “educação, esporte e saúde”. Aprendo também sobre o funcionamento dos “centros esportivos” e da capacitação de atletas e treinadores. Quando se sabe ouvir, não precisa muitas palavras!
De olho no abrigo esportivo do atleta, proponho uma troca com uma camiseta quase genuína do todo poderoso timão. O cubano rejeita a oferta e comenta sobre o fato do patrocinador ser uma multinacional coreana (do sul) repleta de capital norte-americano. Se ele soubesse da MSI então?! Descubro também que os cubanos não dão muito valor para o futebol e naquelas bandas, Maradona é mais conhecido do que Pelé. Descubro mais...Yordan é culto, tem apenas 19 anos e sua meta é estar no pódio em Pequim 2008. Quero saber mais e como gancho para entrarmos na política cubana, pergunto sobre o “seqüestro” de Juan Manoel Fangio - assunto obrigatório nas escolas de lá. Um seqüestro??? - dirão alguns desavisados! Em tempo: antes que a revista Veja publique que desceram a botinada no piloto, é bom esclarecer que Fangio foi muito bem tratado e respeitado enquanto esteve nas mãos dos guerrilheiros. Foi uma revolução justa e autêntica, em nada lembra o genocídio ao povo paraguaio promovido pelo “corajoso” Duque de Caxias e o “bravo” Conde D´Eu.
A conversa já está boa. Arrisco comentar sobre os boxeadores desertores. Óbvio: numa delegação de 500 atletas não se pode quantificar a insatisfação tendo como referência a atitude de 3 atletas. “Depois eles voltam, estão iludidos. É a interferência da TV de Miami”, justificam.
Pergunto então sobre a possibilidade da deserção, temo ser confundido com o procurador do goleiro Doni. Yordan ri e diz: nunca, pra que? A justificativa é contundente e desperta para as prioridades de um povo. Yordan lembra que 6 mil crianças morrem por dia no mundo, vítimas da fome, frio e doenças terceiro-mundistas. Nenhuma delas é cubana. Milhões de pessoas passam o dia em macas e corredores de hospitais em busca de tratamento médico. Nenhum desses cidadãos são cubanos! Há ainda no mundo cerca de 875 milhões de analfabetos. Nenhum cubano figura nesta estatística.
Tento uma última oferta na jaqueta. Proponho torcer por Yordan na próxima olimpíada, caso fique guardião de sua jaqueta. “Todo bueno, es su!”.
Despedimos de Yordan e de posse do precioso souvenir (já no corpo, GG) volto a pensar na fome. Próximo do portão, uns torcedores gaúchos, todos colorados, estampam a figura do lendário Che Guevara em uma bandeira. A oferta e o contato são inevitáveis! 50, 100, 200, 700, 1.500 reais? Desculpe caros amigos dos pampas... mas como diria um batido jargão capitalista: tem certas coisas que o dinheiro não compra, para todas as outras existe o tal do master card. Para a civilização, a revolução cubana não tem preço!

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agosto 15, 2007

Hérois anônimos

Superman cotidiano
Por Carlos Maia (afroreggae)

Desde a infância, ainda no período escolar, nós aprendemos a decorar quem foram “os grandes vultos da nossa história” e seus feitos gloriosos: quem proclamou a independência do Brasil? Resposta: Dom Pedro. Quem libertou os Escravos? Princesa Isabel. Quem criou leis em favor dos trabalhadores? Getúlio Vargas. Ficamos assim, com a impressão de que todo o curso dos acontecimentos depende da ação única e exclusiva de uma meia dúzia de iluminados. Não é de se estranhar que muitos alunos não tenham interesse pela disciplina de História, pois não se vêem representados ali e o povo aparece como coadjuvante – isso quando é mostrado.

Não é dito aos estudantes que toda mudança feita na sociedade depende das ações do conjunto da sociedade, e que direitos não são dados, e sim conquistados. Na TV, no cinema e nas histórias em quadrinhos vemos aos montes seres com habilidades excepcionais salvando o mundo e sendo aclamados pelos cidadãos; é sempre a mesma história: o povo não sabe agir sozinho, precisa da ajuda de alguém superior. A maioria das pessoas não percebe que ao longo da vida recebem uma educação política. E numa sociedade que valoriza a fama e o espetáculo como a nossa, nós todos, em maior ou menor grau, aprendemos a prestar atenção em quem é notícia, seja um “artista” pela roupa que está usando, o novo vencedor do reality show, ou ainda o fulano que trocou de namorada.
Vamos assim nos apequenando, servindo de bateria para alimentar essa grande indústria que lucra de todas as formas às nossas custas. Seguindo a tradição dos grandes feitos, idolatramos um determinado jogador de futebol em detrimento de todos os outros (o cara venceria um jogo, ele apenas contra outros 11?); veneramos o ator da novela e não notamos o artista do nosso bairro; a menina fica deprimida por não ter o mesmo padrão de beleza da modelo da passarela; desejamos a mulher que saiu nua na revista e esquecemos da que está sempre ao nosso lado para o que der e vier e assim por diante. Robotizados, vamos nos tornando insensíveis ao que se passa ao nosso redor.
Mas quanta dignidade há naquilo em que menos botamos valor. Uma família composta de mãe, pai e filho que dormem ao relento - quantas histórias e lições de vida deixamos de aprender ali por nossos preconceitos... A velhinha que vai catando as latinhas de refrigerante deixadas para trás – quanta sabedoria deve ter ali numa força que misteriosamente se manifesta na fraqueza. E ainda toda a gente que levanta as quatro ou cinco da manhã, enfrenta duas conduções para chegar ao trabalho e mais duas para voltar para casa e, chegando lá, vai fazer a janta, cuidar dos filhos ou ainda se dedicam a outras atividades (estudo, trabalho voluntário).
Diante desse quadro, todas as crises que o país atravessa se tornam pequenas diante da capacidade de um povo que não desiste e está sempre pronto para recomeçar no dia seguinte. Durante anos no bairro de Realengo, Zona Oeste do Rio, uma mulher jovem ia catando papelões por todas as latas de lixo e ainda conseguia cuidar do filho ao qual levava em velho carrinho de crianças. Muitos diriam que ela estava condenada a fracassar, pois naquelas condições não conseguiria ir muito longe. Dentro da nossa sociedade, talvez ela não tenha ido “muito longe”, mas com toda a certeza ela não fracassou, pois continua lá com seus papelões e seu filho que era um bebê, agora é uma criança crescida – e saudável.

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maio 29, 2007

Os mercenários de Bush no Iraque
Por Altamiro Borges*

O jornal Folha de S.Paulo publicou neste domingo uma aterrorizante reportagem do seu correspondente em Washington, Sérgio Dávila, sobre os mercenários dos EUA que atuam na carnificina do Iraque. "Há hoje entre 100 mil e 130 mil ‘soldados privados’, termo preferido pelas companhias que os empregam, em ação na guerra, a maioria em atividades ligadas à segurança e à defesa. O total é quase o equivalente aos 145 mil soldados norte-americanos atualmente no país. Estima-se que US$ 0,40 de cada dólar destinado ao Iraque pelo contribuinte americano pare nas mãos de uma empresa de segurança privada", relata.

A criminosa atuação destes grupos para-militares só ganhou destaque na mídia em decorrência da vitória do Partido Democrata nas eleições legislativas do final de 2006. Desde o início deste ano, a Câmara dos Representantes, agora sob o controle da oposição, investiga a sinistra atividade das empresas de segurança privada. "Nas audiências, um dos nomes mais ouvidos é o da companhia Blackwater. Desconhecida do grande público até 2004, a companhia criada pelo ex-militar e religioso conservador Erik Prince surgiu no noticiário ao ter quatro contratados carbonizados por insurgentes em Fallujah, em março daquele ano".
Vínculos com a família Bush
Numa convenção militar na Califórnia, em 2006, Erik Prince se jactou pelos serviços prestados por sua empresa, batizando-a de "Fedex dos Exércitos". "Quando você tem presa, não usa o correio normal, mas o Fedex. Nossa meta é ser o equivalente para o aparato de segurança nacional". A companhia tem sólidos vínculos com a família Bush. Segundo o Wall Street Journal, foi uma das maiores doadoras da campanha presidencial de George W. Bus e atualmente tem perto de US$ 800 milhões em contratos com o governo. Outra empresa de segurança, a USIS, subsidiária da Carlyle Group, já teve Bush-pai na sua diretoria.
Segundo Sérgio Dávila, estes assassinos profissionais agem totalmente sem regras. "Diferentemente dos soldados, que respondem ao código de conduta do Pentágono, os ‘privados’ se encontram numa zona juridicamente cinzenta. Até 2007, eram regulados pela Ordem 17, assinada por Paul Bremer em junho de 2004, uma semana antes de deixar o comando provisório do Iraque. Pela disposição, nunca revogada, ‘os privados devem ser imunes ao processo legal iraquiano em relação às ações realizadas por eles enquanto a serviço de empresas’... Com quatro anos de guerra, só dois mercenários em ação no Iraque foram levados à Justiça dos EUA, um condenado por matar um civil e outro por ter pornografia infantil no computador".
A "terceirização" da violência
O inusitado destaque da mídia hegemônica mundial e nacional para a ação criminosa das firmas privadas de segurança só confirma o desastre da invasão imperialista no Iraque - já comparado ao fiasco no Vietnã - e o desgaste do presidente-terrorista George W. Bush. Há muito que jornalistas independentes e meios alternativos de comunicação já denunciavam a "terceirização da violência", envolvendo uma "indústria da morte" que movimenta mais de US$ 100 bilhões. No excelente "dossiê dos mercenários", publicado pelo jornal Le Monde Diplomatique de novembro de 2004, o jornalista Philippe Leymarie deu detalhes da ação desta "nova geração de cães de guerra", numa alusão do título do bestseller de Frederick Forsyth.
Após citar o escândalo do envolvimento de Mark Thatcher, filho da ex-dama de ferro da Inglaterra, com um grupo mercenário no Zimbábue, em março de 2004, a reportagem concluía que estes bandos estavam mais ativos do que nunca. No passado, foram "manipulados por serviços de inteligência e multinacionais" e ficaram conhecidos pela "imagem de selvageria e rapina". Já hoje, eles são mais profissionais e servem diretamente às ambições imperialistas. "Passou-se de um mercenarismo ‘romântico’, com predominância ideológica, para um mercenarismo empresarial, com motivação financeira, que oferece amplo leque de ‘serviços’, desde o aconselhamento até a vigilância de minas e de poços de petróleo e ações de guerra".
"Cães de guerra corporativos"
Outra reportagem elucidativa sobre a ação destas "empresas de segurança" foi publicada na revista Carta Capital, em julho de 2003. Assinada por Walter Fanganiello e intitulada "os cães de guerra corporativos", ela denunciava que "essas multinacionais contam nos seus quadros com generais reformados, plenos de experiências adquiridas em diversos campos de batalha e carregados de medalhas por bravura. Essas sociedades comerciais são chamadas de Private Military Companies (PMC). Não fossem as formalidades e as cláusulas dos contratos sociais de constituição - que as colocam na legalidade como pessoas jurídicas -, elas poderiam ser confundidas e passar por associações hierarquizadas de mercenários".
"As PMC são muito requisitadas pelos grupos econômicos que exploram, pelo Terceiro Mundo, rendosas atividades extrativas. Os mencionados grupos sentem a necessidade de proteger a posse de áreas e os seus prepostos". Entre outros casos de empresas de violentos mercenários, o autor cita a Military Professional Resources Inc (MPRI), que treinou e monitorou os bandos armados de separatistas da ex-Iugoslávia e que atua até hoje no combate à guerrilha na Colômbia. No final, o jornalista ainda alerta: "Muitas dessas PMC ambicionam prestar serviços nos morros do Rio de Janeiro, na Tríplice Fronteira e na região amazônica".
"Máquina de destruição e morte"
Por último, vale citar a recente reportagem de Juan Carlos Guerrero, da agência Prensa Latina, que trata especificamente da ação destas gangues no Iraque. Com base em dados do próprio governo fantoche deste país, ele informa que já existem 236 companhias de segurança privada, estrangeiras e iraquianas, atuando nesta devastada nação. "Destas, cerca de 200 são consideradas ilegais, por carecerem de registro e terem ‘funções’ desconhecidas. A maioria está implicada em ações terroristas que são colocadas na conta da resistência iraquiana". Os mercenários são contratados em várias partes do mundo -inclusive no Brasil.
"Não importa sua origem; são mais de 100 mil homens bem adestrados no ofício de matar por dinheiro... Suas obrigações laborais estão focadas na seguridade pessoal de políticos iraquianos e estadunidenses e de homens de negocio e na segurança de instalações petroleiras e militares. Muitos destes serviços, de que pouco se fala, estão ligados à construção de bases, interrogatórios e combates diretos. Eles são acusados de intervir em operações secretas dos organismos de inteligência dos EUA e em outros trabalhos sujos destinados a promover o terror, o medo, as diferenças religiosas e, inclusive, a organização de esquadrões da morte para semear o caos... São elementos especializados nas tenebrosas artes da subversão".
"Um negócio vantajoso"
O uso destes "serviços" cresceu a partir das dificuldades encontradas pelos militares dos EUA no Iraque. O número de mercenários quadruplicou em quatro anos, pulando de 48 mil ‘soldados privados’, em 2003, para mais de 100 mil nos dias atuais, segundo dados da própria Oficina Geral de Contabilidade (GAO). A utilização destes grupos serve ainda para reduzir as estatísticas oficiais de baixas desde a invasão do país em março de 2003. O Departamento do Trabalho dos EUA estima que mais de 650 "funcionários" foram mortos pela resistência iraquiana. "Para o Exército e o governo dos EUA o negócio é muito vantajoso. Os mercenários são simples assalariados em busca de fortuna, quando morrem não engrossam a lista oficial de baixas na guerra, não estão envoltos em discussões legais e nem são alvo da pressão pública".
Guerrero também destaca a ação da Blackwater, "empresa especializada em contraterrorismo e combates urbanos, uma das maiores em operação no Iraque. Ela tem um exercito multinacional de 3 mil membros e é considerada a maior base militar privada no mundo, com campos de treinamento sofisticados, dezenas de aviões e vínculos estreitos com as altas esferas do Pentágono e da Casa Branca". Além da contratação de treinamento de mercenários, a Blackwater também vende equipamentos bélicos para os EUA e ajuda na "reconstrução" do Iraque, prestando serviços para corporações como a Lockheed, General Dynamics e a famosa Halliburton - empresa de petróleo e armamentos vinculada ao vice-presidente Dick Cheyne.
Todas estas "empresas privadas" são teleguiadas pela sinistra agência de inteligência dos EUA. Em 2005, oficiais da CIA revelaram ao Washington Post que 50% do orçamento da agência, quase US$ 20 bilhões, foram destinados para pagar os ‘contratistas’. A própria CIA estima que as despesas com estes serviços dobrem até 2010. Estes recursos, provenientes dos tributos dos estadunidenses, são usados para financiar "uma máquina de destruição e morte". Guerrero encerra seu excelente artigo lembrando que, "embora o fenômeno do mercenarismo não seja novo, ele cresceu com a chegada de Bush a Casa Branca".

* Jornalista, editor da revista Debate Sindical

Posted by Sandino at 04:24 PM | Comments (2)

agosto 15, 2006

Os 80 anos de Fidel: confidências
Leonardo Boff *

O que vou publicar aqui vai irritar ou escandalizar os que não gostam de Cuba ou de Fidel Castro. Não me importo com isso. Se não vês o brilho da estrela na noite escura, a culpa não é da estrela, mas de ti mesmo.Em 1985 o então Card. Joseph Ratzinger me submeteu, por causa do livro "Igreja: carisma e poder", a um "silêncio obsequioso". Acolhi a sentença, deixando de dar aulas, de escrever e de falar publicamente. Meses após fui surpreendido com um convite do Comandante Fidel Castro, pedindo-me passar 15 dias com ele na Ilha, durante o tempo de suas férias. Aceitei imediatamente, pois via a oportunidade de retomar diálogos críticos que, junto com Frei Betto, havíamos entabulado anteriormente e por várias vezes.
Demandei a Cuba. Apresentei-me ao Comandante. Ele imediatamente, à minha frente, telefonou para o Núncio Apostólico com o qual mantinha relações cordiais e disse: "Eminência, aqui está o Fray Boff; ele será meu hóspede por 15 dias; como sou disciplinado, não permitirei que fale com ninguém nem dê entrevistas, pois assim observará o que o Vaticano quer dele: o silêncio obsequioso. Eu vou zelar por essa observância". Pois assim aconteceu.

Durante 15 dias, seja de carro, seja de avião, seja de barco me mostrou toda a Ilha. Simultaneamente durante a viagem, corria a conversa, na maior liberdade, sobre mil assuntos de política, de religião, de ciência, de marxismo, de revolução e também críticas sobre o déficit de democracia.
As noites eram dedicadas a um longo jantar seguido de conversas sérias que iam pela madrugada adentro, às vezes até às 6.00 da manhã. Então se levantava, se estirava um pouco e dizia: "Agora vou nadar uns 40 minutos e depois vou trabalhar". Eu ia anotar os conteúdos e depois, sonso, dormia.
Alguns pontos daquele convívio me parecem relevantes. Primeiro, a pessoa de Fidel. Ela é maior que a Ilha. Seu marxismo é antes ético que político: como fazer justiça aos pobres? Em seguida, seu bom conhecimento da teologia da libertação. Lera uma montanha de livros, todos anotados, com listas de termos e de dúvidas que tirava a limpo comigo. Cheguei a dizer: "se o Card. Ratzinger entendesse metade do que o Sr. entende de teologia da libertação, bem diferente seria meu destino pessoal e o futuro desta teologia". Foi nesse contexto que confessou: "Mais e mais estou convencido de que nenhuma revolução latino-americana será verdadeira, popular e triunfante se não incorporar o elemento religioso". Talvez por causa desta convicção que praticamente nos obrigou a mim e ao Frei Betto a darmos sucessivos cursos de religião e de cristianismo a todo o segundo escalão do Governo e, em alguns momentos, com todos os ministros presentes. Esses verdadeiros cursos foram decisivos para o Governo chegar a um diálogo e a uma certa "reconciliação" com a Igreja Católica e demais religiões em Cuba. Por fim uma confissão sua: "Fui interno dos jesuítas por vários anos; eles me deram disciplina mas não me ensinaram a pensar. Na prisão, lendo Marx, aprendi a pensar. Por causa da pressão norte-americana tive que me aproximar da União Soviética. Mas se tivesse na época uma teologia da libertação, eu seguramente a teria abraçado e aplicado em Cuba." E arrematou: "Se um dia eu voltar à fé da infância, será pelas mãos de Fray Betto e de Fray Boff que retornarei". Chegamos a momentos de tanta sintonia que só faltava rezarmos juntos o Pai-Nosso.
Eu havia escrito 4 grossos cadernos sobre nossos diálogos. Assaltaram meu carro no Rio e levaram tudo. O livro imaginado jamais poderá ser escrito. Mas guardo a memória de uma experiência inigualável de um chefe de Estado preocupado com a dignidade e o futuro dos pobres.

* Teólogo. Membro da Comissão da Carta da Terra

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julho 16, 2006

Aos pobres: a lei, a polícia e a morte
Rogério Almeida

A execução de pobre é natural. Esteja o indivíduo no interior do Pará, como é comum; ou em uma favela do Rio de Janeiro. Caso seja na Baixada Fluminense, trata-se apenas de lógica pura. Por Rogério Almeida, abril de 2006
A notícia de execução de sem terra no Pará, ou negros pobres no Rio no Janeiro, não anima editoriais indignados dos jornalões, nos programas de TV?s, entre os principais articulistas, sites à fora. Naturaliza-se a questão. É como se os que se arvoram a formadores de opinião, exclamassem aos quatro ventos: negro e pobre, o destino só podia ser este.
As mulheres camponesas
Ao se examinar a cobertura sobre os episódios ocorridos no Rio Grande Sul, protagonizados pelas mulheres camponesas, e o ocorrido numa fazenda de família com extensa ficha de indiferença às leis e à vida, no sudeste do Pará, aflora a ausência de tratamento equânime.
Não de hoje, pesa sobre as costas dos camponeses signos pejorativos. Se numa perspectiva as mídias exaltam em belos enquadramentos o agronegócio, num pólo oposto esmera-se num processo contínuo em criminalizar e desqualificar a luta pela terra e a reforma agrária.
Num extremo, o agronegócio desponta sob a ótica da eficiência competitiva, enquanto ao camponês (a), cabe o signo do atraso, empecilho ao processo capitalista, à transgenia, ao monopólio da terra e dos recursos naturais por grupos estrangeiros. Assim advogam os defensores do capitalismo agrário.
O morticínio no Pará é naturalizado
Já o morticínio de lavradores (as), em particular no Pará, estado com ficha a perder de vista, é tratado como conflito e naturalizado. Ignora-se a diferença de forças entre as partes. Fecha-se os olhos para os elevados índices de morto só num segmento, os camponeses.
E todos os ditos formadores de opinião convivem com o espírito tranqüilo ante tal realidade. É violência a ação de cidadãos marginalizados, que afrontam as cercas do latifúndios, mas não o é, assim publiciza as mídias, as chacinas de camponeses.
Quanto ao Judiciário, célere nas na expedição de liminares de reintegração de posse, sem questionar a autenticidade da posse, funciona a passo de cágado, em processos de execução de posseiros, lavradores, sem terra, indígenas etc.
Conforme CPI da Grilagem de Terras de 2001, somente 2% dos títulos de terra na Amazônia são passíveis de autenticidade. E a recente CPMI da Terra, cujo domínio político é dos ruralistas, taxa a luta pela terra de crime hediondo.
Se os fazendeiros obstruem rodovias, trata-se de contingências. Dois sem terra é formação de quadrilha. O sudeste paraense é a região com a maior concentração de projetos de assentamento do país. A eficiência das políticas do governo do estado para tal segmento, reside em mandar tropas de choque, canil, cavalaria para efetuar reintegração de posse. Até onde se sabe, cultivar não exige polícia.
Trata-se de região marcada pela implantação de grandes projetos. Onde, na dita transição democrática, se verificou, uma vez mais em nossa história marcada pelo patrimonialismo, o enriquecimento de meia dúzia de empresários do centro sul do país e a concentração de terra.
Expediente marcado pela ilegalidade ou burla da lei, como no caso dos aforamentos dos castanhais, onde a posse provisória da terra se transformou em posse definitiva. Foi quando os fazendeiros, escudados na legenda da União Democrática Ruralista (UDR), organização ultra-conservadora, semeou nas terras dos castanhais, na década de 1980, as maiores chacinas contra posseiros.
Quem vai se indignar pelas injustiças a que está submetida a maior parte da população brasileira, senão ela própria, ou parte dela que se organiza e enfrenta o autoritarismo dos coronéis do sertão, do agronegócio, das mídias?

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Movimento dos Sem-Terra, idéia e objeto
Por Marcio Lorin

Há um esforço por parte da imprensa em relacionar movimentos sociais ao atraso. Não é raro assistirmos ou lermos reportagens sobre a ação de movimentos ou mobilizações sociais associados à idéia de resistência ao avanço técnico e ao progresso.
Um conceito forjado na cabeça pela repetição de centenas e milhares de notícias carregadas de ideologia que, segundo Marilena Chauí, é um mascaramento da realidade social que permite a legitimação da exploração e da dominação. Por intermédio dela, tomamos o falso por verdadeiro, o injusto por justo.

No caso das ações do MST, não é diferente. Nunca vi na mídia oficial algo sobre os mais de cem prêmios e honrarias recebidas pelo movimento, como também nunca vi, apesar de ter me esforçado, notícias sobre as 1.800 escolas de ensino fundamental, com 160 mil crianças e adolescentes, funcionando em acampamentos e assentamentos. Até mesmo em nossa cidade, grande parte da população desconhece que temos uma escola chamada Milton Santos, com programa reconhecido pelo MEC e professores (membros do MST) com pós-graduação. Ainda assim, a imagem passada pela maioria dos meios de comunicação é a de que tal movimento se trata de um grupo terrorista.
Atos de desobediência civil, praticados e apoiados pelo MST, põem em xeque a verdadeira intenção do movimento e, nesse trajeto, entram em choque com a estrutura legal, legitimadora de um determinado modus de organização da sociedade.
Em suas lutas, o MST nunca atentou contra a vida. Ao contrário das reações conservadoras que fizeram de Chico Mendes, irmã Dorothy e mais de 1.650 mortos somente nos últimos 23 anos.
O MST e outros movimentos revelam o tamanho das contradições que envolvem a questão agrária no Brasil, aliás, fruto não só de um atraso institucional, mas principalmente de uma resistência corporativa às boas novas, conseqüências de um processo de democratização. Esse processo deve ser pleno, no sentido de permitir o acesso aos meios de produção, no caso a terra. É o contrário de uma concepção minimalista de uma democracia que consiste apenas no direito às urnas, como querem as oligarquias. Tal arcaísmo se torna evidente diante do retrocesso que significou o resultado da CPMI da Terra.
Ao contrário da idéia de muitos, fundada no obscurantismo ideológico provocado pela mídia, o MST não é uma força retrógrada e sim uma contraposição ao maior símbolo de atraso do Brasil, cuja estrutura fundiária já dura 500 anos e é a espinha dorsal para o desenvolvimento de qualquer nação. Oxalá tivéssemos mais MSTs para chacoalhar o pó desse modelo cheirando a mofo.

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janeiro 30, 2006

Martin Luther King - O sonho assassinado
por Pascal Marchetti-Leca

Atlanta, 1935. Uma cabecinha encarapinhada vagava com sua candura perspicaz pela Auburn Avenue. O olhar perturbador, o passo medido. O menino, o pensamento longe, às vezes interrompia o passeio para jogar a bola que levava entre o braço e o peito. Improvisava acrobacias e batia a bola ao mesmo tempo que declamava passagens do Livro da Sabedoria: "Amai a justiça, vós que julgais a terra, pensai no Senhor com retidão, procurai-o com simplicidade de coração". Em seguida, mudando de atitude, tornava a pôr a bola debaixo do braço. Apesar de jovem, o garotinho sabia efetivamente que, mesmo sendo sagradas, as Escrituras, das quais as pessoas se desviam, não deixavam de ser vãs. E por mais de um motivo.
Filha de Adam Daniel Williams, o pastor da igreja batista de Ebenezer, que desde a década de 1910 militava na NAACP (Associação Nacional para o Progresso de Pessoas de Cor), sua mãe, Alberta, inculcou-lhe os princípios da moral evangélica. Oriunda de um meio privilegiado, ela havia freqüentado os melhores colégios. Ainda que sempre denunciasse a discriminação racial, a verdade é que nunca as sofreu diretamente. No dia 25 de novembro de 1926, casou-se com Mickael Luther King, filho de um meeiro de Stockbridge que estava em Atlanta para estudar.
Antecipando-se ao sonho igualitário do filho, Mickael, que trocaria o nome por Martin, teve participação na luta pela emancipação do povo negro. "Meu pai [...] decidiu nunca mais entrar num ônibus da cidade por ter presenciado certas brutalidades de que eram vítimas os passageiros negros. Foi ele que assumiu o comando da luta [...] pela igualdade de salários dos professores e teve um papel preponderante, nos tribunais, para que se eliminasse a segregação nos elevadores", recordaria King ao receber o Nobel da Paz.

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Martin Luther King : "Sonho que um dia, nas rubras colinas da Geórgia, os filhos dos antigos escravos e os filhos dos antigos senhores hão de se sentar juntos à mesa da fraternidade. [...] Sonho que meus quatro filhinhos um dia hão de viver num país em que não serão julgados pela cor da pele, e sim pela natureza do seu caráter...".

Em 1931, com a morte de Williams, seu genro o sucedeu à frente da paróquia de Ebenezer. Martin Luther King pai conquistou a confiança da comunidade negra e a estima reticente dos brancos. Alberta e ele cuidavam zelosamente dos três filhos. Longe dos guetos, Christine, Adam Danmiel Jr. e, naturalmente, o caminhante da Auburn Avenue tiveram uma infância mimada de classe média. "Meu pai, que punha a família acima de tudo, sempre nos proporcionou o necessário. Embora tivesse apenas um salário normal, seu segredo era ser mestre na arte de [...] administrar o orçamento. [...]A vida me foi dada como um presente de Natal", comentou certa vez King.
Nascido em 15 de janeiro de 1929, Mickael, que, tal como o pai, posteriormente adotaria o nome Martin, começou freqüentando escolas públicas da capital da Geórgia. Não tardou a amargar a experiência da segregação. Na escola, o menino não compreendia que teria de se afastar do companheiro de brinquedos, um aluno branco com o qual gostaria de dividir a carteira: "A ruptura se consumou quando ele me contou que seu pai o havia proibido de brincar comigo. Nunca vou esquecer o choque imenso que isso me causou".
Em 1944, ao concluir um curso brilhante num estabelecimento de ensino secundário da cidade, ingressou no colégio universitário de Morehouse, onde já o precediam "três gerações de King". Optou pela teologia. No dia 25 de fevereiro de 1948, foi ordenado no templo de Ebenezer. "Eu me criei na religião. Meu pai é pastor, meu avô era pastor, meu bisavô era pastor, meu único irmão é pastor, o irmão de meu pai é pastor. Portanto, eu não tinha escolha", explicou. Promovido a assistente na paróquia do pai, Luther King continuou o estudo de sociologia. No mesmo ano, trocou Morehouse por Chester, na Pensilvânia.
Lá se matriculou no seminário de Crozer, onde se diplomou em teologia em 1951. A seguir, decidiu aprimorar a formação na universidade de Boston. E, enquanto se dedicava à redação de uma tese, apaixonou-se por uma estudante de musicologia, Coretta Scott, com quem se casou pouco depois. Martin Luther King pai abençoou o casal em 18 de junho de 1953. Dessa união nasceram Yolanda Denise, apelidada Yoki (1955), Martin Luther III (1957), Dexter Scott (1961) e Bernice Albertine (1963).
Inicialmente, o jovem casal se fixou em Montgomery (Alabama), onde, apesar da forte tensão social, King aceitou, em 1954, o ministério pastoral de Dexter Avenue.
Imbuído da obra dos grandes filósofos (Platão, Aristóteles, Rousseau, Locke), do sociólogo Walter Rauschenbusch e do pensamento de seu mestre, Gandhi, concluiu, paralelamente, o trabalho de pesquisador. A universidade de Boston acabava de lhe conferir o título de doutor quando irrompeu um conflito racial cuja violência haveria de orientar todo seu pastorado. No dia 1o de dezembro de 1955, Rosa Parks, costureira de 42 anos [que morreria no final de 2005 com 92 anos], tomou um ônibus a fim de voltar do trabalho para casa. O veículo não tardou a ficar lotado. O motorista não teve dúvidas em mandá-la ceder o lugar a um passageiro branco. Ainda que educadamente, Rosa Parks recusou se levantar. Foi presa imediatamente. Ativista dos direitos civis de grande influência na comunidade negra, Edgar Daniel Nixon interferiu, encarregando-se de pagar a multa a que Rosa Parks fora condenada.
Os chefes de clãs e os pastores se mobilizaram para defendê-la e fundaram o MIA (Movimento pelo Progresso de Montgomery), à frente do qual colocaram Martin Luther King. Enquanto se organizava o boicote dos ônibus, King esboçou sua doutrina da não-violência - "Amai vossos inimigos, abençoai os que vos maldizem e orai pelos que vos caluniam" - e, pouco a pouco, erigiu-se defensor dos negros dos Estados Unidos.
A municipalidade procedeu a prisões em massa (de numerosos pastores, entre os quais o próprio King) que, longe de abafar o fato, chamaram a atenção da imprensa. A empresa de transporte coletivo de Montgomery ficou à beira da falência. As autoridades pressionaram King para que pusesse fim ao boicote. Sucediam-se as intervenções e as intimidações. Em janeiro de 1956, seu domicílio chegou a ser alvo de um atentado. King resistia. No entanto, em 4 de junho de 1956, o tribunal federal do distrito condenou as normas segregacionistas vigentes no transporte coletivo. O prefeito recorreu à Suprema Corte, que, no dia 13 de novembro seguinte, confirmou a sentença. Naquela noite, os capuzes brancos e as violências da Ku Klux Klan não intimidaram ninguém.
No entanto, ainda não era o caso de se acomodar numa presunção de vitória. A partir de janeiro de 1957, os porta-vozes de dez estados sulistas se reuniram para fundar a SCLC (Conferência dos Dirigentes Cristãos do Sul). King foi eleito seu presidente. A organização apoiava sua luta no respeito generalizado às novas disposições legais em matéria de transporte coletivo e no direito de voto dos negros. Incansável, ele percorreu os Estados Unidos, tendo pronunciado mais de cem discursos em um ano. Discípulo de Gandhi, pregava a não-violência. Sabia que "o sofrimento tem o poder de converter o adversário e de abrir seu espírito que, do contrário, permanece surdo à voz da razão". Publicou seu livro Combates pela liberdade em 1958, envolto num humanismo confiante, seu credo pacifista.
Mais do que nunca, King foi alvo de acusações. No dia 20 de setembro de 1958, manipulada por uma campanha de difamação arquitetada contra ele, uma doente mental, que o supunha comunista, cravou-lhe um corta-papel no peito. O pastor escapou à morte por um triz. Interpretando essa agressão como um sinal, decidiu viajar à Índia, a fim de sincronizar seus passos com os de Gandhi. À margem do Ganges, King entreviu "a luz que pode brilhar nas trevas". Tanto que, no fim de sua peregrinação, anotou em seu diário: "O caminho da submissão conduz ao suicídio moral e espiritual. O caminho da violência conduz os sobreviventes ao rancor e os destruidores à bestialidade. Mas o caminho da não-violência leva à redenção [...]".
Reforçado em suas convicções, King retornou ao Alabama. Ali, em breve, seria obrigado a fazer uma escolha. Como a presidência da SCLC conflitava cada vez mais com sua atividade pastoral, voltou a Atlanta, onde, em 1960, passou a ser pastor adjunto da igreja de Ebenezer. A partir de então, a ação militante se alastrou por todo o Sul. Tal como Montgomery, Greensboro foi palco de uma revolução em desenvolvimento. Nessa cidade da Carolina do Norte, quatro estudantes negros desafiaram a polícia, "sentando-se no interior" de um restaurante, apesar das leis segregacionistas. Foi o início dos famosos sit-in. Esse movimento se estendeu a dezenas de cidades. E, mesmo sem ter sido seu instigador, King participou do rápido desenvolvimento do movimento estudantil. Preso numa manifestação em Atlanta, foi condenado a quatro meses de trabalho forçado na penitenciária de Reidsville (Geórgia). Mas Robert Kennedy, preocupado com a disputa da presidência da qual participava seu irmão, obteve do juiz a anulação da pena. Mediante o pagamento de fiança, é claro.
Para comprovar a eficácia da não-violência, King lançou a campanha de Birmingham em 1963, visando à dessegregação dos cafés e das grandes lojas de departamentos. Tratava-se de aplicar um golpe fatal contra a discriminação na própria cidadela da Ku Klux Klan. Em 12 de abril, foi preso por infração da proibição das passeatas.
Pressionado pelas autoridades religiosas brancas para pôr fim às agitações, endereçou-lhes, no dia 19 de abril, uma Carta da prisão de Birmingham, que viria a ser o manifesto do Movimento pelos Direitos Civis. "Uma lei injusta é uma lei humana sem raízes na lei natural e eterna. Toda lei que eleva a personalidade humana é justa. Toda lei que impõe a segregação é injusta porque a segregação deforma a alma e prejudica a personalidade." John Kennedy, agora inquilino da Casa Branca, e o irmão Bob intervieram uma vez mais para tirá-lo da prisão.
Em 20 de maio, a Suprema Corte declarou inconstitucional a legislação segregacionista de Birmingham. Algumas semanas depois, Kennedy anunciou uma nova legislação sobre os direitos civis. No dia 28 de agosto, realizou-se a Marcha sobre Washington, no fim da qual Martin Luther King fez seu mais célebre discurso: "Eu tenho um sonho". Porém, em 22 de novembro seguinte, King viu no assassinato de John Kennedy a premonição de seu próprio fim: "É o que também vai acontecer comigo. Esta sociedade está doente!" Mesmo assim, em 2 de julho de 1964, viajou a Washington para presenciar a assinatura da lei dos direitos civis (o Civil Rights Act) pelo presidente Lyndon Johnson.
Porém, sem o direito às urnas e à mercê da pobreza endêmica, as gerações de negros continuavam vivendo à margem da prosperidade. No dia 14 de outubro de 1964, Martin Luther King recebeu o Nobel da Paz. Encarou a distinção como o reconhecimento da legitimidade de sua luta pela comunidade internacional. "Aceito hoje o prêmio com uma fé inquebrantável nos Estados Unidos e com uma fé inabalável no futuro da humanidade [...]", disse na cerimônia de 10 de dezembro, em Oslo. Simultaneamente, J. Edgar Hoover, o chefe do FBI, contrariado com tantas homenagens, ameaçou: "Devemos segui-lo passo a passo [...] como o negro mais perigoso para o futuro deste país."
Sem embargo, Martin Luther King organizou a marcha de Selma, em 25 de março de 1965, que foi "o mesmo que Birmingham em 1963. Estava em jogo o direito de voto, que substituiu o problema do transporte coletivo no espírito de um vasto povo ansioso [...] por ter voz na questão do seu próprio destino." Depois de dezenas de marchas de protesto e de algumas centenas de mortos, Johnson assinou o Voting Rights Act, que condenava a segregação nos locais públicos e protegia o direito de voto dos negros.
No dia-a-dia, tais medidas não passavam de ilusão. Embora não tivesse perdido o carisma, King convencia cada vez menos. Desanimado, traído, passou a radicalizar suas posições e a pregar "a participação no poder". Em 1967, declarou-se contrário à Guerra do Vietnã, atitude que provocou divergências no seio da SCLC e suscitou a desconfiança do FBI.
Quando organizava a Marcha dos Pobres sobre Washington, King decidiu ir a Memphis (Tennessee) levar seu apoio aos lixeiros em greve que haviam sido reprimidos. Um morto, prisões em massa. Caminhou pela última vez com os oprimidos. No dia 3 de abril de 1968, fez o último discurso no templo do bispo Charles J. Mason: "Pouco importa o que me acontecer agora, pois já cheguei ao cume da montanha [...] Olhei à minha volta. E vi a Terra Prometida. Pode ser que não entre nela com vocês [...] Estou feliz esta noite [...] Nada me preocupa [...]"
No dia seguinte, detendo-se junto ao balcão do Motel Lorraine, ele falou a um amigo que passava: "É claro que esta noite, você vai tocar Senhor, segura a minha mão. Toque-a bem para mim". Nesse exato momento, ouviu-se um disparo. King tombou com um buraco na garganta.

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dezembro 20, 2005

Homicídio Legal
Por Walter Fanganiello Maierovitch

“Assim como ao médico é legítimo amputar o membro infeccionado para salvar o corpo humano ameaçado, deve-se permitir ao Estado exterminar o elemento nocivo ao organismo social.”
A supracitada colocação não é do governador-ator Arnold Schwarzenegger, acostumado a interpretar no cinema o papel de vingador da sociedade, com tiros e muito sangue. Também não é da lavra de Lora Owens, sogra do caixa da loja onde trabalhava a vítima de um dos crimes de latrocínio atribuídos a Stanley Williams.
Schwarzenegger e Lora Owens disseram outras coisas sobre Stanley Williams, apelidado de Tookie, executado na terça-feira 13, com emprego de injeção letal ministrada na cela da morte do célebre presídio de San Quentin, a 30 quilômetros de São Francisco, na Califórnia.
Tookie, um negro de 51 anos, fora condenado à morte, em 1981, por quatro crimes de latrocínio (matar para roubar) consumados em 1979, ou seja, há mais de 26 anos. A decisão condenatória acabou confirmada pela Suprema Corte dos EUA. Suas imputadas vítimas foram, em lugares e momentos distintos, três imigrantes chineses, donos de um hotel, e o mencionado caixa de uma loja de conveniências noturna.
Para o governador-ator Schwarzenegger, que poderia ter transformado a pena capital em prisão perpétua, Tookie não merecia clemência. No seu juízo canhestro, isso somente seria possível caso tivesse confessado os crimes, condição reveladora de arrependimento.
No mundo civilizado, os penalistas ensinam que a emenda de um sentenciado é aferida pelas suas condutas posteriores à consumação dos crimes imputados. Na expiação da pena, o comportamento futuro é que revela a emenda (ressocialização).
No passado, Tookie era violento e organizou uma gangue juvenil de rua que aterrorizou Los Angeles nos anos 70. Nos mais de 20 anos de prisão, demonstrou mudança eticocomportamental.
Ele tornou-se símbolo na luta contra a violência e cultor da paz. Escreveu livros infantis e recebeu indicação ao Nobel da Paz. Como ensinava a penitenciarista espanhola Concepción Arenal, o condenado pode mudar o seu coração e a sua alma.
O juízo externado por Schwarzenegger foi medievalesco, a indicar apenas conseguir trabalhar com o binômio crime-vingança. Ou melhor, não se convence da emenda do condenado por meio de atos concretos, revelados no curso de mais de 20 anos. Pior ainda. Pelo que se comenta, a clemência do governador com relação a Tookie deixou de ser concedida para não abalar, ainda mais, o seu prestígio político. Como a pena de morte foi restaurada na Califórnia em 1977, Schwarzenegger, pelo noticiado, não quis tomar uma decisão impopular, apesar de um bem maior estar em jogo.
Nem as mobilizações internacionais em favor de Tookie sensibilizaram o governador da Califórnia, onde já foram executados 12 condenados. A execução de Tookie representou um espetáculo dantesco, presenciado por 17 jornalistas e 39 convocados, dentre eles cinco testemunhas indicadas pelo próprio condenado.
Para vários jornais europeus, a agonia de Tookie durou exatos 22 minutos, transcorridos entre a demorada aplicação do preparado letal injetado e a chegada da morte. Tookie recusou a última ceia. Bebeu um copo de leite e ficou com a televisão ligada à espera da remoção para a cela da morte. No cerimonial macabro da execução, preferiu deixar um significativo silêncio a exercitar o direito de dizer derradeiras palavras.
Na Califórnia, prevalece o pensamento de Santo Tomás de Aquino, que viveu no século XIII e que comparou a amputação médica à social, pela ordem do “príncipe” (Estado), como registrado no início desta coluna.
Nem o Vaticano, sob o papado conservador de Joseph Ratzinger, aprovou o homicídio legal consumado em San Quentin. Depois da execução de Tookie, o cardeal Renato Martino frisou representar “a pena de morte a negação da dignidade humana”.
Como se percebe, e no particular, a Igreja volta a consagrar a doutrina da Metanóia, ou seja, deve-se acreditar, diante de condutas condenáveis passadas, na “mutação da mente, de toda a maneira de pensar, agir e viver, ou seja, na conversão total do homem”. No campo laico, a Califórnia acabou por fazer tábula rasa a Cesare Bonesana, conhecido como Marquês de Beccaria, que foi o precursor do direito penal moderno, de natureza humanista.
Em 1764, no seu chamado Pequeno Grande Livro, Beccaria alertava não ser justo que o homicídio – que nos ensinavam ser um crime hediondo e que não deveríamos nem pensar em cometer – possa ser praticado friamente, sem remorso, pelo próprio Estado.
Resumindo: em pleno século XXI, cometeu-se um homicídio legal. O assassino, frio e vingativo, foi o estado da Califórnia.

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novembro 28, 2005

ONGs Transnacionais como Tecnologias Intelectuais
Por Samira Feldman Marzochi*

O conceito de tecnologia intelectual permitiria acentuar características relevantes de organizações não-governamentais que atuam transnacionalmente e ajudaria a compreender o modo dessa atuação. Porém, mais do que isso, possibilitaria indagar sobre as implicações das ONGs Transnacionais, como tecnologias intelectuais, para a cultura política em nível mundial. Em outras palavras, se é verdade que organizações não-governamentais estão inseridas no sistema mundial como tecnologias intelectuais, de que forma devemos pensar “democracia”, “cidadania”, “participação”, “representação”?

O conceito de tecnologia do intelecto foi introduzido nas ciências sociais por Jack Goody, referindo-se à escrita em sociedades tradicionais, numa obra de 1968, e re-apropriado por Pierre Lévy, já na década de 90, para pensar as técnicas de comunicação em geral e também instituições. Considero ONGs Transnacionais como um tipo de tecnologia intelectual, articulado a outros, que estaria criando condições institucionais para o desenvolvimento de uma nova cultura política e forçando, por conseguinte, a reflexão sobre “cidadania”, “participação”, “representação”, “democracia’, em outras bases.
Este conceito permitiria acentuar cinco características das ONGs Transnacionais:
1. O seu aspecto dinâmico, mais suscetível às variações da opinião pública que outras instituições;
2. O aspecto tecnológico, pois fazem uso de tecnologias de comunicação como parte de sua atividade cotidiana de troca de informações e produção de imagem publicitária;
3. O aspecto automático, porque passam a orientar-se, uma vez instituídas, para a sobrevivência, adaptação e diferenciação pautadas na contabilidade de erros e acertos inscritos numa memória institucional;
4. O aspecto ideológico, que diz respeito ao descompasso entre a “missão” declarada que fundamenta e justifica as ações da organização e a maneira como atua de fato ou “pensa” institucionalmente;
5. E, por fim, e talvez o mais importante no caso das ONGs Transnacionais, o seu relativo descolamento do sistema institucional mais amplo. Embora estejam, sem dúvida, inseridas no sistema mundial, possuem maior autonomia para deslocar-se geograficamente, abrir escritórios, romper e refazer ligações institucionais, buscar novas fontes de informação, financiamento, estruturar e desfazer grupos de trabalho.
Os cinco aspectos apresentados são, portanto, características que compõem o tipo particular de tecnologia intelectual que são as ONGs Transnacionais. E elas podem ser tratadas como tecnologias porque não só utilizam técnicas de informação como redes eletrônicas, bancos de dados, recursos audiovisuais, mas funcionam elas mesmas como um programa específico que retém memória, produz conhecimento, capta, seleciona, traduz, organiza e transmite informações.
Relacionado às questões da cultura política, um problema, então, se coloca: o conhecimento produzido por uma ONG Transnacional destoa do conhecimento aceito como verdade pelo sistema mais abrangente? Como “pensa” ou atua uma ONG?
Tomo a organização Greenpeace como exemplo de tecnologia intelectual. Seu discurso, a maneira como constrói seu mito fundador, conta sua história, são obviamente forjados, a partir de dados reais, como artifício de sedução do público com objetivo de convertê-lo em sócio ou convencê-lo da legitimidade de suas posições. Fica a dúvida se o Greenpeace, como tecnologia intelectual, produz de fato informações novas, capazes de abalar verdades pré-concebidas pelo sistema, uma vez que depende do financiamento e opinião favorável do público a que se dirige.
Um interessante aspecto da lógica do sistema capitalista, inaugurado pelo “Fetichismo da Mercadoria” de Marx, é a indistinção entre sujeito e objeto, que pode ser entendida como fetichismo e reificação. Nos sites do Greenpeace, de diversos países, lê-se as fichas técnicas dos seus barcos que são apresentados com nome, história, foto e caráter, como se fossem indivíduos autônomos. Funcionam como a encarnação, em diferentes personalidades, do Greenpeace no mar.
A ONG não distingue representação de realidade. Os barcos são extensões da organização, o site é o próprio Greenpeace, em forma e conteúdo, e o mar é incorporado como signo de distinção, independência, aventura e renovação. A natureza que o Greenpeace se dedica a proteger aparece ao mesmo tempo doce e ascética, em fotos coloridas. Os sócios são chamados Cyberativistas que assinam cartas eletrônicas já prontas, contribuem mensalmente com dinheiro e acompanham através de Internet, TV, rádio ou imprensa escrita as “ações diretas” da ONG.
Baleias, barcos, caçadores, presidentes, transgênicos, poluentes, operam num mundo de relações ecológicas em que não fica claro quem tem mais ou menos poder, obrigação, responsabilidade. Um mundo fantástico é recriado a partir da lógica dominante do sistema. Coincidente com esta lógica de indistinção entre sujeito e objeto está a ciência como fonte de legitimidade. Uma ciência bem mais próxima da técnica, da ação, que da ciência especulativa de tradição filosófica antiga, renascentista ou iluminista. É preciso responder às críticas e pautar argumentos sobre dados científicos selecionados estrategicamente, levando-se em conta que um dado científico não é o mais correto, mas aquele capaz de conferir legitimidade.
Uma ONG pode, desse modo, ser lida como uma tecnologia intelectual inserida num sistema mais amplo articulado por regras que irão determinar, pelo menos parcialmente, a lógica do conhecimento que será produzido pela organização. Ou, nas palavras de Bourdieu, o modo como “os interesses subjetivos dos agentes, envolvidos num campo de disputas, são substituídos pelos interesses objetivos do próprio campo”. A dificuldade em mudar essa lógica está, para o mesmo autor, no fato de que as regras do campo são continuamente reafirmadas quando se adere a um jogo de competição por legitimidade e pelas vantagens que advêm da legitimidade.
Desse modo, ONGs participam como sujeitos involuntários de uma configuração específica de poder e produção de verdades. Tal consideração põe em dúvida discursos e práticas que as tomam como promotoras de discussão e questionamento público da realidade ou como representantes da sociedade civil. Num quadro de indistinção entre sujeito e objeto, em que ONGs buscam, sobretudo, evitar a entropia, a natureza é forjada pela publicidade e o conhecimento é produzido com fins de legitimação, como compreender cidadania e representação política?
O conceito de tecnologia intelectual aplicado às ONGs Transnacionais nos permite pensar um novo tipo de ausência de representação e cidadania no campo da política e, mais do que isso, algo inusitado: a política sem o homem, a democracia sem o povo e a privatização da política.
O “homem de chinelos” de Edgar Morin foi radicalizado. Uma constelação de seres humanos privados transfere a capacidade de julgamento individual e participação à condição cibernética das conexões institucionais. As instituições fazem de indivíduos isolados sua extensão e não o contrário, como imaginava McLuhan. A cidadania de fato, nesse contexto, é a das organizações participantes de um governo mundial que os homens se encarregam de pensar, conservar e regular em favor do bom funcionamento das instituições.
O desafio é como converter esta retirada do homem do centro do jogo em algo realmente transformador além de simples reflexo do fetichismo e reificação levados ao limite pelos sistemas luhmannianos. Como o movimento ambientalista, por exemplo, poderia efetuar esta operação em favor da humanidade e da natureza sem contribuir para sedimentar, ainda mais, a lógica sistêmica que as anula ao torná-las equivalentes? Ao mesmo tempo, como recuperar a diferença entre coisas, humanidade, natureza, sem evocar, necessariamente, o antropocentrismo ou apelar para um sujeito transcendental?

* Samira Feldman Marzochi é é doutoranda em Sociologia pelo IFCH/UNicamp. Formou-se em Sociologia, Ciência Política (Unicamp, 1995) e Antropologia (Unicamp, 1996) e é mestre em Sociologia da Cultura (Unicamp, 2000) sob orientação do professor Dr. Renato Ortiz. Em 2002 realizou pesquisa de doutorado em Paris, sob orientação do professor Dr. Michael Löwy, sobre relações institucionais entre ONGs e Sistema das Nações Unidas a partir da Unesco. É membro do Conselho Editorial da Revista Temáticas e da equipe da Comunidade Virtual de Antropologia.

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novembro 25, 2005

Mundo pelo Avesso
Por Emir Sader*

Veja é a pior revista do Brasil. Não é um título fácil de obter, porque ela tem duros competidores –Isto É, Época, Caras, Isto é Dinheiro, Quem?, etc., etc. Mas Veja se esmera na arte da vulgaridade, da mentira, do sensacionalismo, no clima de “guerra fria”, em que a revista defende as cores do bushismo no Brasil. A revista, propriedade privada da família Civita, merece o galardão.
Todo país tem esse tipo de publicação extremista, que defende hoje prioritariamente os ideais dos novos conservadores estadunidenses. Herdam os ideais da guerra fria, se especializam em atacar a esquerda, reproduzem as mesmas matérias internacionais e as bobagens supostamente científicas sobre medicamentos, tratamentos de pele, de problemas psicológicos, de educação, para tentar passar por uma revista que atende a necessidades da família.
Seus colunistas são o melhor exemplo da vulgaridade e da falsa cultura na imprensa brasileira. Uma lista de propagandistas do bushismo, escolhidos seletivamente, reunindo a escritores fracassados, a ex-jornalistas aposentados, a autores de auto-ajuda, a profissionais mercantis da educação, misturando-se e mesclando esses temas em cada uma das colunas e nos editoriais do dono da revista. Uma equipe editorial de nomes desconhecidos cumpre a função de “cães de guarda” dos interesses dos ricos e poderosos – que, em troca, anunciam amplamente na revista – de plantão.

O MST, o PT, a CUT, os intelectuais críticos - são seus alvos prioritários no Brasil. Para isso tem que desqualificar o socialismo, Cuba, a Venezuela, assim como tudo o que desminta o Consenso de Washington, do qual é o Diário Oficial no Brasil.
Só podem fazer isso, mentindo. Mentindo sobre o trabalho do MST com os trabalhadores do campo, nas centenas de assentamentos que acolhem a centenas de milhares de pessoas, famílias que viveram secularmente marginalizadas no Brasil. Têm que esconder o funcionamento do sistema escolar nacional que o MST organizou, responsável, entre outras tantas façanhas, de ter feito mais pela alfabetização no Brasil do que todos os programas governamentais. A Veja não sabe o que é agricultura familiar, com sua mentalidade empresarial se soma ao agronegócio, aos transgênicos e à agricultura de exportação. Ao desconhecer tanta coisa, a Veja tem que mentir para esconder tudo isso dos leitores, passando uma imagem bushiana do MST.
Mentem sobre Cuba, porque escondem que nesse país se produziu a melhor saúde pública do mundo, que ali não há analfabetos – funcionais ou não -, que por lá todos tem acesso – além de saúde, educação, casa própria, a cultura, esporte, lazer. Que o IDH de Cuba é bastante superior ao brasileiro.
A Veja tem que mentir sobre a Venezuela, país em que se promove a prioridade do social, com ¼ dos recursos obtidos com o petróleo irrigando os programas sociais. Que o governo de Hugo Chavez triunfou sobre a mídia privada golpista – as Vejas de lá -, pelo apoio popular que granjeou, quando a Veja, defasada – como sempre – já noticiava na sua capa a queda de Chavez. Depois o governo venezuelano derrotou a oposição em referendo previsto na Constituição daquele país, em que os eleitores, no meio do mandato, se pronunciam sobre a continuidade ou não do governo, em um sistema mais democrático que em qualquer outro lugar do mundo.
A Veja mente sobre os efeitos da globalização neoliberal, que concentrou renda como nunca na história da humanidade, que canaliza recursos do setor produtivo para o especulativo, que cassa os direitos básicos da grande maioria da população, que não retomou o crescimento econômico, como havia prometido.
A Veja mente quando anunciou a morte do PT, no mesmo momento em que mais de 300 mil membros do partido, demonstrando vigor inigualável em qualquer outro partido, foram às urnas escolher, por eleição direta, seus novos dirigentes, apesar da ruidosa e sistemática campanha da mídia bushista brasileira.
A Veja mente para tentar demonstrar que a política externa brasileira é um fracasso, quando ninguém, dentre os comentaristas internacionais, daqui ou de fato, acha isso. Ao contrário, a formação do Grupo dos 20 na última reunião da OMC, o bloqueio ao inicio de funcionamento da ALCA – lamentado pela revista bushista.
A Veja mente, mente, mente, desesperadamente, porque suas verdades são mentiras, porque representa o conservadorismo, a discriminação, a mentalidade mercantil, a repressão, a violência, a falsa cultura, a vulgaridade – enfim, o que de pior o capitalismo brasileiro já produziu. Choca-se com o humanismo, a democracia, a socialização, os interesses públicos. Por isso, para “fabricar consensos” – conforme a expressão de Chomsky, a Veja mente, mente, mente, desesperadamente.

*Emir Sader, professor da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), é coordenador do Laboratório de Políticas Públicas da Uerj e autor, entre outros, de “A vingança da História".

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outubro 25, 2005

Cultura não é mercadoria

A Unesco aprovou na semana passada, com pouquíssima repercussão na imprensa brasileira, a Convenção sobre Diversidade Cultural. A resolução foi apoiada por 148 países, com 2 votos contra – EUA e Israel, para quem os intercâmbios culturais deveriam ser regidos pelas mesmas leis do comércio internacional.
Depois de longos anos de debate, finalmente a Unesco aprovou, na semana passada – com pouquíssima repercussão na imprensa brasileira –a Convenção sobre Diversidade Cultural, em sua 33ª Conferência Geral, realizada em Paris. A resolução foi apoiada por 148 países, com 2 votos contra – EUA e Israel – e 4 abstenções – Austrália, Nicarágua, Honduras e Libéria.
Para os EUA, os intercâmbios culturais deveriam ser regidos pelas mesmas leis do comércio internacional, submetidas às políticas de “livre-comércio” da OMC. O debate transcorreu ao longo de duas décadas e meia, quando os EUA, não contentes de dispor de 85% do mercado mundial de cinema, queriam poder estender ainda mais o seu império, para o que necessitariam do desaparecimento das políticas culturais de caráter nacional ou de integração regional, de apoio a projetos, de divulgação ou de cotas de proteção dos mercados nacionais e regionais.
A resistência foi iniciada pelos franceses, em princípio com a definição do que chamavam de “exceções culturais”, mas que evoluiu para a definição da defesa da “diversidade cultural”. Os EUA haviam chegado a abandonar a Unesco, em 1984, descontentes com os rumos que tomava a discussão. Retornaram recentemente, mas encontraram um consenso geral contrário às suas posições, que se expressou finalmente na votação da semana passada.
Aliados dos EUA, como o ex-primeiro ministro espanhol José Maria Aznar, chegaram a expressar o conteúdo das posições de Washington com rara dureza: “a exceção cultural é o argumento dos países culturalmente fracos”, disse ele. Para os EUA, a aprovação da resolução “pode prejudicar a livre circulação de bens e serviços” e “legitimar as violações dos direitos humanos” (sic). Washington pressionou fortemente seus aliados, com argumentos utilizados diretamente por Condoleeza Rice, como os de que deixariam de comprar produtos como arroz, trigo, algodão, importados da América Central. Com isso, conseguiram a abstenção da Nicarágua e de Honduras.
A aprovação da convenção não garante sua imediata aprovação, apenas instaura o marco legal de defesa da diversidade cultural. Mas só terá validade para os países que a ratificarem. Fundamental agora é que, da forma mais rápida possível e pelo maior número de governos, o acordo seja ratificado, para que a hegemonia imperial não imponha sua brutal homogeneidade de forma ainda mais ilimitada ao mundo todo.

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setembro 30, 2005

Que fim levou Paris...

Maio de 1968
Por Marcelo Xavier

1871. Toda a França está ocupada pelo exército prussiano. Ao tentar interferir na sucessão da Espanha, Napoleão III desagradou a Prússia, que mantinha os ibéricos sob sua influência. Os desentendimentos entre o imperador prussiano culminaram na Guerra Franco-Prussiana (1870-71). Durante a progressão do conflito, as tropas francesas sofriam derrotas sucessivas, sendo que o próprio imperador já havia se rendido e se encontrava prisioneiro. Toda a França está ocupada. Toda? Não! Cercado pelo inimigo, os parisienses revoltaram-se num feroz movimento que passou para a história com o nome de Comuna. O fator culminante para a criação daquele estado “citadino” foi a humilhante capitulação dos monarquistas em favor da Prússia. Os adeptos de Napoleão, apoiados pelos camponeses e por grandes proprietários, davam um cavalo para não voltar à revolução social de 1848. Por cinco meses, o inimigo cercou a futura Cidade-Luz. A derrota do exército francês havia selado a guerra. O povo de Paris, ao perceber que o governo provisório (instalado em Versalhes) nada faria por eles, decidiu levantar barricadas, fechando a cidade. Apesar da patriótica resistência, Versalhes já havia assinado a rendição, em janeiro daquele ano. Em conseqüência disso, Paris se fechou para si mesmo, criando um regime político particular contra tudo e contra todos, como os gauleses das histórias de René Goscinny. Em maio de 1871, uma violenta repressão promovida pelas forças reacionárias derrubou as barricadas e tomou a cidade, executando milhares de trabalhadores amotinados: pelo menos 20 mil parisienses foram mortos durante o ataque. Depois que a poeira assentou, ficou um porém: o temor de que, mais cedo ou mais tarde, novas barricadas fossem erguidas. Para evitá-las, a prefeitura destruiu todos os prédios nos bulevares e ruas avenidas centrais foram todas alargadas. Com tamanha largura, seria impossível fechá-las com barricadas. Mas Paris seria sempre Paris — como diria Bogart em Casablanca — e maio seria sempre maio. Quase um século após a Comuna, o atavismo “revolucionário” foi mais forte. Tanto que, nas trágicas noites de 10 e 24 de maio de 1968 — há exatos trinta e cinco anos, nada menos de 40 barricadas foram erguidas nos quartiers da margem esquerda do Sena. Entre recordações nostálgicas dos anos 60 e declarações de desilusão a respeito dos fins e meios daquele momento histórico, a rebelião dos jovens é sempre lembrada.

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O COMEÇO — De 1960 até maio daquele ano (que, segundo Zuenir Ventura, não acabou), surgiu na França um movimento contestatório da juventude contra a sociedade dos seus pais e avós. De acordo com o historiador Alexandre Roche, tal contestação nascia do abandono dos ideais de liberalismo e comunismo, da revolução sexual, da democratização dos costumes, das modificações da Igreja e de uma abordagem existencial da vida. “A França de 1958 era uma sociedade do século 19, sobretudo no interior”, diz Roche. Ele sustenta que, de 1946 a 68, o movimento jovem foi sustentado e impelido por uma explosão demográfica pela qual a França não passava desde os tempos do Iluminismo: em 1964, a proporção de jovens que entravam na universidade deveria ser multiplicada por dez em relação a 1946. “Foi esse peso que deu aos jovens a sua força”, revela.
A Rue d’Ulm, onde fica a Escola Normal Superior, exercia uma grande influência sobre a Universidade. Pensadores daquela instituição liam de Proudhon e Malthus, de Lênin a Taylor e achavam que esses autores seriam tão revolucionários quanto negligenciados. Junto a estes, os métodos de Foucault, Lacan, Barthes, Levi-Strauss e Sartre serviam para que eles criticassem o comodismo e a mistificação. Havia agitação no ar. Roche entende que o movimento se dividiu em três partes: a primeira, com o “Não” otimista, em maio; a utopia e o político, em junho; a contestação sistemática ou o “Não” radical. Os movimentos de abril e maio dividiam facções de esquerda, liberais e conservadores. Também por isso, a tentativa de trazer camponeses e operários ao movimento fracassou e perdeu o combate. Por fim, veio a última fase do conflito, a esquerda, solitária e radical, libertária, anarquista, maoísta, guevarista, socialista, comunista e sem poção mágica, foi atacada pela polícia, perseguida, detida, condenada e desterrada. Como em 1871, a esquerda do “Nós Iremos até o Fim” e do “Início de uma Luta Prolongada” acabou pagando caro por suas utopias.
A HISTÓRIA — A guerrilha urbana de maio de 68, em Paris, começou dois meses antes na Universidade de Nanterre, por um motivo reles: em março, a reitoria da instituição (12 mil alunos) baixou norma proibindo que rapazes visitassem moças em seus dormitórios. De carona, um jovem estudante judeu-alemão, Daniel Cohn-Bendit, reuniu um grupo de cem colegas, e invadiu a secretaria da escola. Assustado com a represália, o reitor Pierre Grappin suspendeu as aulas chamou a polícia. O incidente foi, de início, apenas um fato isolado. Porém, foi ali que nasceu a estrela de Bendit no meio estudantil, que se transformou em Dany le Rouge (Daniel o Vermelho, por causa da cor dos seus cabelos), um Robespierre de centro acadêmico. Ele era bolsista do governo alemão, filho de pais judeus que emigraram para a França fugindo do Nazismo. Contra a estudantada de esquerda, um grupelho fascista, formado por ex-pára-quedistas, o Occident, apelava para a ignorância seus adversários. Estes, não se intimidavam: enchiam as paredes brancas da universidade com grafites. Muitos ficaram famosos: Aqui termina a liberdade! Nem Mestre nem Deus! O Vietcongue vencerá! Amemo-nos uns sobre os outros. Somos todos enragés (raivosos). E o mais célebre: Corre, camarada, o velho mundo está atrás de ti!... No dia três, os estudantes de Nanterre organizam uma manifestação na Sorbonne. No local, corria o boato de que os baderneiros do Occident pretendiam invadir a escola. Logo, esquerdistas ululantes começam a demolir classes e mesas. Rilham os dentes e se armam. A polícia é chamada. Conflitos entre estudantes e a tropa de choque ocorrem no Quartier Latin. No rabo de arraia, a polícia faz 596 prisões.
Para organizar a arruaça, os estudantes precisavam de um líder. No meio da bagunça, La Rouge aparece, entre apupos e assovios. É Daniel Cohn-Bendit, que conclama a todos, e discursa: “A Sorbonne deve transformar-se numa nova Nanterre!”. Os aplausos chegam aos ouvidos até então ensurdecidos do reitor Jean Roche, que toma uma decisão inédita na história da Universidade de Paris: escreve ao Comissariado de Polícia do Quartier Latin exigindo medidas para acabar a patacoada naquela histórica instituição. À tarde, é a vez dos gendarmes invadirem o pátio da faculdade, como iconoclastas furibundos. Se Deus não existe, tudo é permitido. No rescaldo do dia seguinte, as aulas são suspensas, a União dos Estudantes da França (Unef) e o Sindicato Nacional de Ensino Superior (Snesup) convocam greve por tempo indeterminado.
Seis de maio de 1968. Cresce a escalada da violência em Paris. Uma multidão sobe a Rue St. Jacques, disposta a retomar a Sorbonne ocupada por policiais. Rodolfo e Mimi não viveram para ver a cena: La Rouge, Alain Geismar (secretário do Snesup) e Jaques Sauvageot (vice-presidente da Unef) lideram mais uma baderna no Quartier Latin. As primeiras barricadas aparecem. Um poderoso efetivo da tropa de choque impede-lhes a passagem. A batalha começa. De um lado, rapazes e moças jogam nos policiais paralelepípedos arrancados das ruas. Estes respondem com granadas de gás lacrimogêneo. A vanguarda dos estudantes é formada por rapagões, a cabeça protegida por capacetes de moto. As moças repõem a munição, com paralelepípedos e pedras. Durante a batalha, que durou quase duas horas, 350 policiais foram feridos, a maioria com fraturas. Os estudantes se aperfeiçoam: protegem os olhos com óculos de mergulhadores e bicarbonato de sódio, como antídoto contra o gás. Rádios portáteis transmitem-lhes ordens da liderança. É o prenúncio das barricadas que deixariam Paris em chamas nas noites de 10 e 24 de maio.
Naquela altura, a cobertura do incidente pela Imprensa (eram mais de mil repórteres, a maioria pega de surpresa) foi realizada apenas por emissoras periféricas, com transmissores localizados em Luxemburgo ou em Monte Carlo, e com unidades móveis em Paris. Com o silêncio da Office de la Radio Télévison Française, (ORTF, estatal), os franceses só ficaram sabendo da situação “por fora”. Censura? O constrangimento foi tanto que, envergonhados e revoltados, seus funcionários se declararam em greve geral em prol da liberdade de informação.
Um dos 1.434 correspondentes da rebelião é o jornalista Flávio Alcaraz Gomes, que escreveu A Rebelião dos Jovens (editora Globo, esgotado) sobre os incidentes de maio em Paris. Enviado à Cidade-Luz para cobrir uma conferência diplomática, se viu no meio de uma guerra civil. Como testemunha ocular, ele pôde descrever, com riqueza de detalhes, o que aconteceu durante a balbúrdia estudantil de 1968: “Acabei de despachar pelo teletipo meu serviço para o Correio do Povo e volto ao Boulevard St. Michel, foco da rebelião. Uma multidão de jovens está entrincheirada em pelo menos 20 barricadas, de onde grita insultos contra o governo. 'De Gaulle assassino’ é a frase repetida em uníssono. A Polícia se decide: é preciso 'limpar' o quartier antes de o dia nascer. 2h50min. A polícia ataca. Parece uma carga de infantes medievais. A primeira barricada, na metade da avenida, cai com pouca resistência. As próximas ao Jardim de Luxembourg, porém, parecem inexpugnáveis. Quando as tropas se aproximam, são recebidos com uma saraivada de pedras e por dezenas de automóveis incendiados, jogados lomba abaixo. Gente chora, devido ao gás e às pancadas. Sirenes rasgam a noite. Fogueiras por toda parte. Moços e moças bradam desesperados por socorro - e a guerra prossegue até às 6h da primeira manhã em que Paris esteve em chamas”.
A Paris dos amantes agora arranca paralelepípedos das ruas e enche os muros de dizeres: Soyez solidaires et non solitaires! (Sejam solidários, e não solitários!); Même si Dieu existait il faudrait le supprimer (Mesmo se Deus existisse, seria preciso suprimi-lo); À bas les journalistes e ceux qui veulent les ménager (Abaixo os jornalistas e aqueles que querem manejá-los); Les syndicats sont des bordels (Os sindicatos são bordéis); La liberté est le crime qui contient tous les crimes (A liberdade é o crime que encerra todos os crimes); Ceux qui font les révolutions à moitié ne font que se creuser un tombeau (Aqueles que fazem as revoluções pela metade nada mais fazem do que cavar seu túmulo); E, destacando-se das demais, a que ficou como marca registrada: Défense d`interdire! (É proibido proibir).
“CHIENLIT” — A segunda noite das barricadas aconteceu a 24 de maio de 1968, logo depois de o presidente Charles de Gaulle ter proposto um referendo para decidir se permaneceria ou não no governo. Ao mesmo tempo, o movimento estudantil tentava contaminar os operários. Uma semana antes, centenas de fábricas foram ocupadas pelos trabalhadores. No dia 20, o número total de grevistas chagou a 10 milhões. La Rouge foi proibido de permanecer na França. Dois dias antes, a oposição não conseguiu obter votos necessários para a moção de censura a Georges Pompidou, primeiro-ministro, na Assembléia Nacional. Estudantes se manifestam contra a expulsão de Cohn-Bendit. Um a um, os serviços públicos essenciais interrompiam o trabalho. O aeroporto de Orly fechou. Os vôos eram obrigados a descer em Le Bourget. Mas as coisas se complicaram mesmo quando as garotas do famoso cabaré Lido declararam-se também em greve.
Flávio Alcaraz Gomes conta que ele também viu elementos estranhos ao movimento estudantil infiltrarem-se em seu meio, usando motosserras. “Em questão de minutos, os plátanos centenários do boulevard Saint Michel eram abatidos para engrossar as barricadas, nas quais se empilhavam móveis, pedras e automóveis”, revela. “Ao mesmo tempo, outros grupos profissionais, empregando compressores de ar, literalmente descascavam a rua, retirando-lhes os paralelepípedos, para munição dos rebelados”. Após a convulsão, a Prefeitura de Paris passou a asfaltar todas as ruas e avenidas. Foi nesse momento que, voltando de uma viagem à Romênia, De Gaulle, furioso, exclamou: “La réforme oui, la chienlit non”. Pouca gente entendeu o chienlit. Depois, descobriram: defecar no leito. “É o que o general-presidente iria evitar que acontecesse”.
Nas catacumbas, o Partido do Medo se insurgia. Não possuía programa nem estatutos, mas se transformou na mais poderosa agremiação política do país. Seus integrantes eram a maioria silenciosa, que temia o pior. “Nos dias imediatos à segunda noite das barricadas, porém, de Gaulle parecia um moribundo ao ver as dificuldades internas derrubarem seus sonhos de liderança européia”, conta Alcaraz.. “Por mais que seus porta-vozes literários e filosóficos alardeiem o contrário, o francês é um dos povos mais aburguesados do mundo, e a perspectiva de ver instalada em sua terra uma república anárquico-vermelha começou a deixá-lo em pânico. A reação não tardaria a se fazer sentir”.
REI POSTO — Terça-feira, 28 de maio. De Gaulle não dá mais sinal de vida. François Mitterand, então presidente da Federação da Esquerda e adversário do general desde a Resistência, propõe a formação de um governo provisório dirigido pelos esquerdistas coligados. Também se apresenta candidato à Presidência da República. Já Pierre Mendès-France, ex-primeiro-ministro da 4a República, declara-se também candidato. “Tudo é procedido e divulgado como se a França estivesse acéfala e o seu velho rei, morto, a majestade perdida”, analisa o jornalista. A situação torna-se mais explosiva quando, naquela noite, cruzando a fronteira e com o cabelo pintado de preto, Dani (agora ex-vermelho) instala-se na Sorbonne e convoca a imprensa para proclamar o óbvio: a anarquia tinha se instalado na França.
Paris, 28 de maio de 1968. A França está paralisada. Nas ruas, multidões de estudantes e de operários (em manifestações distintas, já que os trabalhadores consideram a estudantada um bando de filhinhos de papai) substituem o slogan “De Gaulle assassin” por “De Gaulle démission”. As pessoas abandonam as cidades. De repente, o suspense e, logo, o pânico: De Gaulle havia desaparecido. No dia anterior, sindicatos, empresários e governo negociavam um acordo que previa aumento de salários, redução de horas de trabalho e a participação dos trabalhadores na gestão das empresas. No dia 29, todos souberam: De Gaulle havia partido secretamente para Baden-Baden. O objetivo era encontrar-se com o general Massu e os principais comandos, num quartel-general das forças armadas francesas na Alemanha. Fez um apelo dramático: ou o Exército o apoiava ou a subversão totalitária tomaria conta do país. Os oficiais se comoveram, e o general Metz, comandante da praça de Paris, jurou lealdade ao presidente.
“RETOUR A LA NORMALLE” — De Gaulle sentiu-se vencedor. Voltando do encontro secreto, o primeiro mandatário francês dirige-se à nação pelo rádio e televisão. Com firmeza, anuncia a dissolução da Assembléia nacional e diz que não renuncia e convoca eleições gerais, que são realizadas em dois turnos, a 23 e 30 de junho de 1968. No mesmo dia, cerca de 800 mil pessoas manifestam-se em apoio a De Gaulle em Paris. A rebelião dos jovens passou a ter seus dias contados. No dia 31 de maio, governo é reorganizado. A nova equipe tem 19 ministros e secretários de Estado remanescentes da anterior, mas doze deles apenas trocam de função — é o chamado ‘seis por meia-dúzia’. Como dizia um cartaz, com um desenho de um rebanho de ovelhas, afixado na Sorbonne: de volta à normalidade.
A pá-de-cal na Rebelião de Maio ficou a cargo da maioria silenciosa, quando o Partido do Medo demonstra a sua pujança. Concluídas as apurações, os resultados foram surpreendentes: os gaullistas conquistam 297 das 387 cadeiras no parlamento. Seus aliados Republicanos, 53, e as esquerdas reunidas, 137. O Partido Comunista tem seus 73 assentos reduzidos a 34 e a Federação da Esquerda, do ex-candidato-a-candidato François Mitterrand, que antes da crise tinha 121 deputados, consegue eleger apenas 57. Falando ao France Soir, seus inconsoláveis líderes praguejam: “Pagamos pelas barricadas que não erguemos”.
CONCLUSÕES — Flávio Alcaraz Gomes conta em suas memórias que, terminada a guerrilha de maio de 1968, partiu em peregrinação profissional pela Europa, retornando a Paris um mês mais tarde. “Quando desci no aeroporto de Orly, completamente normalizado, e dali me dirigi ao meu bairro - o Quartier Latin - fui percebendo, ao longo dos 14 quilômetros do caminho, que as coisas haviam mudado. As bandeiras vermelhas e negras tinham sumido”, descreve. Em seu lugar, guirlandas tricolores drapejavam ao vento ameno de uma primavera a substituir o inverno de sombras e de medos de maio. “Desço o boulevard Saint Michel e o noto fisicamente diferente: seus plátanos centenários, serrados criminosamente pelos anarquistas, estavam substituídos por mudinhas novas, e o antigo calçamento de paralelepípedo coberto por espessa camada de asfalto para evitar que fosse novamente descascado. Sorbonne e Odeon estavam fechados para reparos. Enfim, as mudanças aparentes eram essas. E as mudanças essenciais: teriam elas acontecido na cabeça das gentes?”.
O filósofo Allain Finkielkraut, que participou das manifestações, entende que era preciso “desestabilizar certas convenções e denunciar uma certa ordem repressiva” mas, segundo ele, não se pode exagerar a importância de maio. “A substituição do ideal hedonista pelo ideal ascético estava inscrita na propaganda da nossa sociedade”, explica. “O episódio acelerou um processo já em curso, ligado ao individualismo”. Para Finkielkraut, 1968 não foi uma revolução: “o movimento surpreendeu os próprios atores, não foi fomentado”, entende o filósofo. “Isso explica em parte a nostalgia existente. Acontecimento é o termo mais adequado como definição”. A respeito dos “atores”, Flávio Alcaraz tece sua crítica no sentido de que os protagonistas da revolta, como Cohn-Bendit, se transformaram num ícone mais do lirismo da aura de 68 do que num homem que manteve sua convicção ao espírito de Maio.
O próprio Dani le Rouge se defende. Hoje ex-prefeito-adjunto de Frankfurt e deputado europeu eleito pelo Partido Verde alemão, Cohn-Bendit corrobora a tese de que, como todos, foi pego de surpresa pelos acontecimentos e entende que a revolução é um fantasma das sociedades: para ele, elas só precisam mudar. Quanto à batalha campal pelas ruas de Paris, ele acredita que elas são “falsas”: “elas não são nada comparadas com as revoltas de camponeses, ainda atuais”. Ao invés de revolução, a revolta juvenil canalizou perspectivas. “[1968] abriu uma brecha para um movimento social heterogêneo que procurava expressar-se”, revela. Sobre o “fracasso” eleitoral, ele defende que não havia força capaz de fazer a revolução, muito menos capaz de obter maioria parlamentar. “Até os que participaram da greve geral acabaram votando em De Gaulle: não queriam comunistas no poder, e Mitterand entendeu que uma esquerda radical jamais seria maioria”, diz le Rouge. “Perdemos no [terreno] político, mas ganhamos no sócio-cultural”, conclui.

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agosto 10, 2005

A verdadeira Mary Pop

Filosofia agora é pop
Por Ana Santa Cruz e Rodrigo Brancatelli

Antes relegada aos círculos acadêmicos, a filosofia cai no gosto de artistas, empresários, socialites e estudantes. O interesse pelo assunto leva à multiplicação de cursos ministrados por professores de renome, traduz-se na vendagem de livros de linguagem acessível e até pela expansão de práticas contestadas de aconselhamento filosófico e filosofia clínica...
A empresária e socialite Yara Baumgart, freqüentadora assídua das páginas de Caras, fez. A atriz Claúdia Abreu, a malvada Laura da novela “Celebridade”, faz. O ex-jogador de futebol e neo-ongueiro Raí vai fazer. Yara formou-se recentemente pela PUC de São Paulo. A atriz divide-se entre os estúdios de gravação de novelas e os bancos acadêmicos da PUC do Rio de Janeiro, onde cursa o quarto ano. Raí foi atrás de uma solução mais imediatista em vez de ralar quatro anos em uma universidade: matriculou-se em uma das turmas do curso “Os Pensadores” da Casa do Saber, instituição comercial inaugurada no ano passado em São Paulo e que vai de vento em popa na missão de dar um lustre no conhecimento durante encontros quinzenais, mediante o pagamento de R$ 630.
Yara, Cláudia e Raí são alguns dos nomes mais célebres entre o crescente número de interessados em conhecer a fundo a tal da filosofia. Nos últimos anos, formar grupos sob a orientação de um professor para discutir o pensamento de nomões como Decartes, Kant e Nietzsche extrapolou o ambiente das universidades e, digamos, ganhou as ruas. “Hoje é até ‘in’ estudar filosofia”, diz Renato Janine Ribeiro, professor titular de Ética e Filosofia Política na Universidade de São Paulo e colaborador da AOL do Brasil. E por que isso acontece? “Porque quando se atende às necessidades básicas, a indagação atinge outro nível. Quem se questiona não o faz porque precisa sobreviver. Faz isso porque chegou a um patamar tal de qualidade que pode ir adiante e pensar: ‘O que vou fazer?’, ‘O que vou ser?’. Estas são questões essencialmente filosóficas.”
A busca por respostas alavanca as vendas de livros de filósofos cujo trabalho é direcionado aos leigos. Na Europa, o maior expoente é Alain de Botton. Suíço radicado em Londres, Botton, de apenas 34 anos, mescla seus ensinamentos com uma boa dose de humor ao tratar de questões cotidianas que atormentam a humanidade desde que o mundo é mundo. Em um de seus mais recentes livros, “Consolações da Filosofia” (Editora Rocco), invoca Sócrates, Epicuro, Sêneca, Montaigne, Schopenhauer e Nietzsche para falar de falta de dinheiro, da dor do amor rejeitado, do sentimento de inadequação na sociedade, da ansiedade, do medo de falhar.

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Friedrich Wilhelm Nietzsche: caindo no gosto de socialites, tornando-se "in" e rentável.

Há quem goste do estilo ligeiro e bem humorado de Botton mesmo entre os acadêmicos. “Ele é hábil com idéias. Tanto por traduzir com inteligência os sentimentos inenarráveis do cotidiano quanto por produzir livros filosóficos com linguagem acessível e suscinta”, elogia João Paulo Mascarenhas, professor de filosofia da PUC de São Paulo. Mas a opinião favorável ao autor suíço não é compartilhada por Renato Janine Ribeiro. Ele faz restrição a títulos do tipo “Como Proust pode mudar sua vida”, um dos best-sellers do filósofo Alain de Botton. “Não gosto dos livros no formato de manual que pretendem ensinar apresentando resultados ou soluções. Interessante é o livro de introdução à filosofia que familiariza o leitor com a matéria por meio da dúvida”. O professor paulista também evita apontar obras de introdução que distinguem teses e escolas, o que resulta em algo pesado. Um dos caminhos indicados por ele para os leigos é procurar livros pelos quais o leitor se apaixone. Um exemplo? “O mundo de Sofia”, best-seller de Jostein Gaarder, que ficou na lista dos mais vendidos durante meses no Brasil. “O bom destas obras é que elas ajudam o leitor a identificar o segundo passo: que filósofo ler”, diz Janine Ribeiro.
Na mesma linha de Allain de Botton, há o canadense Lou Marinoff, professor da City College de Nova York, e autor de quatro livros, todos best-sellers. Seu título mais famoso, “Mais Platão, menos prozac”, foi publicado em 20 países. No Brasil, foi editado pela Record e traz apresentação de... Paulo Coelho! Por aqui, o livro já está na sexta edição e vendeu 15.466 cópias. Este número o torna um sucesso editorial. Além de viver dos direitos autorais de suas publicações, Lou Marinoff também faz palestras em empresas e em eventos especialíssimos como o Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça, e se dedica a um novo ramo de atividade: o aconselhamento clínico. Trata-se de prática que consiste em uma sessão parecida a de psicanálise, na qual o cliente que o procura é bombardeado por perguntas e instado a fazer outras tantas a si mesmo em busca de solução para determinada angústia ou problema. O preço cobrado por sessão é de 100 dólares, valor correspondente ao de uma tradicional sessão de psicanálise.
Pela prática do aconselhamento filosófico, Marinoff tem sido muito atacado. A principal crítica pode ser resumida na pergunta: como pode um filósofo, portanto, uma pessoa sem treinamento médico, saber se o problema que aflige um cliente não requer intervenção de um médico? A reportagem da AOL fez a pergunta ao canadense (clique aqui e leia a entrevista completa). Sua resposta: “Filósofos são altamente treinados na arte do diálogo, do questionamento, na arte do pensamento crítico. O que fazemos com as pessoas que nos procuram é ter certeza de que elas realmente têm um problema filosófico e não um de ordem médica. É exatamente isto que fazemos na primeira sessão: descobrimos o motivo que faz com que elas venham a nós”.
A maneira consolidada da prática do aconselhamento filosófico surgiu em 1981, na Alemanha. O primeiro filósofo a dar consultas particulares foi Gerd Achenbach. Como parte de um programa de prevenção ao suicídio ele se pôs à disposição de quem quisesse conversar sobre suas angústias. O filósofo alemão não chegou a elaborar um método de atendimento e até hoje ataca as pessoas que, como Marinoff, usam a filosofia com a finalidade de cura.
Mesmo à revelia de Achenbach, a prática se disseminou pela Europa, pelos Estados Unidos e pela América do Sul. No Brasil, um dos seguidores é o filósofo gaúcho Lúcio Packter que introduziu e radicalizou a prática em Porto Alegre, em 1994. Packter explica o que faz: a pessoa procura um filósofo com uma angústia, e o filósofo, dependendo da natureza da queixa, pede o exame de um clínico geral. “Às vezes uma pessoa apresenta dores de cabeça, ansiedades, angústias e isso é o resultado de choques internos graves. Ficam depressivas porque querem fazer algo que entra em choque com seus valores. O filósofo pode ajudar neste ponto”, diz Packter.
Diante das críticas sobre o perigo potencial de um filósofo tratar com palavras quem precisa de ajuda especializada ele responde: “A filosofia é, por natureza, polêmica por si só. O filósofo aprende desde a graduação a questionar os outros, a se questionar e a ser questionado”. Packter já treinou mais de duas centenas de colegas na mesma prática e faz, em média, de cinco, seis palestras em universidades de todo Brasil todos os meses. Ou seja, ele repete o mesmo caminho trilhado por seus colegas Allain de Botton e Lou Marinoff, transformando a filosofia em um negócio rentável. Algo que provavelmente o pai dos filósofos, o grego Sócrates, nunca imaginou que pudesse acontecer.

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junho 21, 2005

Inveja do Brasil
por Marilene Felinto

Os grandes invejosos: a imprensa brasileira golpista, a Argentina e o PSDB das baratas tontas. Não porque o país esteja às mil maravilhas, mas apenas porque vem se dando muito bem (como nunca se deu) em alguns setores específicos.
A imprensa golpista, a serviço dos interesses da classe dominante, e por não ter ainda conseguido derrubar um governo como o do PT de Lula, inventa crises todos os dias e a cada movimento do governo.
Uma das últimas da central de fabricação de mentiras da imprensa golpista (encabeçada pelo jornal Folha de S. Paulo e macaqueada pela TV Bandeirantes e outros órgãos de mídia jornalística de péssima qualidade) foi uma suposta “briga” entre o presidente Lula e o argentino Néstor Kirchner, por ocasião da cúpula dos países árabes e sul-americanos que ocorreu em Brasília, em maio último. Apontavam-se, entre os motivos, “a política de independência do Brasil”, que preferiria “relações mais estreitas com o eixo Sul-Sul”, ou o “papel central que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva quer exercer na região”, ou a “falta de apoio do Brasil à Argentina junto ao FMI”.
A imprensa golpista não somente fez de tudo para subestimar a importância do encontro de cúpula entre árabes e sul-americanos como tentou tirar o foco de evento tão importante e inédito na história do Brasil. Tentou reduzir o encontro a uma falsa crise entre Lula e Kirchner. Logo após a cúpula, o próprio Kirchner desmentiu a especulação. Em entrevista ao jornal espanhol La Vanguardia, no final de maio, ele disse que “com o presidente do Brasil” tem “uma excelente relação e muito mais concordâncias do que se acredita. O que acontece é que sempre a disputa comercial entre os países encobre tudo”.
Então, o ponto é este: a Argentina se ressente com o sucesso da economia e da política externa brasileiras. Mas é claro que a imprensa golpista não diz isso - porque teria de admitir que o governo Lula está transformando o Brasil numa potência comercial; porque teria de admitir que o governo que eles (imprensa golpista, a serviço dos interesses da classe dominante e da oligarquia do PSDB) pensavam derrubar em seis meses não se revelou o que eles professavam. Muito pelo contrário.
Elementos da potência brasileira: o quinto maior país do planeta em superfície, que pode se tornar, dentro de dez anos, o principal produtor agrícola mundial. “As realizações (do Brasil) no campo da agricultura são desde já impressionantes: primeiro produtor e exportador mundial de açúcar, de café, de suco de laranja, primeiro exportador mundial de tabaco, de carne bovina e de frango, e segundo exportador de soja”, afirmava o impressionado jornal francês Le Monde, em 24 de maio último. E acrescentava: “No total, ele (o Brasil) sobe para o terceiro degrau do pódio, atrás dos Estados Unidos e da União Européia”.
A Argentina, um país meio metido a europeu, hoje desprestigiado e sem credibilidade no mundo, com sua economia no fundo do poço, tem inveja de que a verdadeira potência da América do Sul seja o Brasil. Essa rivalidade é antiga, mas nem por isso estabelece atualmente uma “crise” entre os dois países. As relações comerciais no Mercosul estão em franca expansão.
Se houve (ou deveria ter havido) um “conflito” recente entre Argentina e Brasil, foi pela agressão racista de um jogador de futebol argentino contra o brasileiro e são-paulino Grafite. Mas, como a imprensa brasileira golpista não existe para defender o direito de pretos e pardos, tratou o escândalo a seu modo blasé (do mesmo modo que as confederações de futebol), condenando, muitas vezes, o jogador brasileiro por ter “exagerado” ao denunciar criminalmente o argentino Desábato. Ora, a Argentina é um país branco, majoritariamente racista e cuja história também é marcada pelo extermínio puro e simples de negros africanos. Quem é preto ou pardo e já sofreu discriminação de argentinos sabe do que estou falando.
Num artigo para a agência Argenpress, de 2004, intitulado “Africanos em Buenos Aires - Os Outros Desaparecidos”, Roberto Morini afirma que a Argentina branca conseguiu ocultar bem seu passado de escravidão africana, mas que não pode esconder as marcas do racismo que ressurgem da história a todo momento. Morini conta que, em 1810, os negros eram um terço da população de Buenos Aires, mas que em apenas cinqüenta anos já tinham praticamente desaparecido. Segundo Morini, “o fim da escravidão só serviu para exterminá-los” e “somente nos últimos anos do século 20 pôde-se observar uma tímida recuperação da visibilidade do africano em Buenos Aires”.
As conquistas brasileiras obtidas na esfera internacional, tanto na política quanto no comércio, estão entaladas na garganta da imprensa brasileira golpista e do partido a que ela serve - o PSDB paulista das baratas tontas Fernando Henrique Cardoso, Geraldo Alckmin e José Serra. Em composição com a imprensa também paulista, eles dançam miudinho para tentar desestabilizar tanto sucesso. Basta citar, na lista de sucessos, a recente vitória brasileira na Organização Mundial do Comércio, no caso do açúcar, derrotando a poderosa União Européia e conseguindo com que os produtores brasileiros reduzam pela metade os preços de seus produtos para vendê-los em igualdade de condições no mercado internacional. Conquista inédita, quase inacreditável, reveladora do dinamismo e da inteligência da política externa chefiada pelo ministro Celso Amorim - um diplomata de verdade, o oposto do marasmo paralisante dos homens de FHC nessa área. Quem não se lembra da subserviência do então ministro das Relações Exteriores, Celso Lafer, que tirou os sapatos num aeroporto europeu para ser revistado?! Foi nessa posição de humilhação que o governo FHC sempre colocou o Brasil no mundo.
O PSDB e a imprensa golpista que o apóia são uma oligarquia de gente colonizada, maquiada de erudição. Exemplo do espírito de colonizado da imprensa golpista: em 25 de maio último, na edição noturna do Jornal da Band (TV Bandeirantes), o âncora Carlos Nascimento perguntou ao comentarista Joelmir Beting: “Há mesmo tanta importância em o Brasil vir a ocupar uma cadeira no Conselho Permanente de Segurança da ONU?” Beting respondeu algo como: “Isso é mais para provocar ciúmes na Argentina”. Pasmem com tamanha manipulação, com tanto desserviço, tanta desinformação e ignorância!
E não se pode esquecer da cobertura revoltante da imprensa golpista quando da Cúpula de Países Árabes e Sul-Americanos. Trata-se de uma imprensa antiárabe, antipalestina, que fez de tudo para minimizar a importância do encontro, para desqualificar o esforço do governo para a organização de evento tão complexo e de desdenhar a aproximação entre essas populações do mundo. O jornal Folha de S. Paulo, na voz de seus colunistas golpistas (leiam-se, como exemplo, os textos de Eliane Catanhede sobre essa cobertura), babou manipulação de todo tipo, sempre defendendo Israel e Estados Unidos, como se o evento tivesse sido montado contra esses dois países irmãos carnais na belicosidade. Não foi. Ninguém estava interessado em Israel e Estados Unidos. Ali, o que interessava eram os árabes e os sul-americanos - pela primeira vez na história. Ponto final. É isso que eles, colonizados e invejosos, não conseguem engolir.

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maio 05, 2005

Habemus então...

Um alemão conservador
Por José Luis Fiori

Primeiro, foi a derrota de John Kerry, nos Estados Unidos, e agora, a vitória de Joseph Ratzinger, no Vaticano, dois revezes contundentes para os liberais de todo o mundo. Muitos supunham que depois do primeiro governo Bush, e do longo papado conservador de João Paulo II, seria hora dos liberais voltarem ao poder, segundo uma regra de alternância que muitos analistas consideram indispensável ao equilíbrio dos sistemas, como na fantasia dos economistas. Mas o que aconteceu foi exatamente o contrário, e no caso do Vaticano, o novo papa alemão tem um perfil ainda mais radical e intolerante do que seu antecessor.
Não é fácil de explicar a vitória de Ratzinger, mesmo quando se saiba do poder que detinha dentro do colégio eleitoral que foi nomeado - quase todo - pelo seu antecessor. De um ponto de vista menos institucional ou eclesiástico, entretanto, uma primeira pista para explicar esta continuidade conservadora pode ser encontrada na própria fragilidade intelectual dos seus adversários. Basta ler com atenção as suas respectivas agendas e propostas para perceber que os liberais alinhados em torno do Cardeal Carlo Maria Martini, assim como os que apoiaram a candidatura de John Kerry, não foram capazes de oferecer uma alternativa concreta à agenda conservadora mundial destes últimos 30 anos. Como se os liberais também tivessem sido atingidos pela epidemia ou anemia que dizimou o pensamento social-democrata, na década de 1990.

Da perspectiva desta hegemonia conservadora das últimas décadas, a escolha de Ratzinger aparece como um ponto apenas dentro de uma trajetória política e ideológica de mais longo prazo, que chega até os “neoconservadores” do governo Bush, mas que começa em Roma, exatamente na hora em que o Vaticano surpreendeu o mundo católico – em 1978 - ao transformar um cardeal obscuro, proveniente de uma das comunidades católicas mais reacionárias e piegas da Europa, no Papa João Paulo II. Sua eleição foi o verdadeiro ponto de partida ideológico deste longo período conservador que se prolonga até hoje, começando na forma de uma resposta aos movimentos emancipatórios dos anos 60 e à grande crise econômica da década de 70. Para ser fiel as datas, Karol Wotjyla foi eleito em 1978, Margareth Thatcher , em 1979, Ronald Reagan, em 1980 e Helmut Khol, em 1983. Suas eleições não fizeram parte de uma mesma estratégia, nem obedeceram a uma cadeia coordenada de comando ou decisão. Mas todos eram profundamente conservadores, e suas idéias e ações convergiram em torno de uma mesma estratégia anti-comunista, criando-se uma força política e ideológica coesa que derrubou o mundo socialista, atravessou os anos 90 e chegou até os nossos dias cada vez mais conservadora, autoritária e expansiva. Já se estudou e falou muito das transformações econômicas, financeira e geopolíticas que começaram com a crise mundial dos anos 70, em particular das reformas e políticas neo-liberais, mas talvez não se tenha dado a devida atenção à dimensão cultural e religiosa desta expansão vitoriosa dos conservadores, pelo menos até o momento em que o fundamentalismo religioso se transformou no grande cabo eleitoral da reeleição de George Bush, em 2004.
É reconhecido o papel de João Paulo II na luta e na desmontagem do mundo comunista, sobretudo na região da Europa central. Alguém já disse que se não fosse por Wotjyla, não teria havido o sindicato Solidariedade, e se não fosse por causa da existência do Solidariedade, não teria havia eleições na Polônia, e se não fosse pelas eleições polonesas não teriam existido as “revoluções de veludo”, que devolveram a Europa central ao “ocidente cristão”. Mas depois disto, se discutiu pouco a importância do conservadorismo moral de João Paulo II, e da intolerância teológica de sua Cúria Romana, na recomposição das energias expansivas do conservadorismo ocidental, que hoje alimenta o discurso e pratica messiânica do governo norte-americano de George Bush. Neste sentido, é interessante agregar a este quadro alguns outros acontecimentos que ocorreram de forma independente, naquele mesmo momento da “virada à direita” do “mundo ocidental”, entre 1978 e 1983. Acontecimentos que apontavam, entretanto, na mesma direção da intolerância religiosa e da escalada militar. Basta relembrar, a revolução xiita, no Irã, em 1979; a invasão do Irã pelas tropas sunitas de Saddam Hussein, em 1980, apoiadas e sustentadas pelas armas químicas e biológicas dos Estados Unidos e de vários países europeus; o aparecimento dos talibãs no Afeganistão, e, finalmente, em 1982, a “invasão preventiva” do Líbano pelas tropas de Ariel Sharon, que culminou com o célebre massacre dos palestinos, nos campos de refugiados de Sabra e Shatila. Quatro acontecimentos militares de forte conotação religiosa que se transformaram em peças do tabuleiro onde foi se armando, aos poucos, mais do que uma restauração conservadora, uma verdadeira “escalada aos extremos” teológicos – e as vezes militares - das religiões ocidentais que C.J.Jung e A.Toynbee chamaram de “extrovertidas”, ou seja, com vocação apostólica e conquistadora, ao contrário das religiões orientais que seriam essencialmente “introvertidas” e não expansivas.
Desta mesma perspectiva, a escolha de um papa alemão e conservador também tem um outro significado complementar: assim como Wotjyla foi escolhido pelos olhos estratégicos do Vaticano e das demais potências ocidentais com vistas a conquista do mundo comunista, Ratzinger foi eleito para unificar e recristianizar a “velha Europa”, segundo a proposta de João Paulo II, apresentada em Santiago de Compostela, na Espanha, em 1982. Este objetivo central explica seu apelo imediato ao diálogo entre as religiões cristãs e os judeus, e ao esquecimento do seu texto Dominus Iesus, publicado em 2000, defendendo a superioridade e inevitabilidade do catolicismo como caminho da salvação. Este mesmo projeto explica sua resistência explicita à incorporação da Turquia à União Européia. As críticas de Ratzinger ao relativismo, ao individualismo, ao consumismo e ao agnosticismo, feitas na sua homilia “pro-eligiendo”, que foi uma espécie de carta de princípios e programa eleitoral publicado na véspera da reunião do colégio de cardeais, foi uma crítica direta ao “amolecimento espiritual” da Europa, afogada num hedonismo laico, egoísta e desfibrado. Em Ratzinger, está sempre implícita a visão de uma União Européia que engordou excessivamente e perdeu sua capacidade de decisão e ação coletiva, gerida por partidos e lideranças políticas liberais e social-democratas sem idéias claras, sem energia e sem capacidade de liderança mundial. Como um velho alemão, conservador e teólogo, Ratzinger acredita na necessidade de voltar às raízes últimas da unidade e da força européia, o Santo Graal onde se escondem as primeiras verdades do cristianismo, imbatíveis e inegociáveis. Nesse sentido, Ratzinger defende para a Europa como para toda a Igreja Católica – mesmo que seja em sentido metafórico - um período de volta aos monastérios, onde seus povos e seus líderes recuperem a força espiritual capaz de recolocar a Europa na liderança mundial, por cima do fundamentalismo protestante dos norte-americanos. Sua meta é de longo prazo, e não se restringe apenas ao projeto de democratização ou conversão do “Grande Oriente Médio” dos neo-conservadores de Washington. Na verdade, seus olhos catequéticos ou conquistadores estão postos num horizonte mais longínquo, no imenso pedaço do mundo eurasiano onde o Papa João Paulo II não colocou os pés e onde as religiões “introvertidas” são hegemônicas, mas não tem pretensões expansivas.

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abril 19, 2005

E o corpo, ainda é pouco...

A verdade e o poder, uma aliança para além do bem e do mal
Castor M.M. Bartolomé Ruiz

A verdade está revestida com toda a roupagem significativa do bem e do justo. Aquilo que é verdadeiro parece que é eticamente inatacável. No seu lado sombrio parece se alojar o poder. O poder carrega o estigma do mal. Ele aparece como o responsável último por quase todos os vícios e paixões humanos que vão desde a ambição até a opressão, passando pela inveja, o ódio, etc.
Estes estereótipos conceituais da verdade e do poder parecem consolidados como verdades naturais. Porém, eles são do que símbolos culturais que instituímos para nossas práticas. Verdade e poder parecem dois conceitos irreconciliáveis, porém nada mais são do que dois símbolos inseparáveis.
A afirmação anterior é provocativa, mas não inconseqüente, vejamos. Em primeiro momento temos que despojar a verdade de suas vestes de inocência, pois toda verdade –seja ela qual for- produz efeitos de poder. Isso significa que a verdade, quando aceita pelos sujeitos, provoca efeitos de poder sobre suas vidas. Ou seja, a verdade tem o poder de influenciar a conduta dos sujeitos e das sociedades. Aliás, a conduta das pessoas e das sociedades é pautada pelas verdades que elas produzem e aceitam. As verdades socialmente aceitas têm o poder de induzir o comportamento das pessoas. É assim que uma verdade, quando se consolida como verdade para uma pessoa ou para um grupo, tem efeitos de poder sobre eles.
Podemos afirmar que toda verdade produz efeitos de poder. Os efeitos de poder da verdade são proporcionais ao seu grau de aceitação social. Verdades amplamente aceitas produzem efeitos de poder muito maiores. As verdades podem induzir o comportamento social das pessoas segundo os parâmetros por elas pro/postos.
Por sua vez, todo dispositivo de poder produz formas de verdade para se legitimar socialmente. O poder é uma fonte de produção de verdades, pois todo poder se consolida socialmente quando as verdades por ele produzidas são amplamente aceitas. Não existe dispositivo de poder que não produza formas de verdade, nem verdades que não produzam efeitos de poder. É desta forma que dois conceitos que vulgarmente parecem irreconciliáveis, atuam, efetivamente, como símbolos indissociáveis. Alguns exemplos podem nos esclarecer mais. O conceito de liberdade liberal está construído como uma verdade vinculada ao amplo e irrestrito exercício de nossos desejos. Segundo esse símbolo de liberdade, quando más conseguirmos realizar o que desejarmos, mais livres seremos. Com base nesta verdade amplamente aceita, os dispositivos de poder do capitalismo faz décadas que investiram maciçamente na produção dos desejos dos indivíduos. Hoje uma imensa constelação de saberes e de profissionais se dedicam a estimular desejos, a produzir necessidades, a provocar anseios, a fabricar sonhos, etc. Tudo isso com o objetivo de induzir o comportamento dos indivíduos sujeitando-os aos interesses institucionais produtores das verdades ofertadas. A maioria dos indivíduos não se questionam sobre como esses desejos, e as necessidades subseqüentes, surgiram e amadureceram neles. Ao acreditarem que são livres realizando seus desejos, procuram satisfazer aquilo que desejam, geralmente possuindo coisas, dando-se o paradoxo de que quanto mais desejos realizam mais se sujeitam aos dispositivos de poder que provocaram esses desejos. O paradoxo é maior porque quanto mais desejos realizam mais livres se sentem, quando na verdade esse modelo de liberdade os sujeita mais estreitamente aos dispositivos de poder responsáveis pelas verdades dos seus desejos. Neste caso, o símbolo de liberdade liberal é um tipo de verdade cujos efeitos de poder sujeita mais firmemente os indivíduos às estruturas que provocam seus desejos.

Podemos propor um outro exemplo. Nas últimas décadas o corpo foi ganhando importância na vida pessoal e social até o extremo em que podemos afirmar que vivemos uma ditadura do corpo. O sujeito pós-moderno foi perdendo a dimensão de profundidade que caracterizava ao sujeito tradicional, tornando-o cada vez mais epidérmico ou superficial. O limite da superficialidade se encontra na identificação do sujeito com seu corpo.
O efeito de poder desta verdade é o aumento da preocupação com o próprio corpo, chegando a um limite em que o sujeito pode gritar como máxima de vida: eu sou meu corpo! Os efeitos de poder desta verdade são visíveis. Academias repletas, aumento das cirurgias plásticas, medo das gorduras, obsessão com dietas, crescimento exponencial da indústria de cosméticos, o (ab)uso dos corpos em todas as instâncias mediáticas, medos e ansiedades com o próprio corpo, relacionamentos epidérmicos, etc.
As novas verdades sobre o corpo provocam amplos efeitos de poder sobre os sujeitos. Curiosamente poderíamos dizer que esse tipo de verdade era muito pouco "verdadeira" nas sociedades tradicionais, onde a preocupação com o corpo era muito menor e conseqüentemente seus efeitos de poder também eram menores. Os padrões de beleza nada mais são do que tipos de verdade com efeitos de poder.
Ampliando o exemplo anterior, percebemos que nas sociedades tradicionais a beleza feminina era a de formas arredondadas, quase gordinha, e a cor da pele branca; até o extremo das mulheres usarem pó de arroz para branquear sua pele. Se por trás de uma verdade existe um dispositivo de poder, aqui podemos detectar que as classes dominantes das sociedades tradicionais eram rurais, que a magreza era símbolo de pobreza e a gordura de opulência, que a pele branca era símbolo de que a pessoa não trabalhava na roça e pertencia à classe burguesa ou aristocrática e a pele morena era característica dos trabalhadores(as) rurais. Ao mudar os modos de produção, a magreza é símbolo de alimentação dietética e bem regulada e o moreno é símbolo de tempo livre para tomar o sol, enquanto as/os trabalhadores na sua maioria permanecem em espaços fechados onde sua pele fica necessariamente branca.
Nem toda vinculação entre verdade e poder tem efeitos negativos. Retomando a verdade sobre o corpo, podemos apontar alguns efeitos positivos de poder da verdade médica. O médico produz um tipo de verdade sobre o corpo com incisivos efeitos de poder. Na maioria das vezes poderíamos dizer que é um efeito de poder positivo. Por exemplo a insistência sobre a necessidade de exercício físico é um tipo de verdade relativamente recente. Faz umas décadas, poucas pessoas se dedicavam a fazerem caminhadas ou exercícios físicos cotidianos. Hoje, como um efeito de poder da verdade médica, muitas pessoas passaram a se preocupar com isso e incorporar o exercício como parte de sua rotina.
Outros muitos exemplos poderiam ilustrar a tese de que toda verdade produz efeitos de poder e que todo dispositivo de poder produz formas de verdade. Aliás, é só voltar os olhos para qualquer verdade e procurar os efeitos de poder que ela provoca, ou para qualquer dispositivo de poder e investigar quais são as verdades que ele produz para se legitimar. Esta é uma tarefa crítica da qual depende a possibilidade da autonomia do sujeito, ou caso contrário sua sujeição inconsciente aos tipos de verdades por ele aceitas e aos dispositivos de poder que o controlam.

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março 21, 2005

Fulano e beltrano invitation...

Eu odeio o Orkut!
Por Carolina de Hollanda*

Não aderi, embora tivesse recebido vários convites, mas vi muita gente considerada culta, inteligente, bem informada, aderir. Para quem não conhece, Orkut é uma rede de relacionamentos onde uma pessoa convida outra para fazer parte de seu grupo de “amigos” e, uma vez lá dentro, participar de comunidades específicas de acordo com a afinidade de temas e assuntos.
Trata-se de uma das mais descaradas ferramentas a serviço da globalização e da neobarbárie que o capitalismo moderno já produziu. Infelizmente, essa nova mania engole um número cada vez maior de pessoas, os ciberviciados, que se constituem, aliás, uma nova demanda para psicólogos e psiquiatras.
A primeira demonstração disso é que a interface é totalmente escrita em inglês, claro. As pessoas ali podem não saber uma palavra do inglês sequer, mas para entrar e navegar no Orkut elas até respondem um questionário na língua do Tio Sam.
A segunda constatação é que o Orkut aliena e vicia, um de seus maiores problemas. Sob o pretexto de procurar amigos ou mesmo conhecer um pouco da vida do outro, nem que você nunca tenha visto esse outro “mais gordo”, as pessoas passam horas e horas ali, sentadas na frente do computador, quando poderiam estar se relacionando na vida real com seus filhos ou marido, mulher, lendo um livro, andando de bicicleta, tomando cerveja, sorvete, dormindo, enfim, fazendo qualquer coisa mais inteligente, saudável ou sociável que aquilo.
Em terceiro lugar, trata-se de um imenso banco de dados de consumidores em potencial, já que ali eles declaram praticamente tudo: idade, estado civil, credo religioso, modos de vestir e agir, seus gostos, enfim, exercendo gratuitamente a quem quer que seja a até então privada pesquisa de mercado, ferramenta usada pelas empresas para descobrir onde estão seus consumidores.

No Orkut, o privado vira público. Como celebridades nas páginas dos falaciosos tablóides ingleses, cada um tem sobre si um grande holofote. Em uma página própria, falam de si, elogiam a si próprios e são elogiados publicamente pelos amigos escolhidos para fazer parte de seu grupo. Como bem exemplificou o compositor carioca Ivo Meirelles num artigo publicado no site Viva Favela, “é quase como se fosse um BBB virtual, todo mundo dá uma espiadinha em todo mundo”.
Há no Orkut exemplos gritantes de desserviço prestados a uma comunidade, raça e até a uma nação. Um deles é o uso incorporado da língua inglesa, num clássico exemplo de dominação ianque e ataque à língua-pátria. Outro dia, uma pessoa agradecia a outra por o ter “add” em sua lista de amigos. Ora, o que é add senão adicionar em inglês? Isso nada tem de inocente, visto que uma das formas de dominação de um povo sobre outro se dá pela imposição da língua.
Hoje já não apagamos, mas “deletamos”; não anexamos, mas atachamos; não começamos um projeto, o “startamos”; as empresas não chamam mais seus clientes, fazem “recall”; nos eventos, o café da manhã virou “coffe-break”; o restaurante é “self-service”; e o banco na intenet é “net banking”; isso para citar apenas alguns exemplos.
É a cultura mundial americana, que o cientista político Benjamin Barber chamou de cultura McWorld, uma sociedade universal de consumo.
Proliferam também no Orkt comunidades racistas e reacionárias como: “Eu odeio negros”, “Eu odeio o MST”, “Eu odeio o PT”, “Eu odeio Judeu”, “Associação Neonazista”, “Mulheres Brancas Orgulhosas”, e por aí afora.
Só para citar um exemplo, a descrição da primeira é: “Essa comunidade foi criada para unir todos aqueles que sentem nojo, ódio, raiva e que repudiam esses negros fedidos. Então se você ODEIA NEGROS, faça parte da comunidade!!!” No final, o organizador da comunidade chega a pregar: “Faça algo de útil, mate um negro!!!”.
Não é à toa que o Orkut surgiu na internet. Só a www permitiria a reunião de milhares de pessoas tão diferentes em torno de uma verdadeira “aldeia global”.

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A tecnologia não é boa, nem ruim, muito menos neutra. Muito antes do advento da internet, Marshall McLujan, um canadense estudioso da comunicação e uma das principais influências intelectuais do nosso tempo já escreveu: o meio é a mensagem. É o veículo e não a somente a mensagem em si, que realmente transforma a vida das pessoas. Seu uso, os hábitos que impõem, as mudanças que trazem ao cotidiano independem do conteúdo veiculado, da mensagem transmitida - o meio por si só é determinante.
Polêmico e profético.
Para quem achar que eu teorizei demais: os teóricos servem exatamente para isso. Como passam vidas inteiras estudando, se especializam em observar coisas que nós, “cidadãos comuns”, não conseguimos enxergar.

*Carolina de Hollanda é jornalista e mestranda em Comunicação

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março 17, 2005

Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

A própria revolução
Por Marcelo Teixeira*

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra é um movimento social organizado e legítimo. Está à procura e uma sociedade mais justa e digna. Não há mal nenhum nisso. Dessa forma, busca terra improdutiva dada a fins especulativos e, na maioria das vezes, adquirida por meio de grilagem de terras públicas, portanto, de posse sem qualquer legitimidade. Há quase 20 anos, onde há latifúndio e a terra é usada para especulação, o MST faz pressão social para atingir seus objetivos.
O movimento surgiu em 1984, no Rio Grande do Sul, depois que a grilagem e o processo da mecanização das lavouras expulsou cerca de 30 milhões de agricultores do campo na década anterior. Rapidamente alastrou-se pelo país tornando-se cada vez mais forte, agressivo. Seus 50 mil militantes transformaram o campo num barril de pólvora, com marchas, ocupações de terras, rodovias, prédios públicos. Causam tanto incômodo que sua determinação serviram de estímulo para a criação da Associação dos Produtores Rurais, no Mato Grosso; o Primeiro Comando Rural, no Paraná; e ainda o ressurgimento da União Democrática Ruralista (UDR) e do Movimento Nacional dos Produtores.

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Marcha do MST por projeto popular - 1999.

Neste ano, as ações do movimento já resultaram em 17 invasões em 23 estados, 13 mortes em conflitos com guardas armados, ocupações de 11 praças de pedágio no Paraná, reunião com o presidente. E o MST não pára. Reivindica o assentamento de 1 milhão de colonos até o final do mandato e Lula. Hoje há 100 mil acampados no país em situação de penúria. Mas os militantes estão dispostos a enfrentar a miséria dos acampamentos em troca de terra e dignidade.
Os opositores não devem se enganar. Os militantes não são baderneiros nem caipiras que só sabem trabalhar na roça, mas sim pessoas politizadas e conscientes da situação de injustiça social do país. Obviamente, o MST atualmente transcende a questão agrária, legitimamente. É um movimento que prega uma revolução. Trata-se dele próprio a revolução.

*Marcelo Teixeira é Jornalista

Posted by Sandino at 09:24 PM | Comments (14)

março 12, 2005

Morena dos olhos d'agua

O folhetim de Chico
Por Marcello Lujan*

Era batata. Bastava conhecer uma menina interessante para ouvir: Gosto de Chico Buarque!
Como passei minha juventude trancafiada no punk-rock, achava a MPB tão chata. Para mim, era puro marketing, dava status gostar de Música Popular Brasileira.
O tempo vai quebrando algumas resistências, acoplando bits e hits, despertando outros sons, outros amores...Não se trata de traição, aquela balela toda... É aprender.
Sigo achando que Caetano Veloso é egocêntrico demais, Djavan é o profeta do apocalipse com suas letras criptografadas e Milton Nascimento só tem música velha para funeral. Hoje, vejo também que existe uma infinidade de músicos, que assim como Tom Zé, Macalé... foram mais punks que todos os Pistols e seus herdeiros.
Tem Chico Buarque de Hollanda também... um caso à parte.
Através de sua obra, podemos pontuar a história contemporânea de nosso país. Sem Chico, o Brasil seria mais pobre, mais vazio, sem semana, sem tijolo, sem desenho, sem construção.
Politicamente, Chico sempre foi pontual e íntegro. Quando solicitado, deu sua contribuição e jamais pelegou. Peladeiro dos bons, com vasto repertório, deu grandes dribles e olés monumentais nos marcadores da ditadura. Reza cada lenda...

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Chico Buarque e bela morena: ao vivo Leblon Le Zenith

Chico também é o responsável pelo resgate da dignidade da mulher na música brasileira, abolindo as amélias serviçais. Ninguém jamais havia cantado a alma feminina dessa maneira. Tamanha certeza, profusão de imagens...As dores, desejos, surpresas, mistérios, dissabores, contrariedades, inquietações, latitudes...Elas possuem belos nomes, declamados em palavras cirúrgicas, em proparoxítonas viscerais. Chico definitivamente entende de mulher. De Atenas ao Leblon.
Como compositor, trafegou pelo universo da bossa nova, samba e MPB com a mesma desenvoltura. Nos últimos anos, Chico tem consolidado uma carreira literária de sucesso.
Em meio a uma obra irretocável, o sempre reservado abusou. Esse moço tá diferente, amando sobre os jornais! Chico não é um aventureiro. Trocando em miúdos: isto não abalará em nada o mito. Vai passar...
Já as meninas mais interessantes, como a Pitty (nenhum trocadilho infame), continuarão nascendo embaladas e apaixonadas por Chico Buarque.

B.O - Notas do caso polícial

Deu no jornal
Os amigos de Chico se mobilizaram para abafar o caso, alegando que Chico estaria em maus lençóis. É assim que funciona...nenhuma novidade! Operação abafa. Que tipo de pressão, aliás, um assessor de Chico Buarque pode fazer? O “caso” colocou novamente nossa mídia na berlinda. A hipocrisia apareceu com todas suas letras. Quem sempre fez isso, alegou que não divulgaria o fato em virtude da linha editorial adotada. A Folha de São Paulo, inexplicavelmente, publicou o fato em apenas 20% de sua tiragem. Trombada na certa! Se não é bom em um tipo de jornalismo, não queira se aventurar no outro! Já os fofoqueiros, invocaram a cantada liberdade de imprensa para venderem horrores.

Sorria, você está sendo corneado
O maridão da mulher (muito bonita por sinal!) é músico. Pelo que tudo indica o triângulo já dura anos. O cara deu sopa pro azar, levou Chico Buarque para ensaiar em sua casa. Só está sapateando porque o fato virou um estorvo. Ser corneado por Chico não desabona em nada a dignidade de ninguém! Poderia ser um emergente do futebol, um cantor de dupla sertaneja...

Você não gosta de mim, mas sua mulher gosta
No Orkut, já existem comunidades explorando o episódio. A comunidade “Minha mulher também gosta do Chico Buarque”, defende a tese que 11 entre 10 mulheres intelectualizadas gostariam de ter um tête à tête com Chico Buarque. Casadas ou não, as mulheres morrem de inveja da moça fotografada. Não são poucas as pragas rogadas na moça, forte concorrente ao título de musa do verão 2005. Tem meu voto!

A equação de Chico
A conta é simples: 1 de 60 vale mais do que 3 de 20.

* Marcello Lujan é amigo interpessoal de Sandino desde os tempos da maternidade.

Posted by Sandino at 08:06 PM | Comments (16)

março 05, 2005

Estou cansado de ouvir falar em Freud, Jung, Engels ou Marx

Papo de boteco
Por Marcelo Teixeira*

Com o perdão dos amigos que apreciam filosofia tradicional, pois é incontestável sua genialidade e sapiência, mas prefiro o conhecimento popular, os ditados, as sentenças proferidas no bar. E que não se engane quem imagina que não há elaboração no processo de arremate desse tipo de pensamento. As conclusões dessa gente de alma simples são baseadas em observações da labuta diária.
Não há teórico grego, alemão, italiano que seja, mais preciso, compreensível e útil que os conceituais e práticos motoristas, cobradores, taxistas, ascensoristas, recepcionistas, diaristas, jornaleiros, vendedores, seguranças, garçons. Desconhecidos do processo de criação filosófica, são pensadores contemporâneos informais.

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A partir de desamores falam de amor. Quando são traídos percebem o que é desilusão. Ao passarem por frustrações familiares pensam em repressão. Assim que perdem uma pessoa amada analisam a morte. A dor física e a truculência os lembram da violência. Tudo ocorre a partir de emoções pessoais.
Sendo assim, o desenvolvimento do raciocínio leva tempo, mas sua finalização pode ocorrer em um momento, em frente à TV, tomando banho, indo para o trabalho, como ocorre um insight. Nada é anotado, escrito, gravado para depois ser burilado, decantado, ruminado. A simplicidade da sabedoria popular fica no coração das pessoas. E de tão simples pode ser resumida em uma frase.
Esse conhecimento é rápido no que quer dizer, ocupa pouco espaço, não despende debate teórico, é altamente prático e não concentra necessariamente conceitos morais. O melhor de tudo é que pode ser propagado em qualquer ocasião cotidiana, como numa rodada de chope, e acaba provocando risos. Bom mesmo é filosofia de boteco.

* Marcelo Teixeira é jornalista.

Posted by Sandino at 04:43 AM | Comments (1)

março 04, 2005

Que fim levou Orwel...

Big Brother prepara a sociedade de controle
Por Ilana Feldman

O “Big Brother Brasil” tem revelado, dia após dia, uma capacidade estrondosa de repercussão. Seja através dos números de Ibope, seja através do “retorno de mídia”, “BBB 5” provoca acalorados debates, no mundo real ou virtual, incitando manifestações e tomadas de partido, de anônimos à personalidades.
Tal impacto não deveria ser deixado ao acaso. 31 milhões de votantes e mais de 51% de audiência em noite de paredão repercutem, inegavelmente, no imaginário de um país, na estimulação de novas formas de subjetivação e nas conseqüências estéticas e políticas engendradas pelo formato.
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Os reality shows, no caso, o “Big Brother”, não devem ser tomados como irrelevante “espetáculo de entretenimento”, consideração que não contribui em nada para uma análise crítica, além de desmobilizá-la. Ao contrário, buscar entender os signos audiovisuais produtores do imaginário deve ser, mais do que nunca, o foco da ação política contemporânea, pois o imaginário não é a irrealidade, algo abstrato, e sim “a câmera de produção da realidade por vir”.
Muito se tem falado, mas de fato muito pouco se analisa. Existe uma tendência por parte da crítica de ir aos programas sem levar em conta as complexidades e contradições do formato implicado, sendo escassas as iniciativas de análises mais complexas. Em geral, assume-se uma posição de superioridade em relação ao objeto criticado. À expressão da “realidade”, muitas vezes cabe o enfado, o deboche e o julgamento de olhos vendados. Olhos que vão às análises com conceitos já prontos, afirmando preconceitos de classe e não levando em consideração que os questionamentos podem ser mais ricos do que as certezas.
É curioso perceber o quanto o formato reality show é subjugado, de saída, pelo seu caráter “reality”. Se os mesmos “personagens” fossem ficcionais, certamente seria legítimo analisá-los como produções estéticas sintomáticas da contemporaneidade. Brasileiros são sempre os outros, e a evidência de conflitos, mesquinharias, ressentimentos e intrigas só é bem digerida quando travestida da ficção que, na maior parte das vezes, apazigua o desconforto e sofrimento do espectador.
Aos espectadores dos realities cabe a crueldade da vida posta em cena, em uma exposição que não ameniza nossas baixezas, nem ameniza a lógica econômica, produtora de tantas existências e tantos sonhos. Sonhos de visibilidade, de sucesso mercantil, de êxito empresarial, de ascensão social, mas também de inserção, reconhecimento e pertencimento.
A crueldade do “Big Brother” não ameniza nem mesmo os afetos, negativos e positivos, que se desenvolvem entre os personagens, capazes também de criar vínculos de amizade, amor e solidariedade. Não enxergar isso é cerrar a percepção para as sempre positivas contradições e ambigüidades de sentidos produzidos pelo programa. Que a crueldade seja então, como quer Clément Rosset, um princípio, uma ferramenta do pensamento para destrinchar os sentidos já dados e as verdades preestabelecidas. Afinal, todo sentido é um apaziguamento do conflito.

Categorias aprisionantes
A categoria identitária sempre foi peça fundamental para os Estados totalitários que, em momentos distintos da história, tiveram como projeto a eliminação de categorias inteiras, quando estas não “interessavam” ao sistema político vigente.
Sintomaticamente, a composição identitária dos personagens do “Big Brother Brasil” parece ser, em princípio, uma mistura da categorização policialesca dos Estados totalitários com os sistemas de classificação do IBGE. E, ainda, poderíamos considerar que as estratégias de seleção e composição dos participantes do “BBB” são herdeiras dos Estudos Culturais, com suas políticas identitárias baseadas em origem e gênero.
No “BBB5” isso é muito claro. De início, todos os participantes responderam à mesma entrevista e ao mesmo perfil que se encontram acessíveis no site do programa. São definidos por um preciso e ajustado inventário de consumo, gosto pessoal, comportamento e atributos, como se todos os itens revelassem a mesma coisa: o posicionamento do participante em uma hierarquia social e cultural.
É uma espécie de Censo mais nuançado. Vale como experiência antropológica, mas isso só tem algum sentido se se parte do princípio de que o outro é objeto de análise. Se a expectativa for contrária, é preciso ir cotidianamente aos programas exibidos para tentar captar uns sopros de vida que contradigam as ferrenhas e aprisionantes categorias.
Alguns participantes receberam, de Pedro Bial ou dos próprios participantes, os nomes de suas categorias. A paranaense Grazielli e também Miss Brasil é chamada pelos colegas antagonistas, na maior parte do tempo, de “Miss”. O diminutivo Grazie tem sido proferido apenas pelos muito próximos, Jean e Pink. A carioca Tatiana, da Ilha do Governador, é chamada por Bial de Tati Rio, ou Tati Ilha, em parte porque uma quase homônima existe, a Tatiane Pink, mais conhecida por sua cor predileta e jeito vibrantes, o que dispensaria, na prática, as terminações “Rio” ou “Ilha” do nome de Tatiana. Mas parece que os personagens com menos interioridade elaborada no programa, ou cujas categorias são menos ficcionalizadas, são os mais carentes de alcunhas identificatórias.
Algumas personagens competem pela origem, para saber quem irá, por exemplo, melhor representar o Nordeste. Pink e Karla, de Pernambuco, e Natália, do Ceará, brigam para saber quem vai ocupar a posição de “nordestina legítima”.
A carismática cabeleireira Pink sai em vantagem, porque, desde o início do programa, tendo consciência da categoria, já disse não votar em conterrânea, nem em mulher. Ela ressalta, de modo incisivo e cômico que, além de nordestina e mulher, é pobre, digna, leal e de bom coração. Uma espécie de Heloísa Helena debochada e colorida, que soube ficcionalizar sua categoria, tendo sua imagem intensificada pela edição. Já a dançarina Karla se pergunta, em conflito: “O que será que Pernambuco vai pensar de mim?”.
Também o professor universitário e baiano Jean expressou e politizou sua “condição”. Alegou que estava indo ao primeiro paredão por ser gay, e não por ser um intelectual, articulado e manipulador, como foi justificado. Já o técnico de informática P.A, paulista e negro, e a dona de casa carioca, também negra, Aline inspiraram agressivos debates no fórum virtual de discussão do “BBB”.
Eram acusados de estarem envergonhando sua “classe” ao agirem de modo condenável. Mas condenado mesmo foi o médico paulista Rogério (Gê), rejeitado com recorde histórico (92% de 31 milhões de votos) por seus atos e que, parece, vai dar continuidade a seu projeto de comportamento e aparência nazifascista: quer se especializar em cirurgia plástica estética.
No entanto, contradizendo muitas vezes suas categorias, os personagens do “BBB” são existencialistas: constroem-se também por aquilo que fazem e falam. Como peixinhos no aquário, vivem e morrem pela boca. Aline já não é mais, apenas, negra, pobre e mãe de família. É agora a “fofoqueira”, “leva-e-trás” e “traíra”. Pode ser uma visão muito restrita e nada singular de alguém, mas é o preço que se paga quando se entra no jogo da imagem capitalizada.
Ratificando esse regime audiovisual de identidades fabricadas pelas ações dos personagens e tornando-as evidentes ficcionalmente, o “BBB5”, com talento e habilidade, criou uma animação, fazendo a paródia dos super-heróis animados.
O grupo dos “Gigantes” ou “Tropa de Choque” foi representado como “Os Inacreditáveis”, e o grupo do “bem” como “Os defensores”. No primeiro grupo, Rogério era o “Capitão Gê”; P.A, o “Mr. Paranóia”; Alan, o “Kid Pamonha”; Karla, a “Mulher Capacho”; Tati Rio, a “Garota Volúvel”, e Aline a “Agente X9”. No segundo, Jean era o “Homem Maravilha”; Pink, a “Incrível Pink”; Grazie, a “Miss Charada” e Sammy o “Ninja Ensaboado”.
Em uma das festas do “BBB5”, a “Soltando os Bichos”, o mesmo procedimento de ficcionalização se deu, mas, desta vez, a estratégia foi menos indolor para os confinados.
Cada participante recebeu uma fantasia de um animal, de acordo com sua índole e postura na casa, como se o Big Brother explicitasse a metáfora do “zoológico humano” que está na origem do conceito hobbesiano de convivência violenta e forçada. Jean era o leão, rei da floresta; Pink, a gata escandalosa cor-de-rosa; Grazie, uma doce borboleta, e Sammy, um anódino esquilinho.
Já no outro grupo as caracterizações foram, novamente, mais maliciosas. Karla era uma macaca cansada; P.A., um gavião; Natália, uma onça ambígua; Tati Rio, a cobra insatisfeita, e Aline, um corujão. Se, em princípio, através do confinamento de seres diversos, estava em questão uma tentativa de conciliação das diferenças, o retorno a uma velha visão “harmoniosa” de brasilidade, o que fica, ao final, é a explicitação das divergências ou, como escreveu o crítico Cleber Eduardo, a impossibilidade da idéia de cordialidade brasileira.

Pedagogia de mercado
Alguns autores defendem que o romance foi um gênero literário que refletiu, em grande medida, as relações de dominação coloniais e imperiais, reproduzindo, como produto histórico, a ideologia da dominação em sua forma, mesmo quando esta era nacionalizada por grupos dominados.
Herdeiras do romance, as grandes narrativas cinematográficas produzidas por Hollywood também exerceram, e exercem, sua dominação econômica e cultural, evidenciando, mais uma vez, que a forma ideológica da dominação é reproduzida mesmo quando nacionalizada pelos países periféricos.
Com o “formato narrativo Big Brother” acontece algo semelhante, pois se trata de um modelo de audiovisual internacionalista, exportado para todo o mundo, do Ocidente ao Oriente, dos países centrais aos periféricos. A diferença, em relação ao romance, é que o “Big Brother” não está vinculado a uma identidade de Estado-nação específica.
Sua origem não se concentra em um povo, nem em um território, mas em uma corporação transnacional que, por acaso, surgiu na Holanda -talvez até como fruto de uma tradição de representação de interiores.
Assim como o romance, o Big Brother reproduz uma relação de dominação, seja no pagamento de patentes para a empresa matriz, seja na própria lógica de funcionamento do programa, baseada na ideologia empresarial. Uma “dramaturgia da exclusão” é assim transformada em pedagogia.
Desse modo, no âmbito do capitalismo pós-industrial, o Big Brother naturaliza e tende a consolidar uma lógica própria às chamadas “leis de mercado”, estimulando novas formas de subjetivação e reforçando novos sistemas de valoração em consonância com essa pedagogia de mercado alicerçada no curto prazo.
Gilles Deleuze, em “Post-Scriptum para as Sociedades de Controle”, já havia escrito: “Se os jogos de televisão mais idiotas tem tanto sucesso é porque exprimem adequadamente a situação da empresa”. E no “Big Brother” está claro: as gincanas competitivas que “movem” a narrativa -e aqui caberia um paralelo entre as gincanas e o “cinema das atrações”- vinculam-se às dinâmicas seletivas das grandes companhias, através das quais os concorrentes ao emprego, ou à permanência na “casa”, serão testados.
Como empresa, os realities estão sempre se flexibilizando, se adaptando às demandas de mercado, de público e dos próprios competidores. Também usam o espaço para divulgar empreendimentos de organizações não-governamentais, incentivando a “responsabilidade social” e premiando, com estalecas (a moeda corrente da casa), o trabalho “voluntário”, no caso, voluntariamente imposto.
No “BBB5”, o personagem de Paulo André, o P.A., técnico em informática, enquanto discursava em nome de parcerias, foi incisivo: “Aqui é igual lá no emprego. Quem tá comigo sobe junto, quem não tá vai pra fora”. No seu grupo de parceiros, se encontrava o médico Rogério (Gê), mentor do complô e do grupo chamado de “Os gigantes”. Gê também realizava seu recrutamento baseado em sua teoria: “Quem joga junto vence e quem joga individualmente dança”, ou, ainda, “voto individual é voto nulo”.
Os integrantes do grupo defendiam, assim, as decisões corporativas e apresentavam, ao repudiar a diferença e a independência, matizes protofascistas. Alardeavam que “no jogo vale tudo” e que, por isso, era legítimo agir como jogadores, profissionalmente. Talvez eles tivessem destino melhor se participassem do reality show “O Aprendiz”, cópia brasileira de “The Apprentice”, idealizado pelo multimilionário americano Donald Trump, de quem se costuma ouvir a frase já transformada em bordão: “You are fired!”.
A contradição que se coloca é que no “Big Brother Brasil” os premiados não são os mais eficientes, mas o mais simples, humildes, coerentes e independentes, aqueles que “jogam com o coração”.
O padrão ou estatuto de julgamento da audiência brasileira, mais apropriadamente, do público votante, leva em conta o perfil social e a conduta moral dos participantes, isto é, os personagens construídos têm o desafio de serem competitivos sem passar dos limites, havendo aí um paradoxo: ao mesmo tempo em que se faz apologia dos atributos inatos e conquistados, da competitividade e da adaptabilidade, premia-se os ingênuos, os não-manipuladores e menos “aptos”. Elabora-se, assim, um projeto de hierarquização moral e de “justiça social” em um fórum privado publicizado.
Também não se pode deixar de perceber que as atitudes de afeto e solidariedade entre alguns personagens acabam se transformando em uma pedagogia positiva, de repercussão muito mais ampla do que a simples defesa verbal da ética e do respeito mútuo.
Jean e Pink, personagens do “BBB5”, são a prova desta relação fraternal e se transformaram, ao menos por enquanto, em referências em matéria de ética, sinceridade e compromisso. A questão é saber até quando eles poderão permanecer unidos, sem se indicarem ao paredão. Está aí a maior perversidade do programa: o “salvo-me se puder”, corrosivo de qualquer possibilidade de relação.

Um estado de exceção
A presença do “paredão” e de todo um vocabulário beligerante, como a convocação que invade nossos telefones celulares para que enviemos um “torpedo” para “detonar” algum participante, não por acaso se articula com um panorama de progressão contínua do que chegou a ser definido por alguns teóricos como “guerra civil mundial”.
Nesse contexto, o estado de exceção, segundo Giorgio Agamben, tende sempre mais a se apresentar como paradigma de governo dominante da política contemporânea, transformando-se, de uma medida provisória e excepcional, em técnica de governo. Assim, as práticas de exceção contemporâneas, engendradas por um Estado policial protetor, fazem da política do terror e da insegurança o principio gestor, estimulando, cada vez mais, a privatização dos espaços e o confinamento no interior deles.
Os reality shows de confinamento também são, a seu modo, sintomas de uma gestão midiática da insegurança que, implícita ou explicitamente, incita à vigilância, ao controle e à autoproteção em ambientes privados. Assim como na gestão midiática da insegurança, as guerras, civis ou militares, são transformadas em espetáculo, no “BBB” os conflitos também são capitalizados: tornam-se show.
Grosso modo, a diferença entre a condição de um estado de exceção e o confinamento do “BBB” é que este é hedonista e seus participantes lá estão voluntariamente. O que nos faz pensar que o “estado de exceção” do “BBB” é exercido não contra a sociedade, mas reivindicado por ela, em sua sede de competitividade, inserção, visibilidade e eliminação, mas também de implacável justiça.
Porém, para traçar um paralelo mais cuidadoso entre estado de exceção e reality shows de confinamento, é necessário ir ao primeiro e expor suas particularidades. O estado de exceção como definido por Agamben significa, na prática, a suspensão do ordenamento jurídico, isto é, a anulação dos direitos civis do cidadão e de seu estatuto jurídico como indivíduo.
O indivíduo deixa de sê-lo para se tornar uma categoria identitária, peça fundamental para os Estados totalitários, que, através do estado de exceção, podem propor e executar a eliminação de categorias inteiras que pareçam não integráveis ao sistema político. Contudo, precisa-se ressaltar que o estado de exceção não se dá necessariamente em uma ditadura, mas em um espaço vazio de direito.
De fato, o estado de exceção na sua forma moderna foi criado pela Revolução Francesa, pertencendo, portanto, à tradição da democracia e não àquela do absolutismo, ou, mais apropriadamente, pertencendo a “um patamar de indeterminação entre democracia e absolutismo”.
O estado de exceção realiza-se como uma gestão de uma nova desordem mundial, modulável segundo dispositivos de vigilância. Dentre esses dispositivos se encontram, além dos olhares maquínicos das câmeras de monitoramento (presentes em espaços públicos e privados), fichamentos eletrônicos das impressões digitais e da retina, tatuagem subcutânea, coleira eletrônica, prática do confinamento e, até, “coleira” auditiva (microfones) que os participantes do “BBB” são obrigados a usar (caso contrário serão punidos).
O que está em jogo, assim, é o estatuto normal de cidadãos dos Estados ditos democráticos, que são persuadidos a aceitar como naturais práticas de controle que sempre foram consideradas excepcionais e desumanas. Ou seja, o que está em jogo é uma nova relação biopolítica entre Estado e indivíduo, o qual passa a ser considerado um corpo, assim como a idéia de povo, outrora sujeito político, torna-se sinônimo de simples população.
Uma vez que a vida humana e o corpo biológico se tornam o alvo central dos difusos mecanismos de poder, todo o campo da política se transforma, e as oposições que anteriormente o definiam (como público-privado, esquerda-direita, democracia-absolutismo) começam a se atenuar. É, então, nessa impossibilidade de distinguir a democracia do absolutismo e o privado do público que se encontra uma fissura que nos interessa, capaz de criar um liame entre estado de exceção e reality show.
Assim como o estado de exceção, que “se apresenta como um patamar de indeterminação entre democracia e absolutismo”, o “Big Brother” -identificado com uma idéia totalizadora e homogeneizada de Brasil, o qual é sempre evocado pelos participantes- configura-se como um poder absoluto em tempos de institutos de pesquisa, cujo próprio modelo de medição se reflete, além dos índices de audiência e votação, nos índices de popularidade dos personagens, expostos em números de estrelas no site do programa.
“O Brasil inteiro está vendo”, sempre escutamos dos participantes, e a ele nada passará impune. Assim, a interatividade proporcionada pelo jogo, através da qual é o público votante quem exerce o voto de exclusão, torna-se uma maneira de saciar uma sociedade que se sente impotente politicamente e que tem sede de punição. É ela quem vai proclamar a sentença toda a semana, fazendo o papel do “Estado absoluto” num jogo em que tudo é resolvido por plebiscito, logo, o absolutismo é relativo.
Fazendo uma analogia com o romance de Orwel, o formato televisivo “Big Brother” é “1984” banhado em uma cultura democrática, na qual a vigilância e a visibilidade não mais coagem, nem aprisionam (como no romance), mas, ao contrário, libertam da condição do anonimato rumo à celebridade, conferindo existência social aos participantes.
Valendo-se de uma inspiração tirânica e adotando procedimentos híbridos, o “Big Brother” ainda apresenta a figura do Big Boss -quando é novamente a audiência quem escolhe, como um patrão impiedoso, as possibilidades de constrangimento e humilhação que serão impingidas aos “brotheres”. Após a votação, ganha sempre em milhares de votos o “mico” mais ridículo e os participantes, como empregados de uma empresa, não podem demonstrar mau humor ou insubordinação.
Trilhando ainda o pensamento de Agamben, ele defende que o paradigma político do Ocidente não é mais a cidade, e sim o campo de concentração. Mas se trata de uma tese filosófica, e não historiográfica, o que quer dizer que o campo de concentração serve como um modelo paradigmático que norteará sua crítica.
Os reality shows de confinamento, tendo em vista suas particularidades e guardadas as devidas proporções, também podem ser encarados como um modelo midiático e econômico-político de “concentração”: concentração espetacular de corpos confinados, geridos por uma relação de poder biopolítica, concentrada porque transformada em linguagem e imagens.
Diferentemente do estado de exceção, nos reality shows, obviamente, não há suspensão dos direitos civis e da lei, como ocorreu em Auschwitz -segundo Agamben, o espaço biopolítico mais total que jamais se concebeu e que, agora, vem sendo implementado na base militar americana de Guantánamo-, e de maneira nenhuma se propõe aqui banalizar, ou atenuar, essas experiências de horror. Contudo, é necessário chamar atenção para algumas semelhanças.
Assim como, segundo Agamben, o campo de concentração é o paradigma para se compreender a cidade biopolítica em que vivemos, os realities são paradigmáticos da transposição dessa gestão biopolítica para um formato audiovisual baseado no confinamento. Também, assim como o “campo”, o reality show é formatado na indeterminação entre espaço público e privado, ambigüidade que está na base da experiência do cidadão contemporâneo.
Essa ambigüidade constitutiva faz do reality uma esfera de visibilidade absoluta atravessada pelo isolamento físico, violação do decoro e espetacularização da intimidade, como se aquelas vidas a que assistimos nos pertencessem, sem que desfrutassem de direitos.
De fato, cada “indivíduo” inserido no programa perde o direito sobre sua imagem, em termo assinado por contrato, o que nos faz pensar que a lei que há nos realities retira do humano sua condição de autonomia e autoria.
Também nos realities, à semelhança do “campo”, o indivíduo é encarado como categoria identitária. Responde por sua origem e seu gênero, assim como cada judeu de Auschwitz ou cada “terrorista” de Guantánamo responde por toda uma “classe”. No “BBB5”, a personagem Pink, se insurgindo contra as ações de suas colegas da “Tropa de Choque”, pontificou: “Isso envergonha a raça feminina”.
A associação entre estado de exceção e “Big Brother” também está na origem do conceito do programa, o “laboratório humano”. Na idéia de um "laboratório" há, sem dúvida, não só a tirania de fazer do outro sua cobaia, como a aniquilação de qualquer direito individual desse outro. No “Big Brother”, o outro tem direitos civis, embora existam regras claras a serem cumpridas, caso contrário há punição e/ou "eliminação". E, quando se elimina um, aniquila-se uma categoria inteira. E aqui não há exagero.
Deve-se entender as palavras em seus conceitos originais, e não apenas banalizá-las em seus usos. As palavras (assim como o imaginário) são produtoras de realidades e, nesse sentido, é inegável que a mentalidade eliminatória do “Big Brother” produz sistemas de valores, produz um mundo. O mundo do “BBB” é uma versão alegórica, atenuada, espetacular. Mas, se “todo mito é um projeto”, como já disse Cacá Diegues, então toda alegoria é também uma profecia.
Alguns outros reality shows vão além na explicitação do paralelismo com o estado de exceção. A emissora mexicana Televisa estreará, no final de fevereiro de 2005, uma versão do “Big Brother” com castigos corporais para aqueles que não cumprirem as regras do programa. As tarefas serão, assim, punidas e premiadas fisicamente, num novo espaço que contará com áreas de reclusão, como se fosse proposto aos participantes um retorno a uma tirânica Sociedade Disciplinar.
Também o Channel Four inglês deve exibir, em meados de março, um reality de tortura, intitulado “Guantanamo Guidebook”, no qual sete voluntários são submetidos às técnicas de interrogatório aplicadas aos prisioneiros da base americana de mesmo nome, em Cuba, onde seus direitos civis estão suspensos.
Dentre os testes, estão previstos privação de sono, exposição à temperaturas extremas, humilhação religiosa, além de um interrogatório de mais de 48 horas. Segundo o programa, a justificativa para tal disparate seria chamar a atenção para os efeitos devastadores que essas técnicas podem causar no ser humano.
No entanto, a conclusão que se tira é antagônica: se essas práticas de tortura podem ser reproduzidas em voluntários e demonstradas em programas de TV, isso significa que elas não são tão maléficas, ou seja, podem ser transformadas em mero espetáculo e ter sua barbárie esvaziada. Assim, ao incorporar a mesma linguagem e os mesmos procedimentos do alvo criticado, aquilo que seria crítica é transformado em legitimação.

O foco pornográfico
O “Big Brother Brasil” não está em decadência, muito menos em seus estertores. Legalmente, o contrato da Globo com a empresa holandesa Endemol vigora até 2007, quando possivelmente novos acordos serão firmados. Os reality shows vieram para ficar porque, além das vantagens econômicas -custam menos do que a tradicional teledramaturgia-, fazem da vida sua matéria-prima, sendo, portanto, uma linguagem audiovisual biopolítica por excelência.
Contemporâneos e sintomáticos, os realities souberam capitalizar, com uma força devastadora, as demandas do capitalismo imaterial, ou pós-industrial, por perfis identitários, corpos formatados e ajustados, intimidades publicizadas, desejos de visibilidade e “criatividade”, fazendo da própria vida o terreno mais fértil para seus investimentos.
No entanto, a vida é sempre mais rica e contraditória que as categorizações nos fazem acreditar -assim como o modelo reality show, que, ao tirar proveito da vida em sua condição de constante movimento e transformação, necessita também se transformar. Como linguagem biopolítica, o reality show vive o paradoxo entre a adaptação ao vivente e a adaptabilidade difundida como valor empresarial. O formato vive de seu próprio colapso, na medida em que nem sempre as categorias se sustentam. Também a afetividade não se controla, e muitas vezes é ela mesma a força de resistência a determinados processos de subjetivação e formatação identitária.
No plano estético e dramatúrgico, os realities de confinamento (“Big Brother” especificamente) também souberam capitalizar as demandas do cinema moderno, principalmente aquele documental. Cinema-direto e cinema-verdade são as grandes referências originais do formato. Do cinema-direto foi apropriado o uso da câmera como dispositivo invisível, testemunha oculta, sem interferência naquilo que é filmado: uma linha observacional que perseguia a neutralidade da forma e defendia o postulado da imagem roubada, por acreditar ser esta mais autêntica.
Já do cinema-verdade foi apropriado o uso da consciência da câmera como produtora de acontecimentos: uma linha que queria essa autenticidade, que nem sempre acontece, em reação à câmera. Segundo Jean Rouch, o grande mestre dessa vertente documental, “a câmera não deve ser um obstáculo para a expressão dos personagens, mas sim uma testemunha que irá motivar sua expressão”, ou, ainda, “a ficção é o caminho para penetrar a realidade”. E o “Big Brother Brasil” faz uso, cada vez com mais habilidade, de dispositivos ficcionais empenhados em produzir uma “verdade”.
No plano tecnológico e econômico, o modelo “Big Brother Brasil” soube como nenhuma outra “dramaturgia” fazer uso da convergência de mídias, inserindo-se como o produto central dentre uma rede de tecnologias e serviços.
Além da exibição em cadeia de TV aberta e fechada e da interatividade com o público votante, via telefonia fixa, móvel e site na internet, há ainda fórum de discussão virtual, chat de bate-papo com ex-participantes, serviço de notícias (pago, obviamente) através de telefone celular, exibição de vídeos para assinantes do portal Globo.com, compra de imagens de personagens para serem bichinhos amestrados virtuais dentro dos celulares, como aqueles espécimes tamagochis, e, para completar, a possibilidade não só de “espiar” os habitantes 24 horas por dia através do pay-per-view, mas também de escutá-los através de um “grampo” telefônico legitimado e de pretensões igualmente totalizadoras.
Não obstante, a indústria pornográfica também é contemplada pelo “BBB”, na medida em que já está prevista dentro da própria lógica de funcionamento do programa: destino certo para as saradas e sarados, todos estes “bombados”, de músculos e cotação no mercado. Ao contrário das famosas e inalcançáveis beldades produzidas pela teledramaturgia convencional, as garotas do “BBB”, não sendo atrizes profissionais, são mais conhecidas que famosas, estando mais próximas do imaginário popular e, assim, tornando-se mais alcançáveis como objetos de consumo.
Novamente, há uma convergência de mídias: a pornografia se faz presente em revistas impressas, internet, TVs aberta e fechada, telefonia fixa e móvel e em toda sorte de publicidade, não necessariamente especializada. Em suma, a pornografia vai constituindo-se, assim, como uma multiplicidade discursiva que tem os corpos, não necessariamente nus, como foco dos mais altos investimentos e dos mais incisivos agenciamentos. Afinal, um corpo “trabalhado” é o único que, mesmo sem roupa, está decentemente vestido. A lógica pornográfica pode ser também considerada uma forma de poder e de controle fundamental para a viabilização de nossa “era biopolítica”.
No entanto, é importante ressaltar que a pornografia não está restrita apenas ao açougue asséptico dos corpos humanos, mas é parte constitutiva das promessas de felicidade e prazer que nos rodeia e de um olhar que se pretende totalizador, construído sobre o dispositivo da onividência.
Tal dispositivo, ao multiplicar pontos de vista simultâneos, acaba por resultar em um excesso de olhares maquínicos e não-articulados, ou articulados em uma instância “divina”, fazendo da exploração do visível e da ausência de uma perspectiva subjetivada o alicerce da pornografia tecnológica. Seja nos reality shows de confinamento, seja em relação às câmeras de vigilância, ou, ainda, nos inúmeros exemplos do cinema contemporâneo imbuídos da missão de querer dar conta de todos os ângulos de um mesmo espaço, a “vontade de verdade” instaurada pela tentativa de totalização está mais próxima da obscenidade que da onisciência.
Porém, vale lembrar que esta perspectiva não é nova. Em “A Gaia Ciência”, uma das vozes do Nietzsche incorporava, graciosamente, uma menininha. Ao que ela perguntava a sua mãe: “É verdade que Deus está em toda parte? Mas acho isso indecente!”. Ver demais, desprovido de mirada, é talvez a causa do que chamamos de indecência. Portando, a promiscuidade do olhar está menos no que é filmado, mas no modo como se filma e na técnica empregada.
No caso do “Big Brother”, as imagens estão engendradas por toda uma amoralidade discursiva, cuja mise-en-scène, diz-se, foi suprimida. Entretanto, se há um esforço, na origem do conceito do reality show, para abolir a impressão de mise-en-scène, de interferência e de manipulação, a atuação dos competidores-personagens e as técnicas de edição tornam o objeto mais complexo.
No caso do “BBB5”, em corrente exibição, essa contradição entre o conceito original do formato e sua aplicação prática tem sido de extremo interesse para uma análise formal. As câmeras-olho, que tudo vêem, estão menos inertes, arriscando movimentos, e cada vez mais articuladas na edição, que tem assumido, de maneira explícita, um posicionamento moral.
Desse modo, a crença em uma suposta “imparcialidade” é minada em sua origem. Possui imagens quem “rende” mais cenas e quem sabe se vender como um bom personagem ou, ainda, como um personagem bom. Ou mau. Conseguir evidenciar um maniqueísmo, no caso do “BBB5”, é sinal de desenvolvimento das micronarrativas que, agora, estão, como nunca se viu antes, bem enredadas através de procedimentos ficcionais.
Closes, cortes, planos ponto-de-vista, montagens paralelas e o uso de animações têm produzido sentidos, criado espaços contíguos e descontínuos e fomentado toda sorte de conflitos. Também o uso do som está comprometido com a criação de climas e de clímax. Às vezes, as músicas soam tão incisivas que mais parecem fazer a paródia do cinema de gênero. Outras vezes, o som de um ambiente invade um outro que está sendo filmado, provocando ruídos entre som e imagem.
Assim como os editores, os operadores de câmera também estão empenhados na “construção” de cenas e na busca de um efeito-de-dramaturgia, a partir do improviso e do imprevisto. Para tanto, alternam focos, flagram detalhes e selecionam enquadramentos de modo a criar uma composição visual, desenvolvendo, assim, uma gramática possível e explorando seus limites.
O “BBB5” apresenta um incrível desenvolvimento de sua linguagem e seus participantes, por já terem sido espectadores dos números anteriores, estão cada vez mais profissionais na autenticidade auto-elaborada e na construção, com a palavra final da edição, de “kits-de-perfis-padão” identitários.
Há, contudo, um nível de conflito entre esses perfis-padrão e edição, quando determinadas falas e atitudes escapam ao “controle”, aos vários controles, seja pessoal ou institucional, e criam imprevisibilidades na construção e condução dos personagens. São essas narrativas em potencial que fazem do “BBB” uma dramaturgia de curto prazo absolutamente promissora para um público com sede de modelos alternativos baseados na indeterminação e improvisação dos “atores”, sem a programação prévia dos conflitos e sobressaltos narrativos da teledramaturgia tradicional.
Também é interessante notar que a dramaturgia do BBB e de muitos programas feitos na TV Globo atualmente (em especial no núcleo do diretor Guel Arraes, influenciado por Jean Rouch, de quem foi assistente) apresentam um parentesco com as inovações e propostas estéticas de grupos teatrais independentes dos anos 70, como é o caso, no Brasil, do Asdrúbal Trouxe o Trombone, cuja dramaturgia se apoiava nas noções de espontaneidade, autenticidade, improviso, obra aberta, antiilusionismo e na idéia de que “você é o melhor ator de si mesmo”.
O próprio Antonin Artaud, nos idos do século passado, já apregoava: “Sou eu quem interpretará o personagem de Artaud”. E ele era mesmo seu melhor personagem. Entretanto, se a crueldade deve ser buscada como ferramenta do pensamento, nos reality shows não há “teatro da crueldade” possível, pois é o lucro que dita as normas narrativas e é a acumulação de capital que define a estética. Voltamos à famosa frase de Guy Debord: “O espetáculo é o capital elevado a um tal grau de acumulação que se torna imagem”. R$ 1.000.000,00.

*Ilana Feldman é formada em cinema pela Universidade Federal Fluminense, onde faz mestrado. Dirigiu o documentário em média-metragem "Se tu Fores", que ganhou o Prêmio Itaú Cultural para Novos Realizadores.

Posted by Sandino at 10:34 AM | Comments (3)

março 03, 2005

Amigos do exílio
por Marcello Lujan*

O escritor português José Saramago costuma afirmar que “somos a memória que adquirimos”. Nestes 20 meses em que estive morando no oeste paulista, meu país estrangeiro, pude conhecer pessoas e lugares interessantes. Gravei na mente pra sempre!
Pereira Barreto, belo rio! Depois de anos e anos enfiados no ânus pela falta de estabelishment político, enfim um rumo certo! Que potencial tem a cidade!
Sud Mennucci – a verdadeira capital mundial da net, uma grande empresa! Em Araçatuba, o asfalto arde e a AEA mantém-se canarinho!
Foi naquelas bandas que conheci Gilmar (ponta firme e talentoso!), Josi (a maior “workholic mãe” que conheci), Marcelo Paya (grande coração, sujeito bom!) Darcio (serestero que democratiza o conhecimento digital) Arnaldo, Celso e Ângelo (grato pela oportunidade), Marcelo Correa (o maior contador de piadas que conheci), Dona Eli (não desanima não! eleição é eleição!), o casal Marcos e Lisandra (sucesso na firma!), Tim e Dr.Lara (grandes jams sessions!), Kativa (grande cidadão!), o pequeno Zé (amigo dos meninos), Janaína (atenciosa), Cleide (autêntica), Zuriel, Cacaio, Leonardo, Marquinhos, Marco Antônio - os amigos da nação corinthiana.
Também pude rever velhos amigos...Caetano, TT, Niltinho...
Sorte na vida!
Enfim...depois de quase uma década a democracia tem sua chance em Jacutinga. Cá estou, de volta. Fim do exílio!

* Marcello Lujan é amigo interpessoal de Sandino desde os tempos da maternidade.

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Posted by Sandino at 01:03 AM | Comments (9)

janeiro 20, 2005

Assim caminha a humanidade...

O Homem Revoltado
Por Caetano Procópio*

Para o escritor Albert Camus o mundo é uma representação do absurdo e a constatação desse estado, um trabalho da inteligência, um exercício de lucidez.
Somente a luta incansável contra as injustiças e a morte é capaz de dar legitimidade à condição humana, além de um sentido à revolta. Mas esse sentimento quando prescindido de humanidade se transforma no mais profundo desespero.
O século XXI nasceu despedaçado, sem perspectivas. O fundamentalismo, tanto religioso quanto político, apareceu como solução irremediável para justificar o vazio das almas e desarmar o universo de incertezas que erigiu juntamente com a perspectiva niilista do ódio.
Essa revolta sem argumento é uma confirmação do absurdo original que aliena e desumaniza o ser negando-lhe a própria inteligência, afinal, qual o sentido da existência senão aquilo que os homens se propõem a construir?
A tragédia de nossos dias é o resultado do individualismo burguês que exige o egoísmo como norma de conduta moral para se atingir o “sucesso” e assim transformar os indivíduos em “vencedores”. Exatamente o oposto ao que Marx propôs acerca do homem, um ser genérico e comunitário.
Se esse sucesso não é obra do acaso, também não é por mera casualidade que o fracasso acabe por produzir sofrimento, insatisfação, desespero e a brutalidade contra uma razão injusta e despropositada. O homem do século XXI traz consigo a revolta estéril dos sem esperança.
A solidariedade nunca foi tão necessária e talvez a única alternativa para a encruzilhada em que a humanidade se encontra.

* É advogado em Araçatuba (SP) e amigo de Sandino dos tempos de moleque.

Posted by Sandino at 04:54 PM | Comments (0)

janeiro 19, 2005

Um voto para Barrichello (Ufanismo Brasichello)

O país do futebol, a pátria das chuteiras, o terceiro mundo se for...a bordo de uma Ferrari. Amem o Rubinho ou deixem-no!
O lugar pouco provável para a aceitação de um esporte elitista, voltará a acordar cedo nas manhãs de domingo. Parece que o treino de sábado, valeu a pena!
O brasileiro gosta de automobilismo, temos histórias para contar na F1. Emerson foi o pole, antes dele, apenas aventureiros da pré-história da categoria, como Chico Landi, que em 1950 alugou uma Ferrari para correr o Grande Prêmio da Itália. No vácuo de Fitipaldi, vieram Pace e Piquet e as transmissões das corridas (em 79, com Galvão Bueno, a Band transmitiu o mundial). Quando Senna hipnotizou a nação, com muito talento e projeção, a F1 já tinha muita história.
Depois do acidente de Senna, os brasileiros esqueceram um pouco das corridas de carrinho. A comoção nacional foi grande. A F1 perdia um grande piloto e a mídia contabilizou muitos prejuízos. Categorias secundárias ganharam espaço nas programações das tevês abertas. Sílvio Santos deixou de ajeitar alguns namoros, perdeu alguns carnês para mostrar corridas em circuitos que lembram um autorama.
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Por não possuir um piloto capaz de vencer na F1, o país se desligou das corridas. A mídia, equivocada, sempre lembra Senna, quando deveria analisar as possibilidades reais de outros brazucas.
Com Schumacher, não tem conversa. Ele abusa do talento, tem privilégios e toda estrutura da Ferrari. Quando precisa, conta também com os serviços do garçom Barrichello.
Na temporada 2005, Rubinho poderá surpreender se mantiver uma boa regularidade. Rubinho terá sua grande chance esse ano. O brasileiro, é um piloto agressivo, constante e na média da F1. James Hunt, Rosberg, Hill foram campeões mundiais medíocres. Pelos riscos assumidos, Barrichello já merece há tempos o respeito de nossa imprensa. Quanto a Ayrton Senna... Esqueçam isso!

Posted by Sandino at 02:50 PM | Comments (3)

O Pop não poupa ninguém!

Através do uso dos meios de comunicação de massa, da expansão da voz, das ações corporais, do barulho e das coreografias, a Igreja Católica tenta reconquistar os fiéis que migraram rumo aos cultos evangélicos. Os novos católicos parecem abrir mão das suas diferenças em relação às outras religiões cristãs, se utilizando justamente dos métodos de persuasão que antes eram combatidos.
A introspecção dá lugar à euforia e a diversão. A salvação individual ou o sonho da acumulação de riquezas materiais orientam as promessas e ocupam o espaço dos pedidos que antes visavam à eliminação das desigualdades sociais e uma sociedade mais justa para todos, pontos de partida para a chamada Doutrina Social da Igreja (surgida no século XIX) para o funcionamento das Comunidades Eclesiais de Base e para a teoria batizada de Teologia da Libertação.
A eliminação das diferenças na ação evangelizadora entre católicos e protestantes em geral pode até ser falsamente considerada um avanço rumo ao ecumenismo; não é, pois ainda não alcançamos o respeito a diversidade das crenças e de vivência alternativas da fé, estamos, sim, eliminando as possibilidades de exercício religioso ao nos tornarmos aparentemente iguais uns aos outros. Reproduzo a afirmação de uma mulher reconvertida, presente num "Showmissa" de Padre Marcelo Rossi: "A Igreja Católica é parecida com a Universal, com a vantagem de que não pede muito dinheiro".
Quantidade não quer dizer qualidade e não representa perenidade.

Posted by Sandino at 02:38 PM | Comments (0)